Preâmbulo

Dez anos pode ser muito tempo – ou nem por isso. Imagine-se em 2034, daqui a dez anos. Pode dizer que vai ser como a última década – uns buracos na estrada, mas tudo mais ou menos na mesma. Mas pode não ser assim. Há muitos motivos para ser muito melhor ou dramaticamente pior e, de facto, a História está cheia de cenários extremos que ninguém imaginava dez anos antes.

Portugal 2034 é uma série de dois artigos em que partilho como poderá ser Portugal daqui a dez anos, nos tais dois extremos: o sonho e o pesadelo. Com o desassombro e, espero eu, com a fiabilidade das Les Prophéties de Nostradamus em 1555. E não deixarei o contexto mundial de fora porque as forças que vão mover o mundo são obviamente determinantes para um país com esta nossa escala e quase nula influência (exceto no futebol, claro). Um especial agradecimento à Joana Petiz e ao Jornal NOVO, pelo estímulo de sempre, e a Alvin Lee e à sua memorável banda Ten Years After (1967-75), que não durou os prometidos dez anos mas que me inspirou e acompanhou durante a preparação do texto (especialmente Positive Vibrations).

Leia aqui a parte II

Parte I: O sonho

Estamos em 2034. As relações entre EUA e Rússia nunca foram melhores – o presidente dos Estados Unidos, um jovem clone de Reagan, e o sucessor do falecido Putin, o seu guarda-costas Viktor Zolotov, negociaram e puseram fim a todas as frentes de guerra mundiais e acordaram no desmantelamento de armas nucleares à escala mundial. Com Xi Jinping ainda vigoroso aos 81 anos, mas com uma economia fragilizada depois de anos de recessão, a China alinha-se completamente com o urso e a águia. Em 2027, os três acordavam, sob enorme pressão social e com mediação do Papa, atacar a fundo os fatores de alteração climática e, em 2034, já se sentem resultados na redução de intempéries colossais, do plástico no mar e do degelo nos polos. A ONU tornou-se uma instituição marginal; poucos países a frequentam e o edifício-sede está meio vazio, com muitos andares oferecidos a quem os quiser, em regime de aluguer de curta duração. As decisões importantes são tomadas pelo grande trio que mantém o G7 vivo para manter alguns países alinhados com os seus interesses.

Na Europa, as atenções centram-se em França, que (para variar…) se tornou um campo de batalha a sério. Le Pen é presidente há nove anos, mas as suas cedências ao novo Partido Islâmico criaram conflitos de rua graves entre conservadores, islâmicos e simples bandidos disfarçados de esquerda radical, com o Louvre e o Quai d’Orsay a sucumbirem em chamas no processo. O Reino Unido reentrou na UE em ambiente de enorme festa, Itália está numa situação pujante e a Alemanha mantém-se sóbria, focada na florescente economia, que é cada vez mais a locomotiva da Europa. Espanha, no entanto, descambou – a regionalização tomou o poder e sugou os fundos do Estado central e dos privados. Fragilizada pela fragmentação do poder, pela pobreza económica e por ondas de emigração qualificada para países prósperos e em paz, Espanha vive anos virada para dentro, a gerir as suas duras tensões económicas e sociais, e desleixa as suas defesas. Com financiamento francês, de Estados magrebinos e da Arábia Saudita, o revigorado Estado Islâmico invade a Andaluzia. O que resta do exército espanhol intervém e a tomada de Granada e da Alhambra dura apenas duas semanas, mas a conquista de Gibraltar persiste e o enclave volta a ser Jabal-Al-Tarik para sempre.

E Portugal – o que aconteceu e onde estamos agora, em 2034?

Em 2024, a AD forma um governo minoritário com apoio parlamentar do Chega, que pensa a prazo e age mansinho: cede o governo todo ao PSD, faz muito barulho no Parlamento e na televisão, mas viabiliza sem ondas os programas de governo e os orçamentos. O PSD tem tudo para brilhar, mas o governo é fraco e não avança nas reformas fundamentais mais decisivas, enquanto o Chega vai reivindicando para si as poucas vitórias e atirando as derrotas com estrondo para cima do PSD.

Em 2026, um candidato de direita, ex-militar com elevado carisma e autoridade torna-se o novo Presidente. Com Ventura, é amor à primeira vista.

O Chega ganha as legislativas de 2028, PSD CDS e IL criam a maioria de apoio necessária e são recrutados para o governo profissionais de elevada competência, muitos deles ligados à IL, do CDS e do PSD. Entretanto, Carlos Moedas conquista a presidência do PSD salvando o partido de morte certa. Nasce uma ótima relação entre Moedas e Ventura, que em 2029 remodela o governo oferecendo a Moedas três ministérios de alta importância: Finanças, Economia e Saúde.

2029 a 2034 é o grande período de ouro de Portugal. Todas as reformas fundamentais são executadas com sucesso, permitindo reforçar a eficácia da administração pública e a competitivividade do sector privado. Empurrada para a sarjeta, a esquerda vai definhando – o PS está reduzido a cinzas sem uma liderança galvanizadora, BE e CDU desapareceram.

Inevitavelmente a economia e o bem-estar social explodem. Entre 2024 e 2029, o governo PSD tinha reforçado e alterado o PRR, dando mais aos privados do que ao Estado, cujos mega-investimentos são severamente cortados para aplicação exclusiva em soluções de alta racionalidade. Em 2029 já se sentem os efeitos de uma governação mais sensata e competente – Portugal cresce muito acima da UE e ultrapassa quatro países em PIB per capita graças à nova política fiscal, à atração de residentes estrangeiros em igualdade fiscal com os locais e à pujança do turismo, a que se junta o domínio crescente das nossas empresas nos mercados internacionais, graças aos novos modelos de apoio do Estado à iniciativa privada, mais eficazes e racionais.

Este crescimento deve-se em boa medida a uma nova geração de empresários e gestores que tiveram o bom senso de passar vários anos a construir brilhantes carreiras académicas e profissionais fora e, aos 35 a 40 anos de idade, voltam para Portugal para tomar conta da empresa da família ou de uma das grandes privadas nacionais. Regressam assim os jovens que tinham partido, as saídas passam a ser de curta duração, a população cresce e Portugal assume uma estratégia de liderança clara do mundo lusófono com estímulos atraentes ao acolhimento de imigrantes de “sangue português” reconhecidos como um pilar da sociedade – uma magnífica reconstrução do império português do Estado Novo mas agora cingida ao que realmente interessa, uma influência económica e cultural – nasce assim a nova commonwealth portuguesa.

Jurgen Klopp dizia há dias ser espantoso um país com uma população tão pequena produzir os melhores jogadores e muitos dos melhores treinadores de futebol do mundo. Em 2034, a sua frase já se aplica a todas as dimensões económicas e sociais – Portugal ombreia com a Dinamarca como o país mais feliz da Europa, é visto como o melhor destino do mundo para viver. É o paraíso dos estrangeiros e a Pátria com que sempre sonhámos. O prestígio de Portugal em todo o mundo é enorme, há muito que não somos a Roménia da Europa do Sul – antes pelo contrário, a Suíça passou a ser considerada o Portugal da Europa Central. E a Califórnia, o tal sonho antigo? Morre de inveja.

Empresário, gestor e consultor

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 23 de março