Preâmbulo

Dez anos pode ser muito tempo – ou nem por isso. Imagine-se em 2034, daqui a dez anos. Pode dizer que vai ser como a última década – uns buracos na estrada, mas tudo mais ou menos na mesma. Mas pode não ser assim. Há muitos motivos para ser muito melhor ou dramaticamente pior e, de facto, a História está cheia de cenários extremos que ninguém imaginava dez anos antes.

Portugal 2034 é uma série de dois artigos em que partilho como poderá ser Portugal daqui a dez anos, nos tais dois extremos: o sonho e o pesadelo. Hoje, a série termina com o Pesadelo. Reitero o meu especial agradecimento à Joana Petiz e ao Jornal NOVO pelo estímulo de sempre e a Alvin Lee e à sua memorável banda, Ten Years After (1967 – 1975), que não durou os prometidos dez anos mas que me inspirou e acompanhou durante a preparação do texto (especialmente Positive Vibrations).

Leia aqui a parte I

Parte II: O pesadelo

Estamos em 2032. A China conquistou Taiwan e, em aliança com a Coreia do Norte, tomaram em conjunto a Coreia do Sul e avançam sobre o Japão – Shikoku e Kyushu estão já há dois anos sob domínio da aliança asiática e prepara-se a invasão de Tóquio. A ocidente, os países da antiga URSS estão a ser tomados um atrás do outro pelo Exército Vermelho, estimulado pela rendição da Ucrânia em 2026 e comandado por um Putin velho e doente determinado em legar ao sucessor o grande império soviético de há 80 anos.

Em 2028 tinha renascido o Estado Islâmico, com um poder muito maior graças aos fundos das comunidades islâmicas europeias, cada vez mais fortes, dos países muçulmanos já integrados no daesh (Marrocos, Líbia, Tunísia, Síria, Sudão…) e da Casa de Saud. Os partidos islâmicos desencadeiam grandes ataques terroristas no mundo ocidental, à escala do 11 de Dezembro, e tomam o poder em França, Espanha e Bélgica, em alianças com a extrema direita, estimulando juntos ondas de imigração descontrolada de África para a Europa. A desagregação da UE é inevitável e cada um dos países que preservam a sua autonomia e o estilo de vida ocidental prepara as suas defesas, mas sabem que o seu destino será o mesmo.

Até 2031, os EUA e a NATO tentaram ficar de fora de qualquer das frentes de guerra, abertas por russos e chineses, e das tensões na Europa, limitando-se aos inócuos protestos que já fazem a sua imagem de marca há muitas décadas: ladrar muito alto mas não morder. Mas quando, no seu leito de morte, Putin dá as derradeiras ordens para atacar a Polónia e o Alasca quase ao mesmo tempo, os sentimentos de Pearl Harbour renascem e os Estados Unidos lançam-se em força nas duas frentes – na Europa, a NATO defende a Polónia, invade e ocupa a Eslováquia e a Bielorússia para restabelecer o equilíbrio na nova Cortina de Ferro; e no Alasca, os Estados Unidos dizimam os invasores e entram por território russo. Destroem todas as cidades à sua passagem e avançam milhares de quilómetros, conquistando todo o território ártico russo até ao rio Lena e a poucas centenas de quilómetros da fronteira com a província chinesa de Harbin. À vista das tropas norte-americanas tão próximas, o governo japonês reforça os apelos de auxílio e uma armada norte-americana zarpa do porto ocupado de Okhotsk em direção a Honshu e à capital, Tóquio. O presidente dos EUA, um ex-militar inspirado por Patton, e o sucessor do falecido Putin, o seu guarda-costas, Viktor Zolotov, não se falam e as tentativas do velho Xi Jinping de procurar medear conversações para, pelo menos, travar o avanço americano em solo russo e evitar o confronto com os americanos no Japão não resultam.

Já em 2031, ferido das derrotas nas frentes ocidental e oriental e dominado pela velha linha dura de Putin, o Kremlin tenta convencer Zolotov de que não há alternativa senão recorrer ao arsenal nuclear. Zolotov hesita, acaba por não concordar mas não conta com a frieza do vizinho chinês. Consciente da fraqueza das suas forças convencionais, vítimas da longa recessão económica chinesa e do desgaste provocado pela guerra com o Japão, com uma doença terminal que lhe deixa poucos meses de vida e sem família nem sucessor evidente Xi Jinping acha que não tem nada a perder se passar o ponto de não retorno e prime o botão vermelho. A partir daqui, abrem-se os alçapões de todas as potências nucleares e os céus de todo o hemisfério norte são cobertos por dezenas de mísseis com ogivas nucleares – o belo videowall riscado de trajetórias de mísseis da sala de guerra americana de Dr. Strangelove, a obra-prima de Stanley Kubrick, já não é ficção. Tudo se passa no dia 18 de março de 2032, em menos de 12 horas.

A devastação é inimaginável. A maior parte dos três grandes países estão arrasados, assim como cidades icónicas como Londres, Paris, Berlim, Sidney ou a Cidade do Cabo. Vão contar-se mais de dois biliões de mortos ao longo dos anos seguintes. A maior parte da Europa e Portugal não foram alvos diretos mas não escapam do efeito das radiações. A fome e a miséria vão afetar gerações, até que se recupere uma vida normal no planeta. Elon Musk fugiu num dos seus foguetões e vive numa mansão com golfe e ténis em Marte, onde uma colónia de bilionários conduzem os seus Teslas pelas estradas vermelhas e aguardam o dia de poderem voltar a casa.

E Portugal? Bom, já sabemos o que nos espera a 18 de março de 2032, mas o que aconteceu entretanto e onde vamos estar em 2034 ?

Em 2024, e depois do triste espetáculo de tentativa de eleição do presidente da AR, o Chega rompe com a AD, que se vai aproximando do PS mas sem sorte gradual. Na oposição, o Chega ganha força e o PS recupera à custa da queda da (ainda) AD. O PS vence as eleições europeias com o Chega em segundo e a AD em terceiro, um reflexo da qualidade e firmeza de liderança de cada uma das forças. O CDS desvincula-se da AD, admitindo o erro de a ter integrado no início – afinal, sozinho, poderia ter tido três ou quatro deputados. Esta saída contribui para piorar a já débil posição do líder do PSD, que é deposto por Luís Filipe Menezes num atribulado Congesso Extraordinário no final de 2025. Em 2026 é eleito um novo presidente, um conhecido senador socialista trazido pelos bons ventos que vem descansar em Belém com os netos – a sua influência é nula.

A governação do PSD sob Menezes é um desastre, as principais medidas caem sem suporte parlamentar e o país arrasta-se até 2028 pior do que nos oito anos de António Costa. A saída permanente de quadros qualificados intensifica-se, o turismo cai a pique, as startups fogem, as falências de empresas e o desemprego aumentam e passamos a ser de longe o país mais pobre da UE. Num corolário lógico desta vertiginosa queda, a população é massacrada por uma onda de crimes que se agiganta sobre a fragilidade das forças da ordem e do próprio exército que, sem equipamento, mal pagos, mal comandados e desmoralizados nada querem nem podem fazer. No Mundial de 2026, apesar do esforço titânico de Ronaldo, somos eliminados nos quartos de final pelo Uzbequistão por 6-1.

Nestes negros quatro anos, o único efeito positivo foi Portugal ter conseguido conter a entrada das forças islâmicas espanholas, ávidas por tomar Lisboa, se bem que a troco de uma abertura absoluta à entrada de imigrantes muçulmanos, que rapidamente se organizam numa força política alinhada com a constelação do Estado Islâmico.

Em 2028, PS e Chega travam uma dura batalha eleitoral mas o PS, estranhamente tido pelos eleitores como uma força mais estável para travar a degradação do país, sai vitorioso e conta com o suporte de uma maioria de esquerda fortalecida – regressa a geringonça de 2015. Mas com os cofres vazios e uma liderança titubeante, o novo governo não resolve os problemas do país, cada vez mais graves porque a complexa e frágil situação dos principais países da UE acabou há muito com os fundos de alívio comunitários.

A eclosão da III Guerra Mundial apanha-nos como a um pedinte esfarrapado, só, com frio e com fome. Se o nosso território fica a salvo da queda direta de bombas nucleares, o inferno de devastação no resto do globo não nos poupa de todo – a fuligem que bloqueia a luz solar destrói todas as culturas, o ar e a água tornam-se gradualmente tóxicos, com os ventos do Norte, populações de zonas atingidas correm nas primeiras semanas a refugiar-se em países como Portugal, trazendo consigo infeções de radiação. Ao longo de dois anos, morrem milhões de portugueses, mas muitos sobrevivem. No dia 19 de março de 2032 começa, para eles e para todos os outros biliões de sobreviventes, a penosa jornada de lenta recuperação da vida e do planeta – a jornada de largas décadas que vai ser afinal o nosso legado para várias gerações vindouras.

Termino com uma breve nota. Não censuro quem diga que tanta mudança em apenas dez anos não é realista ou que o resultado é exagerado, apenas reitero o seu caráter ficcional e por isso o tempo não é verdadeiramente relevante. O que é relevante é ter a consciência de que o fim da détente e a atitude passiva e quase cómica da governação nacional não é impossível – e por isso deve continaur a ser combatida.

Empresário, gestor e consultor

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 29 de março