“São tantos os que não se esquecem do aniversário de Cristo! São tão poucos os que não se esquecem dos seus preceitos. É mais fácil manter as férias do que os seus princípios.”
Benjamim Fraklin

(Tempos Difíceis é o título de um magistral filme de João Botelho, de 1988, que retrata a vida de três famílias, cada uma delas presa nos seus próprios arquétipos. Mantém-se atualizado porque, apesar dos inegáveis avanços tecnológicos, no que é essencial não evoluímos assim tanto, como o encerramento de livrarias como a Ferin, o aumento exponencial dos lay-offs ou o desmonoramento do colosso empresarial que era a PT, entre tantos outros, o demonstram.)

E estes são, de facto, tempos difíceis estes, em que a proximidade do Natal não permite esquecer os vários estereótipos deste país, incluindo a falência dos serviços públicos mais básicos ou, mais relevante ainda, dos princípios mais básicos do Estado Social de Direito.

Apesar de estas linhas não corresponderem ao discurso típico do Natal, a verdade é que, se pode ser verdade que nos tempos de pandemia a situação era pior, na atualidade estamos muito longe de se poder dizer que somos um país civilizado.
Passámos a viver numa bolha de individualismo, apenas interessados no nosso próprio umbigo e sem conseguirmos sequer perceber que os vencedores de hoje são muitas vezes os derrotados de amanhã.

Um pouco como sucedeu com a orquestra do Titanic, assistimos impávidos e serenos, ao som de canções de Natal e de propaganda política, ao estilhaçar de vidas e a um contorcionismo dos valores essenciais, sem que consigamos expressar qualquer tipo de revolta que não a dos posts nas redes sociais.

Em suma, falamos no Natal e celebramo-lo, mas não estamos dispostos a honrá-lo, nem mesmo nos dias imediatamente seguintes. Daí que, mais do que formular votos de boas festas, rapidamente ultrapassados pela máquina irrevogável do tempo, o exercício que proponho é o de conseguirmos transportar o sentimento de solidariedade e a capacidade de luta contra arbitrariedades para o ano inteiro, sem enveredarmos por populismos demagógicos ou por cantigas de bandido que nada de bom podem trazer.

Que o Natal não seja, apenas, quando o Homem quiser, seja lá quando isso for, antes se mantendo o seu espírito mesmo nos tempos mais difíceis. Principalmente, nestes, porque, como se cantou magnificamente, mesmo na noite mais triste, “há sempre alguém que diz não”. Não ao individualismo extremo. Não ao dissipamento dos princípios. Não ao imediatismo. Não à perda da humanidade.

Advogada

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 23 de dezembro