Desde as maiorias absolutas de Cavaco Silva, entre 1987 e 1995, houve 11 governos, mas apenas quatro conseguiram cumprir o mandato até ao fim. Ou seja, em menos de 30 anos caíram sete executivos e o aparecimento de novos partidos torna cada vez mais difícil a desejada estabilidade política. As próximas eleições, após uma maioria absoluta, confirmam isso mesmo com vários cenários a apontar risco de instabilidade.

Com todas as sondagens a afastar nova maioria absoluta, depois de a última, pela primeira vez, ter sido interrompida a meio do mandato, a pergunta mais feita a Pedro Nuno Santos e a Luís Montenegro é sobre as alianças que estão dispostos a fazer para garantir a governabilidade. Há dúvidas por esclarecer, mas já se percebeu que o PS está disponível para uma nova geringonça e o presidente do PSD já garantiu que não fará acordos com o Chega. A partir daqui, quase todos os cenários são possíveis – e alguns podem ser uma dor de cabeça para o Presidente da República, que ganhará mais peso a partir do dia 10 de março.

“Há muitas possibilidades em aberto. Só mesmo na noite eleitoral é que teremos condições para perceber”, diz ao JE Miguel Prata Roque, comentador e antigo secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

Há dois cenários que poderiam oferecer estabilidade, mas a partir daí a situação pode complicar-se. Se o PS vencer e existir uma maioria de esquerda, Pedro Nuno Santos já se mostrou disponível para nova geringonça – há muito que é um dos maiores defensores desta solução, dentro do partido. E se a nova AD conseguir a maioria ou precisar apenas da Iniciativa Liberal também será fácil um entendimento perante a disponibilidade dos liberais para o acordo pós-eleitoral.

Cenários mais críticos
“Se houver apoio maioritário à esquerda a questão parece-me resolvida, mesmo que não haja acordo formal”, diz Prata Roque. A situação pode tornar-se mais complexa se o PS vencer as eleições, mas a direita junta reunir a maioria dos deputados. “Se houver maioria à direita, mas o PA vencer, o que me parece expectável é que o Presidente da República convoque o líder do PS a formar governo. Nesse caso, os líderes da AD terão de decidir se apresentam ou apoiam um voto de rejeição do programa do governo. Se o fizerem, devem apresentar alternativa”, diz Prata Roque.

Mas há outro dado a ter em conta se o PS vencer e não contar com a maioria de esquerda. Luís Montenegro já garantiu que só governa se vencer. Ou seja, “haverá formação de um governo do PS que governará enquanto os partidos da oposição não se unirem numa moção de censura”, traduz o ex-governante socialista, lembrando que o Parlamento “não pode ser dissolvido durante seis meses” e esse governo duraria, pelo menos, até final de 2025.

Se a AD vencer as eleições, mas ficar dependente do partido de André Ventura, “aí a responsabilidade já se transfere para o PS, que terá de decidir se viabiliza um governo do PSD”.

Apesar dos riscos de instabilidade e de as sondagens apontarem para o crescimento dos partidos à esquerda do PS e à direita do PSD, o politólogo José Palmeira prevê, em declarações ao JE, que os partidos tenham “uma atitude construtiva para evitar nova ida a eleições, até porque constitucionalmente é necessário aguardar seis meses para voltar a ir às urnas”. E o eleitorado “costuma penalizar bastante quem abre crises políticas; os partidos terão isso em mente”.

O professor de Ciência Política da Universidade do Minho acredita que destas eleições vai sair “uma solução governativa”, mas só o tempo dirá se será estável. “A acontecer uma maioria de esquerda haverá mais dificuldades do que no tempo da geringonça, mas o PS tem um trunfo que é impedir o regresso da direita ao poder”, diz Palmeira, considerando que, no caso de a nova AD vencer as eleições sem maioria, é necessário ter em conta o resultado do partido de Ventura. “Vai depender do peso eleitoral do Chega. Uma coisa é duplicar, outra é crescer para o triplo. O partido será mais ou menos exigente nas reivindicações consoante a expressão desse resultado”.

Mas há outro cenário possível se o PS vencer as eleições e existir uma maioria de direita. José Palmeira não exclui a possibilidade de Luís Montenegro, devido aos compromissos que assumiu durante a campanha, dar lugar a outra personalidade. “Se o PS vencer sem maioria de esquerda, esse governo pode cair no Parlamento. Será dada a possibilidade ao PSD e nesse cenário o PSD poderá indicar outra personalidade”, diz o politólogo, acrescentando que esse governo ficaria dependente da “vontade” de Ventura. E o Chega “pode não ter interesse em abrir uma crise política – parte do seu eleitorado também quer um país governável e não é por acaso que ele abandonou aquelas questões mais fraturantes”.

Um cenário que não é possível, esclarece Miguel Prata Roque, é António Costa continuar em funções. “Será impossível, porque quando o PR convidar alguém para formar governo, este governo deixa as suas funções imediatamente.” No pior dos cenários, explica, se os partidos aprovarem uma moção de rejeição, o PR tentará “nomear um novo primeiro-ministro e se esse também for reprovado pode ficar o governo seis meses em gestão e com poderes muito reduzidos”.

Prata Roque desdramatiza a “instabilidade”: “A Bélgica esteve, há uns anos, mais de dois anos sem governo e na Alemanha é normal estar-se meses em negociações para formar governo. É uma realidade comum nos sistemas democráticos europeus.”

Certo é que a campanha oficial arranca a 25 de fevereiro, mas até às eleições é quase certo que a política de alianças será um dos principais temas a animar o debate entre os partidos.