Em duas semanas, a demissão de um primeiro-ministro por (mais um) caso de corrupção no seu governo de maioria absoluta transformou-se num “golpe” perpetrado por Presidente da República e Ministério Público para derrubar um “governo legitimado pelo povo”.

Num tirinho, foi de besta a bestial António Costa, o líder socialista que comandou os governos do familygate, do Galpgate, do Tapgate, do aeroporto anunciado e cancelado em 24 horas, dos piores incêndios de que há memória no país, do desmantelamento do SEF, das golas antifogo que eram altamente inflamáveis, do chefe de gabinete (do próprio primeiro-ministro) que escondia 75 mil euros em notas no gabinete, do Adjunto (do PM) arguido num processo de corrupção e dos governantes a braços com a justiça, do caos no SNS e na Educação, do recorde de funcionários públicos, da tentativa de roubar metade do aumento legal devido aos pensionistas no ano com a pior inflação de que há memória, das manobras de distração para não haver decisões e das contas certas conseguidas à custa do esbulho fiscal e da inflação.

O socialismo que desgovernou o país até um ano de 2023 em que se vive com a maior carga fiscal e os piores serviços públicos de sempre, em que o elevador social foi posto fora de serviço, com o beneplácito de PCP e BE, e que apenas promove a mediocridade recuperou o estatuto de grande cuidador do povo traumatizado e torturado pela “perigosa direita dos radicais”. Ou pelo menos é isso que nos querem vender.

Em duas semanas, o PS quebrou-se e muitos embarcaram na via que acreditam única para lhe garantir o poder, cujo exercício consideram ser o seu estado natural, empenhando os valores que José Luís Carneiro ainda defende para se render ao messias Pedro Nuno Santos, que acreditam ser o que lhes oferece mais vantagem – que importa o futuro do país se o do PS estiver garantido?

Em duas semanas, o já não tão jovem turco que digere melhor qualquer refeição servida pela extrema-esquerda do que alguns pratos típicos do próprio socialismo conseguiu vender até a notáveis moderados do seu partido que está mais maduro e mais ponderado e que até acha “fundamental” sentar-se à mesa com o mesmo PSD que em simultâneo acusa de estar radicalizado porque pode aliar-se a esses perigosos extremistas que são os liberais. O homem que se opõe frontalmente à privatização da TAP, que acredita que os bancos devem ser forçados a usar o seu dinheiro (dos depositantes e dos acionistas, leia-se) para cumprir funções sociais, que as dívidas, a pública incluída, não são necessariamente para se pagar, e que há um ano decidiu e anunciou de motu proprio o local para o novo aeroporto de Lisboa, sem dar cavaco sequer ao seu primeiro-ministro, ainda menos ao PR, e que não admite ser por isso criticado (“Não é o PSD que me confere autoridade política”, disse), jura-se agora aberto a escutar e considerar a opinião dos que se sentam à sua direita. O socialista da ala esquerda que dispara antes de fazer perguntas e se preparava para dois anos de evangelização do povo com comentários semanais a dizer o que faria diferente do governo socialista de que fez parte até há menos de um ano diz, sem se rir, que PS há só um. E para alimentar a fantasia da sua recém-adquirida maciez plural, chama os que alegremente o carregam ao colo para registar e divulgar momentos em que aproveita a presença de pessoas com valor e créditos firmados, de preferência da sua direita, para vender melhor a ilusão de que já não é aquele radical que na verdade acredita ser desígnio da sua superior moralidade decidir o que os outros portugueses devem poder fazer.

Só uma coisa não mudou nestas duas semanas, como em quase uma década desta infeliz governação socialista: em 2023, todas as desgraças continuam a ser imputadas a um governo que acabou em 2015 e que em quatro anos de uma vida amarrada à troika – a que o socialista José Sócrates abriu a porta depois de deixar o país na bancarrota – conseguiu tirar Portugal do buraco.

MÁ MOEDA
Mário Centeno, governador do Banco de Portugal
É o triste resultado de Centeno não ter recusado de imediato a ideia de ser indicado como putativo PM num governo alternativo do PS: a sua imparcialidade ficou em causa, a sua credibilidade foi abalada e o conforto que jura manter na cadeira de governador do BdP é comparável ao de quem se senta sobre pregos. E ainda nem ouvimos o que a presidente do BCE, Christine Lagarde, tem a dizer sobre o caso, depois da carta que lhe chegou acusando aquele que era (esse sim) um forte candidato à Europa de “violação grave” dos deveres de independência. O deslumbre do momento, levado ao extremo com a entrevista ao FT, pode bem ter-lhe posto em causa o futuro.

Diretora