Robert Kaplan: “Seja qual for o desenrolar desta guerra, o problema da Rússia permanecerá”

Autor e especialista em geopolítica, Robert D. Kaplan considera que na guerra da Ucrânia se disputa o futuro da Europa, com os diferentes actores obrigados a posicionarem-se. Em entrevista, diz que as gerações pós-“guerra fria” foram enganadas – ou enganaram-se – e que a tensão que resulta em conflito é um banho de realidade, num quadro geopolítico que é, agora, mais interconectado

Na última introdução do seu livro “A Vingança da Geografia”, publicado em Portugal, menciona Henry Adams que dizia que o problema central da Europa era, e seria sempre, a Rússia e a sua integração. Este problema tem resolução? A Rússia desejará alguma vez ser parte da Europa Ocidental?

Henry Adams foi o bisneto do segundo presidente norte-americano, John Adams, e neto do sexto [presidente norte-americano], John Quincy Adams, e era um historiador famoso e brilhante.

Em 1907, disse que o problema da Europa é e será sempre a Rússia, porque a Rússia é muito grande, muito caótica, e não é ocidental o suficiente para ser facilmente absorvida na família europeia de nações. E acho que o que estamos a ver agora, com a guerra na Ucrânia, que estamos de volta ao ritmo da história como Henry Adams o definiu. Vemos a Rússia, novamente, a causar dificuldades ou a ser uma condicionante para o futuro da Europa.

Seja qual for o desenrolar desta guerra, o problema da Rússia permanecerá.

Há uma expressão de Lenine que décadas podem passar e nada acontece e, então, passam-se semanas e meses e décadas acontecem; é onde estamos agora.

As próximas semanas e meses no campo de batalha na Ucrânia, a maior guerra na Europa desde 1945, determinarão, de várias maneiras, o futuro da Europa. Se os ucranianos tiverem sucesso ou se se saírem bem e capturarem uma quantidade significativa do [território] que a Rússia tomou, poderemos ver o fim de Vladimir Putin, ou poderemos ver uma tirania mais intensificada na Rússia, ou poderemos ver, se ele cair ou, eventualmente, for substituído, uma Rússia mais caótica, uma Rússia ainda mais nacionalista, ou, talvez, uma Rússia mais liberal e democrática, que, ainda assim, seria muito instável.

Portanto, o problema da Rússia é com a Europa no futuro previsível.

A Ucrânia está numa má posição, sendo uma planície entre duas grandes potências. Se ninguém vencer esta guerra, o que pode acontecer?

Com a Ucrânia, a Rússia é um império; é um grande império orientado para a Europa, que se estende por todo o Extremo Oriente, com metade das longitudes da Terra, mas, sem a Ucrânia, a Rússia é apenas um fraco, instável problema para o resto da Europa, mas com armas nucleares.

E assim, o problema da Rússia continua e a Europa enfrentará este problema no Leste nos próximos anos e nas próximas décadas, particularmente as partes da Europa que estão perto da Rússia, como a Polónia, no Sul através da Roménia e Bulgária, Estados Bálticos, Finlândia;

estes são os verdadeiros e os mais fortes estados anti-russos da NATO.

Vemos a Alemanha a investir em defesa e propondo-se ser uma potência militar na Europa. A invasão russa despertou fantasmas antigos?

A invasão russa é um desastre para a Rússia em termos de Europa, porque, durante décadas, a Alemanha foi, essencialmente, uma potência neutra, embora nunca o admitisse. Estava a ter gás natural barato da Rússia, estava a ser defendida pelos Estados Unidos [da América] e estava a enriquecer com o comércio com a China.

A invasão russa, por outras palavras, forçou os alemães a escolher, e desistiram do gás natural russo, por enquanto, e prometeram aumentar o seu orçamento da defesa, o que torna a Alemanha um componente mais forte da Aliança Atlântica, que é o oposto de tudo o que Vladimir Putin queria.

A Alemanha vai querer ter um papel diferente a partir de agora?

Não tenho tanta certeza. Acho que os alemães, no fundo, em parte por razões geográficas, gostariam de reconstituir o comércio de gás natural com a Rússia, com uma Rússia pós-Putin ou algo assim, porque os alemães recordam-se sempre que, em 1945, a Alemanha foi derrotada, humilhada, foi informada de que nunca mais poderia ser uma potência militar. Portanto, os alemães tornaram-se muito agressivos no comércio e na produção, na indústria, e é aí que os alemães estão hoje, muito agressivos como potência produtiva, querendo aproximar-se da China.

É possível ou viável para os poderes políticos na Europa dizer aos seus cidadãos que agora terão de pagar pela defesa?

É difícil para os europeus. É [uma ideia] fácil de vender na Polónia, nos Estados Bálticos ou na Roménia, países que foram invadidos tantas vezes pela Rússia; [ali], dizer aos cidadãos que eles têm de pagar mais pela defesa é lógico, é fácil.

É um pouco mais difícil na Alemanha e na França, e, presumo que, a longo prazo, seja mais difícil no Sul – de Portugal, no Atlântico, à Grécia, no Egeu –, porque estes países são menos, muito menos, afectados pela Rússia e pela ameaça que ela representa, e muito mais afectados por desafios de longo prazo, como a migração do Saara e da África subsaariana e, no caso da Grécia e da Itália, pela migração das guerras no Oriente Médio.

Esta guerra foi, em muitos aspectos, uma surpresa, e obrigou-nos a olhar novamente para a geopolítica, que, afinal, não acabou. O mundo globalizado pós-Muro de Berlim enganou-nos, de alguma forma, no modo como olhamos para os pontos de tensão ao redor do globo?

Nos primeiros 20 anos após a Guerra Fria muitos intelectuais pensaram que havíamos deixado para trás a geografia e a geopolítica; estávamos, agora, num mundo globalizado onde a política externa era sobre intervenção humanitária. Eu rejeitei isso, e, por isso, escrevi o meu livro “A Vingança da Geografia”, que escrevi há 13 anos, na verdade, porque há outra metade da história e a outra metade da história era o mapa e não só o mapa, mas recursos naturais, culturas, demografia, mudanças climáticas; todas estas coisas afectam as relações internacionais, nem sempre no bom sentido.

Portanto, penso que a geração pós-Guerra Fria, a geração inicial pós-Guerra Fria, foi enganada ou enganou-se a si mesma e agora voltámos à realidade com esta guerra, que, como eu disse, é a maior guerra na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. E tivemos, antes, uma pequena dose de realidade com os Balcãs, na década de 1990, mas isso não foi suficiente; sabe, as pessoas disseram que era uma circunstância especial, por assim dizer.

Este é o novo mundo, a nova geopolítica?

A nova geopolítica é complexa. Por um lado, o mundo é mais pequeno, a geografia encolheu, o mundo está mais ansioso, mais claustrofóbico, mais interconectado, com crises numa parte da Terra capazes de afectar outras partes como nunca antes. Portanto, nesse sentido, a geografia antiquada está enfraquecida, mas ainda é forte o suficiente para surtir efeito em muitas partes do mundo. Apenas para dar um exemplo, Taiwan fica a quase 100 milhas [cerca de 161 quilómetros] do continente chinês; se fossem apenas 20 milhas de distância [cerca de 32,2 quilómetros], como a largura do Canal da Mancha, bem, então os chineses do continente teriam invadido e conquistado Taiwan na década de 1950. Assim, a geografia importa. E é tão óbvio que as pessoas tendem a descontá-lo.