“Demorei a perceber o peso da responsabilidade que é dar voz ao fado.” Esta frase é sua. O fado incute mais responsabilidade do que outro género musical?
Comecei a cantar muito nova, com nove anos, e não tinha noção do peso do fado. Fui descobrindo cada vez mais sobre o fado e acho que será um mistério até final da minha vida. O fado é uma grande responsabilidade, porque é a alma dos portugueses, a forma como o português se mostra ao mundo. E é uma música intensa, com mágoa, uma amarra… não fui eu que o escolhi.
O fado é que a escolheu?
Eu sinto isso, porque não me lembro do dia em que não estive ligada ao fado, mesmo quando não cantasse. Os fadistas não são só fadistas porque cantam.
Dia 13 apresenta o seu terceiro álbum, com o nome de Liberdade. No que difere dos primeiros dois que lançou?
A matriz é igual à dos outros, que é a de eu ser fadista, mas sinto que ao longo do tempo em que tenho viajado pelo mundo e levado o fado fora do nosso país descobri-me mais enquanto artista e mulher. E este disco traz a liberdade de ser quem sou, sem medo do que possam achar.
São 13 temas com influência de Alfredo Marceneiro e Santos Moreira e letras de Joana Espadinha, Pedro Abrunhosa, Carminho, Carolina Deslandes ou Tiago Bettencourt. Quem escreve o que canta tem de a conhecer bem?
Cada vez mais quero que isso aconteça, porque, se cantarmos coisas que não sentimos, fico farta de cantar.
Aos 13 anos, quando venceu a Grande Noite do Fado, percebeu que o seu futuro era este?
Antigamente, a Grande Noite do Fado era um marco para os fadistas. E quando ganhei a noite em juvenil era uma menina, nem tinha noção, fui lá divertir-me e conhecia os meus colegas todos, cantávamos juntos em casas de fado. Mas nessa noite… tive a certeza de que era possível fazer muito mais com o fado e que tinha muito para percorrer.
Passou a ser mais disputada?
Fazia quatro a cinco casas por noite. Cantava mais de 30 fados por noite, que me deu a estaleca para hoje. E éramos menos do que somos hoje.
Há mais pessoas hoje a cantar fado?
Sim, quando comecei a cantar, na minha geração éramos três em Lisboa.
O fado é um género em crescendo?
Sim, e dificilmente vai sair da moda.
Há a ideia de que o fado é pouco sedutor para as novas gerações. Sente isso?
Antes de alguém ouvir um disco ou uma fadista tem de ir a uma casa de fados. A magia está nas casas de fado.
Mas porque acha que há mais pessoas a cantar fado?
Pela nova roupagem que o fado traz hoje. Os tempos vão mudando e os fadistas também e, antes, as letras eram um bocadinho mais difíceis de descodificar.
Prémios Play em duas categorias, nomeação para o Grammy Latino, prémio Revelação da Rádio Festival: sente que o facto de ter uma imagem moderna ajuda a cativar mais público?
Não me acho nada moderna…
Falo ao nível da imagem…
Mas o que é o fado como imagem? Porque é que o fado tem de estar associado a uma imagem, e não a um canto ou a uma guitarra portuguesa? Às vezes fico a pensar que estamos agarrados a uma coisa que já tem muitos anos. A roupa e o penteado são acessórios. O fado é voz, é a guitarra portuguesa, é o canto, é emoção.
Privou com grandes nomes como Cidália Moreira, Jorge Fernando, Celeste Rodrigues, mas Amália Rodrigues, Beatriz da Conceição e Fernando Maurício são as três grandes inspirações…
E Fernanda Maria também. Para mim, a Amália era muito mais do que fadista, era uma artista completa, uma deusa do nosso país; o Fernando Maurício, porque é bairrista; a Beatriz da Conceição é uma personalidade única e não houve ninguém que se exprimisse daquela forma; a Fernanda Maria, pela forma de cantar. Vou beber muito a eles.
Quando deu voz ao Grito de Amália na série Une Famille Formidable sentiu-se completa?
Foi um grande passo pelo facto de cantar o Grito.
Já cantou clássicos de Amália como Alfama ou Fado Português. Há quem a veja como a sucessora da diva?
Não gosto que digam. Eu quero ser a Sara Correia… mas compararem-me à Amália é chamarem-me fadista.
Com tanto tempo em digressão, ainda vai a casas de fado?
Quando tenho tempo… É onde vou buscar força e a magia para enfeitiçar as pessoas lá fora. As casas de fado são a igreja dos fadistas. Quando paro e estou cansada, sinto que tenho de ir lá à porta para sentir a aura de Alfama ou do Bairro Alto.
Fez de Severa no filme Alfama em Si e teve uma participação na série Glória, distribuída pela Netflix. A representação é algo que a seduz?
Foram convites que me foram feitos e, como incluíam o fado e artistas – neste caso, a Amália e a Severa -, tive todo o gosto em retratar esse momento. Adorei.
Se puder cantar fado, vai fazê-lo até ao fim da vida?
É o que vou fazer se Deus me permitir. Não consigo não cantar.