Sofia Soares Franco é responsável pela Comunicação Institucional, Enoturismo e Eventos da José Maria da Fonseca (JMF), e membro da 7ª geração da família que lidera esta empresa com 190 anos, sediada em Azeitão.

Se há 18 anos ponderava uma carreira na área que a apaixonou na universidade, Segurança e Defesa, hoje não hesita em dizer que foi a decisão acertada, sobretudo porque “a família achou que eu tinha o perfil certo para este lugar”. Tal como não hesita em afirmar que o avô sempre incutiu nos netos o interesse pela vinha, transmitindo-lhes “a honra e o orgulho” de serem uma empresa familiar com um negócio longevo.

Gosta de saborear um vinho com amigos e família, em particular os vinhos da coleção privada do tio, Domingos Soares Franco, e destaca o Moscatel Alambre 20 anos, por ser “uma das melhores experiências que se pode ter com um vinho acessível”. Além de falar com carinho no vinho que é “Moderno desde 1850”, a propósito da renovação da imagem do Periquita, uma marca com 174 anos de história.

Como vê o sector?

Portugal tem uma notoriedade cada vez maior, a marca Vinhos de Portugal já começa a ter o posicionamento que lhe é natural – com alguns desafios, como em todas as áreas. Neste momento, atravessamos vários desafios económicos, com a inflação, a perca de poder de compra dos nossos consumidores, o aumento do custo das matérias-primas…

Como tem atuado a JMF perante esses desafios?

Temo-nos reinventado das mais diversas formas, procurando ir ao encontro das tendências e daquilo que o consumidor procura, mas, por outro lado, fizemos também um trabalho muito grande em relação ao packaging e às matérias-primas, em linha com o nosso projeto de sustentabilidade, que não é de hoje, mas que está no nosso ADN desde a origem da empresa. Não é uma moda para nós. [sorriso] Já víamos as gerações anteriores com essa preocupação. Aliás, eu associo muito a questão da sustentabilidade ao meu avô, que tinha uma enorme preocupação com a terra. O nosso negócio vem da terra e se não cuidarmos dela não vamos ter boas uvas, bons vinhos. E a preocupação social também foi sempre muito grande.

Existe uma relação próxima com a comunidade? A JMF faz a diferença como empregador?

Somos uma empresa de alguma forma relevante em Azeitão e na Península de Setúbal. E. em termos de emprego, temos algumas famílias que já vão na quarta geração de colaboradores que trabalham connosco. [sorriso] Também desenvolvemos muito trabalho com instituições locais, nomeadamente com a Misericórdia de Azeitão, onde as várias gerações tiveram sempre um papel preponderante, pro bono, de ajuda aos mais desfavorecidos da região. Não só em termos de apoio financeiro, mas também o facto de disponibilizarmos o nosso tempo para ajudarmos associações locais.

E ao nível da sustentabilidade económica?

É uma empresa sustentável economicamente, caso contrário não teria passado de geração em geração. Eu faço parte da 7ª geração e sublinho um ensinamento que temos dentro da empresa: não somos donos de nada. As gerações anteriores sempre passaram esta mensagem de que não somos donos da JMF, somos “meros” curadores do legado que nos foi deixado, tendo como objetivo máximo passarmos a empresa melhor e mais próspera às gerações futuras. Ou seja, a sustentabilidade económica é um ponto absolutamente fulcral para uma empresa como a nossa e que se quer projetar por muitas mais gerações. [sorriso]

Voltando aos desafios que a empresa enfrenta, o que já está pensado para responder aos mesmos?

Sendo nós uma empresa cuja matéria-prima, por excelência, vem da terra, as alterações climáticas são um grande desafio para quem vive da agricultura e depende da terra. O que é que temos feito? Temos uma equipa de viticultura muito focada em melhorar a vinha e em prepará-la para aquilo que já está a acontecer. Temos novas plantações em que mudámos a orientação da vinha, por razões de exposição solar, entre outras abordagens que nos ajudam a enfrentar o que aí vem. E há outro aspeto igualmente importante: as pessoas. A JMF não vive só da família executiva e não-executiva, portanto, o objetivo é apoiarmo-nos nas melhores pessoas possíveis à nossa volta, para conseguirmos que a empresa tenha sucesso por mais gerações.

A JMF tem um acordo claro: não é forçoso serem elementos da família a assegurar a sua gestão.

Sim, temos um protocolo familiar que dita as regras pelas quais a família se deve reger em relação à empresa e a empresa em relação à família. Não somos obrigados a trabalhar na empresa – o meu percurso é um exemplo disso mesmo. E a empresa também não tem a obrigação de contratar elementos da família. Claro que, ao longo da sua história, houve administradores e elementos executivos em todas as gerações. Para nós também é muito importante haver um mix entre família e executivos não familiares, por um motivo muito específico. Achamos que a família tem uma visão muito mais a longo prazo, enquanto um executivo tem uma visão mais a médio-curto prazo. Ter esse mix é uma mais-valia para nós.

Por uma questão de complementaridade?

Sim, porque se complementam. [sorriso] Neste momento, na administração, temos quatro elementos da família e um elemento ‘não-família’ para que nos ajude a ter uma visão de fora, em relação ao negócio e a tudo o que isso envolve. Os critérios, hoje em dia, é ter uma licenciatura, mestrado e ter trabalhado fora primeiro para trazer know-how para dentro da empresa, e depois tem de haver uma posição onde o nosso perfil se encaixe. Somos oito e só três é que estão a trabalhar atualmente no negócio. Cada um segue o seu caminho profissional, mas isso não quer dizer que, no futuro, não venham a integrar a empresa. Mas não existe essa obrigação, e nós queremos uma empresa o mais profissionalizada possível para que perdure no tempo. [sorriso] Esse é o objetivo máximo!

Chegou à “maioridade” na MJF. Era o caminho que esperava seguir?

Faço 18 anos em julho de empresa familiar, mas nunca pensei que viesse a ser este o meu percurso. [sorriso] Ao início queria seguir jornalismo político, depois o meu pai convenceu-me a estudar ciência política, porque poderia mais tarde ir para jornalismo. No curso, na Nova, apaixonei-me pela área de segurança e defesa, fiz o mestrado na Católica em Segurança e Defesa, ou seja, estudei sempre em Portugal.

E traz ensinamentos da Segurança e Defesa para a empresa?

Sem dúvida. Primeiro, muita cultura geral, porque estes dois cursos deram-me uma grande amplitude de conhecimentos. Sobretudo na licenciatura, interagi muito com pessoas de outros países que também me acrescentaram muito. E, depois, nas funções que desempenhei – primeiro, num estágio no Ministério dos Negócios Estrangeiros e, depois, no Comando da NATO, em Oeiras – trabalhei sempre na área de Public Relations. Mais tarde, começo com um enoturismo, que também tem muito a ver com relações públicas e hospitalidade, i.e., receber toda a gente que nos visita. Em 2010, enveredo pela Comunicação e este background de Ciência Política e Relações Internacionais, sobretudo no Comando da NATO com a imprensa, organização de eventos, etc., deram-me ensinamentos que trouxe para a empresa. E eu estava longe de pensar em trabalhar na JMF. Aliás, estava a candidatar-me a um cargo internacional na NATO quando a família me informa que tem em mente profissionalizar a parte de enoturismo da empresa. Nós já fazíamos visitas guiadas, em Azeitão, desde os anos 1960, nas nossas adegas, jardins e casa. Mas, no ano 200, essa operação profissionalizou-se mais e, em 2016, perguntaram-me se eu não teria interesse nessa área, até porque gostariam que esta posição fosse ocupada por uma mulher da família. [sorriso] Eu que achava que o meu percurso nunca iria passar pela empresa, acho que não demorei mais do que 30 segundos a decidir que era isso!

O reconhecimento, os prémios – como o de Melhor Profissional de Enoturismo 2023 e outros – são importantes?

Eu achava que não, mas reconheço que foi bom ver o meu trabalho no enoturismo, na altura 17 anos de trabalho, reconhecido. [sorriso] Quando comecei a trabalhar o enoturismo na JMF, esta área era ainda muito incipiente em Portugal. De facto, há projetos incríveis no país e profissionais muito bons, portanto, ter recebido, na segunda gala da APENO – Associação Portuguesa de Enoturismo, o prémio de Melhor Profissional trouxe-me um “sabor muito doce”. [sorriso] Depois disso, surgiram várias oportunidades para falar em seminários, etc. E gosto muito da parte académica, dou aulas em algumas universidades, entre elas a Universidade de Évora.

Também aprende com os seus alunos?

A diversidade de alunos é muito interessante para quem está do lado de cá [a ensinar]. Cada vez que dou aulas, sinto sempre que não só estou a passar conhecimento, como sinto que ganho ainda mais – até parece uma tarefa egoísta porque gosto muito de dar essas aulas para receber. [risos] As novas gerações trazem muitas novas ideias e conhecimento.

Alguma dessas ideias está a ser posta em prática?

Sim! Uma das pessoas da minha equipa fez o seu trabalho na pós-graduação sobre o enoturismo da JMF, e trouxe-me imensas ideias, como os “workshops com vinho”, que já estão a decorrer. Isto é muito bom porque, por vezes, estamos tão imbuídos no trabalho do dia a dia que não há espaço para pensar em novas iniciativas. Por isso, essas novas gerações – e algumas trabalham comigo – e que vêm muito daquilo que é feito noutros enoturismos, inclusivamente lá fora, no meu caso específico, estou sempre muito aberta ao que se faz em Portugal e pelo mundo fora. [sorriso]

Como tem sido a recetividade?

Muito boa! E ao mesmo tempo que estamos a fazer a prova de vinhos, temos uma artista local – fazemos questão de envolver e apoiar artistas da região – que vem dar estes workshops. As pessoas têm gostado, porque a um momento lúdico se soma a aprendizagem. E as empresas cada vez mais procuram isto: a ligação à terra, à história… Refiro-me a iniciativas de teambuilding, inclusive de empresas estrangeiras, que já não querem fazer apenas uma visita e uma prova de vinhos. Querem algo mais. E a ligação à região, às tradições locais e à história local, tem sido uma das nossas principais apostas este ano e que iremos reforçar no próximo.

Podemos ter algumas pistas?

Como disse, este tipo de workshops, mas alargando a outras atividades económicas da região, como o queijo de Azeitão, os azulejos, e queremos ligar, cada vez mais, as diversas vertentes e que as pessoas usufruam de tudo isto no mesmo espaço. Temos, ainda um programa que se chama “Um Dia com a Família”, que é dos mais premium e que tem bastante procura, dirigido a grupos pequenos, em que a visita, o almoço ou jantar conta com um elemento da família, pois muitas vezes estão mais focados em negócio, por exemplo, e nesses casos sou eu que faço as honras da casa. No dia a dia, recebemos mais de 42 mil visitantes na Casa-Museu e, portanto, temos uma equipa muito profissionalizada, de 13 pessoas, e estamos abertos todos os dias da semana. Para isso, e para receber vários grupos de pessoas por dia, temos de ter uma equipa alargada, que fale vários idiomas e que esteja preparada para proporcionar as melhores experiências a quem nos visita.

Quais são os programas mais procurados?

[sorriso] A visita guiada com uma prova de vinhos e produtos regionais, que depois termina com uma refeição no nosso restaurante, o Wine Corner, que abrimos em 2019. E a vertente da sustentabilidade, que passa por apoiar os produtores locais e regionais, assim como os fornecedores da região, respeitar a sazonalidade dos ingredientes utilizados, e também o tema do desperdício. O foco do nosso restaurante passa, também, pela gestão racional dos ingredientes.

E gosta de vinho?

Sim, gosto. Mas é uma coisa que se vai aprendendo. E é natural começar pelos brancos e pelos rosés, e depois se vá evoluindo para os tintos, que são mais complexos e menos imediatos. Ao longo dos anos, também fui amadurecendo o meu paladar, as minhas escolhas, o prazer. Gosto muito de saborear um vinho acompanhada, com amigos e família.

Quer eleger um vinho preferido?

Posso dizer que o melhor vinho que bebi da JMF foi um Periquita de 1938, quando fizemos uma prova vertical de Periquitas, e foi o vinho tinto mais incrível que bebi até hoje. E, há três anos, no jantar de Natal de família, o meu tio e o meu pai abriram um Moscatel de Setúbal de 1880, que foi também das melhores experiências que tive até hoje! [sorriso] Falando em vinhos atuais, gosto muito de beber entre amigos os vinhos da coleção privada do meu tio [Domingos], nomeadamente o verdelho, o Rosé de moscatel roxo, e em termos de tintos, gosto muito do Hexagon – que é uma homenagem à sexta geração da família, composto por seis castas tintas. E diria que o Moscatel Alambre 20 anos é das melhores experiências que se pode ter com um vinho acessível, e que combina bem com queijo azul, queijo de Azeitão, foie gras, sobremesas ou então sozinho.

O que diferencia os vinhos JMF dos demais?

[sorriso] Há muito amor e entrega em todas as nossas marcas. Por exemplo, o meu tio, atualmente, só se dedica a fazer os vinhos da Coleção Privada e os moscatéis. Reformou-se, tal como o meu pai. Já passaram a ‘pasta’ à sétima geração, muito embora o meu pai vá regularmente ao escritório. E o meu tio ficou responsável por alguns topo de gama da JMF e pelos moscatéis mais antigos.

Alguma vez partilhou consigo qual foi o ‘blend’ mais desafiante?

Não, não me disse, mas lembro-me que na altura do Hexagon – a primeira colheita foi no ano 2000 – o meu tio referiu que, de facto, foi muito difícil fazer o blend de seis castas. Ele sempre viveu em Lisboa, mas nessa altura estava a viver em Lisboa, e dizia que provava o Hexagon antes de sair da sala de provas e tinha que sentir o vinho, na boca, até chegar a Lisboa. Enquanto não chegou lá, não desistiu de aprimorar o blend. E só no dia em que chegou a Lisboa e o vinho perdurava na boca é que deu como concluído o seu primeiro Hexagon. [sorriso] É difícil chegar ao equilíbrio perfeito de seis castas – que estava na cabeça dele. Ele imagina o vinho de uma determinada forma e, depois, tem de chegar a esse resultado.

Quais são as principais castas com que trabalham atualmente?

Castelão, a principal casta tinta da Península de Setúbal, que foi trazida pelo Sr. José Maria da Fonseca do Ribatejo, e que é hoje a casta ex-líbris da região. Moscatel de Setúbal, que também usamos muito em vinhos brancos, não só em vinhos generosos. Fernão Pires, que é uma casta primordial da região. Moscatel de Setúbal e Moscatel Roxo, que o meu avô, da quinta geração, salvou da extinção. Havia muito pouco Moscatel Roxo na região, é uma casta muito sensível, que dá pouca produção, muito doce – portanto, é a primeira uva que é comida pelos pássaros na vinha – e os viticultores da região estavam a desinteressar-se desta casta. E o meu avô achou que seria um erro deixar morrer uma das principais castas da região e replantou-a em grande quantidade, que é sempre pouca comparando com as outras, mas que hoje já não está em extinção. [sorriso] O interesse aumentou.

O leque de moscatéis da JMF é considerável.

Nós estivemos muitos anos sozinhos a produzir Moscatel de Setúbal, mas hoje há muitos produtores e com dimensão, mas recordo uma frase curiosa do Mark Squire. Ele veio cá fazer uma prova de Moscatéis de Setúbal, aí há uns dez anos, e nomeou-o “o melhor vinho desconhecido do mundo”. [sorriso] Efetivamente, ainda temos muito trabalho para fazer em termos de comunicação e de apostar na “premiumnização”. Este ano, por exemplo, vamos lançar em leilão um Moscatel de Setúbal de 1924. Em 2018, lançámos o 1918… Temos vinhos incríveis e muito antigas no nosso portefólio – ou seja, a riqueza do néctar já existia e, nos últimos anos, temos procurado dar a dignidade que estes vinhos mereciam em termos de packaging e comunicação. E nestes leilões que fazemos, sensivelmente, de cinco em cinco anos, escolhemos uma colheita antiga dentro da frasqueira, que é a coleção privada da família, em que nós lançamos um desses moscatéis antigos num packaging renovado e apetecível, e que ajuda à comunicação destas joias da JMF dentro e fora de portas.

Quais as metas da JMF para o médio-longo prazo?

Continuar a crescer. [sorriso] Criámos, em 2015, uma distribuidora própria em Portugal, que tem feito um trabalho extraordinário no mercado nacional. Estamos presentes em mais de 70 países, nos cinco continentes, e queremos, obviamente, alargar mercados. Mas o projeto para os próximos dez anos é consolidar os mercados onde já nos encontramos, isto sem fechar portas a novas oportunidades. No nosso negócio lá fora, somos apoiados por parceiros que são importadores nos vários mercados, mas queremos, cada vez mais, estar mais próximos dos consumidores nos vários mercados. Neste momento, temos uma pessoa da JMF no Brasil, que trabalha junto com os nossos importadores e que visita os nossos clientes brasileiros. É um mercado que está sempre em luta com a Suécia pelo primeiro lugar. E temos ainda uma pessoa que faz os mercados asiáticos, que é um asiático sediado em Azeitão, mas que passa a maior parte do tempo nessa zona do mundo.

O sudeste asiático e a China, em particular, colocam desafios acrescidos?

A China é um mercado enorme, com imenso potencial, mas também um mercado difícil. A nossa aposta, que é bastante recente, não tem ainda um ano, é fundamental. Ter uma pessoa que fale a língua do nosso mercado, que conheça as tendências, é muito importante, porque o mercado asiático é muito diferente do mercado europeu e do mercado americano, norte e sul. A dez anos, a nossa aposta será ter mini-distribuidoras nos nossos mercados internacionais, sem descurar os nossos importadores, que nos têm ajudado ao longo dos anos. Há relações de longa data, como o nosso importador da Noruega, que está connosco há 40 anos. [sorriso] Muitos deles, também são negócios familiares e, muitas vezes, as empresas familiares tendem a associar-se, quiçá por termos filosofias e valores muito próximos.

Podemos falar em ‘best-sellers’ da JMF?

O Periquita é a nossa principal marca, criada em 1850, e continua a ser um best-seller a nível mundial. Fizemos um rebranding há pouco mais de um mês e lançámos uma nova campanha, porque não queremos ficar debaixo da árvore à espera que os frutos caiam. Queremos estar focados no futuro, mas sempre a acompanhar o tempo em que vivemos, sendo que neste rebranding fomos buscar muitos elementos das primeiras garrafas de Periquita de 1850. É importante termos percebido que dar um ‘passo atrás’, em termos de imagem, era aquilo que o consumidor pedia neste momento. [sorriso]