Donald Trump ganhou o primeiro debate presidencial desta eleição de 2024. Que não haja dúvidas sobre isso, não vale mesmo a pena fazer spin, por mais que nos possa assustar Trump e a sua provável reeleição. Um Joe Biden constipado, lento, envelhecido e confuso, quase sempre com baixa energia tirando num ou outro momento não conseguiu fazer face a um Donald Trump em grande forma, demolidor, que parecia 20 anos mais novo do que o seu opositor (embora seja menos de 4). A performance de Biden foi tão má que fez as hipóteses de ser sequer o nomeado dos democratas caírem a pique nos mercados de apostas, aumentando o pânico dentro do Partido Democrata e as conversas sobre a sua possível desistência. Mesmo com figuras importantes como a vice-presidente Kamala Harris e o governador da Califórnia Gavin Newsom expressando apoio ao atual presidente, até os apoiadores mais leais de Biden reconheceram que ele não esteve bem.

Embora Biden conhecesse bem os sucessos do seu mandato e os pecados e fracassos de Trump, faltou-lhe a energia e acutilância. Começou logo mal, ao falar com uma voz fraca, e ao confundir-se ao responder uma questão, Trump aproveitou logo para dizer que não se conseguia perceber. O debate foi marcado por acusações mútuas de que o oponente desgraçou o país, de que mente, de que tem um mau caráter. Mesmo que recorrendo mais a mentiras do que Biden, Trump foi muito mais eficaz no ataque, se bem que possa ter pecado por excesso. Em um debate sem classe, onde nem se cumprimentaram, o ex-presidente republicano foi ao limite nas suas críticas a Biden. Em suma, considerou a presidência de Biden a pior de sempre, culpou-o pela alta inflação, pela entrada em massa de imigrantes ilegais que cometem crimes e roubam os empregos aos americanos, destacando as etnias hispânicas e negras, em que está a apostar, afirmou que Biden não é respeitado, portanto os Estados Unidos não são respeitados, e várias guerras no mundo têm ocorrido por causa disso. Afirmou que se estivesse no poder, nem a invasão da Ucrânia nem os ataques do Hamas a Israel teriam ocorrido, associando um mundo em turbulência a um presidente enfraquecido. Provavelmente é exagero por parte dele, mas é uma ideia que cola, sobretudo quando se compara a atualidade aos anos pré-Covid da presidência Trump. O ex-presidente passou assim o debate a comparar a economia forte, que só foi abalada pela Covid, a América respeitadíssima no palco mundial, com as fronteiras seguras à América infernal de Joe Biden, na sua opinião. Biden defendeu o seu trabalho como presidente, em que a economia americana mais do que recuperou o que perdeu na pandemia, aprovou várias medidas sociais e o maior plano de sempre de combate às alterações climática e planos de reindustrialização da América, Atacou a falta de integridade de Trump, os cortes de impostos aos ricos, a simpatia com Putin, a culpa pelo fim da decisão judicial que protegia o direito ao aborto, e a grande recessão em que os EUA entraram por causa da sua má gestão da Covid. Talvez esta última parte tenha sido menos justa, Trump não teve culpa da pandemia, e fez o necessário para aguentar a economia americana e pô-la a recuperar rapidamente. No entanto, foi mais frequente Trump ser injusto com Biden.

Apesar de considerar que Trump ganhou claramente o debate, tanto que deverá subir nas sondagens, também cometeu erros. Mentiu excessivamente e desviou-se das questões.  Foi agressivo demais e não condenou adequadamente a invasão ao Capitólio nem garantiu que aceitaria o resultado das eleições. Biden teve pouco killer instinct, enquanto Trump teve até demais.

Com as regras do debate a impedirem interrupções, e a manterem este debate organizado, Trump saiu a ganhar, tanto no tempo como em geral. Embora domine pior os dossiers que o atual presidente, Trump soube vincar muito bem a sua mensagem, e foi estratégico, conseguindo reforçar as dúvidas crescentes que existiam sobre as capacidades cognitivas de Biden, e a ideia de que os Estados Unidos, e o mundo, estão num caos, e que para se ter prosperidade, paz e ordem, Trump tem de voltar à Casa Branca.

Isso significa que Biden deve se retirar da corrida e dar o lugar no ticket eleitoral a outro democrata de peso? Não necessariamente. Para começar, este é só um debate, a mais de quatro meses das eleições de 5 de novembro. A maioria dos americanos nem está ainda a prestar muita atenção à corrida e haverá outro debate em setembro. Depois, a única alternativa lógica à Biden, é a sua vice-presidente, Kamala Harris, e ela é tão ou mais impopular. Faz então sentido o Partido Democrata e a família de Biden considerarem privadamente sua retirada? Faz algum. Porém, o mais provável é que o passar do tempo, esta má performance tenha um impacto reduzido, e dificilmente o teimoso Biden deitará à toalha ao chão.

Biden pode estar velho, mas tem um legado a defender, e já mostrou em várias ocasiões recentes ter outra energia que ainda consegue mudar perceções. Bastou vê-lo na festa pós debate, a falar com outro ânimo com os seus apoiantes. Talvez não possa exagerar nos factos e tenha de se focar em valores, em que é melhor. Não foi bonito, não lhe correu bem, mas Biden não deve desistir, e provavelmente não o fará.