Pedro Reis é cliente da casa e “grande amigo do Manuel Fernandes” – o abraço efusivo não deixa margem para dúvidas – e por isso não é de estranhar que pouco depois de se sentar lhe chegue um pratinho de milho frito para se deliciar enquanto não vem o peixe-espada com molho de maracujá, escolhido sem hesitação. Eu opto pelo grelhado – basta o maracujá na flute de verdadeira poncha madeirense de boas-vindas que o anfitrião fez questão de dar a provar e que envergonha todas as outras que por estas bandas se apresentam como tradicionais.
À mesa d’O Madeirense, fala-se do país, do futuro que pode ser e do que devia ser. Homem do mundo, pelo muito que já conheceu pelo seu pé ou pelas notícias que lhe chegam de todas as paragens, “como consumidor obsessivo de informação” que se assume – e as páginas de publicações digitais assinadas em dois ecrãs completos de telemóvel comprovam -, tem as suas ideias bem definidas. E o caminho que gostava de ver o país tomar: um de mais crescimento, de cumprimento do seu potencial. E faz o possível por ajudar a encaminhar a realidade para esse Portugal mais rico e bem-sucedido. Fê-lo enquanto líder de empresas, fê-lo como ponta-de-lança da internacionalização de empresas de outros, fê-lo enquanto conselheiro de negócios alheios e fá-lo ainda conforme os desafios a isso o convocam – entre os mais recentes, o Conselho Consultivo da Diáspora Portuguesa, o International Club de Portugal e o Conselho Estratégico para a Atração de Investimento Direto Estrangeiro da CIP. Empurra-o para essas missões o sentido de que deve dar-se ao país, a vontade de ajudar a melhorar o mundo que tem à volta. Mas também a alegria que lhe vem de estar ao serviço de algo maior do que ele.
Sorriso rasgado, gargalhada solta, Pedro Reis revela o tropicalismo de quem absorveu paragens quentes, como o Brasil onde passou parte da infância e Moçambique que herdou do pai.
Nascido em Lisboa, como os irmãos – pai de Águeda, mãe de Trás-os-Montes, filha de engenheiro levado a Moçambique para fazer a grande Barragem do Limpopo -, o 25 de Abril e as empresas tomadas “por engano” levaram a família pelo “tradicional roteiro” de fuga ao extremismo da época: Madrid, depois Brasil. E foi nesse Rio de Janeiro muito à frente do tempo que se vivia em Portugal que viveu o primeiro momento que identifica como transformador. “Eu tinha sete anos e foi nessa altura que comecei a entender o mundo à minha volta”, conta, revelando algum choque no regresso, já adolescente e experimentado, a um país que vivia bem mais atrasado nos costumes, ainda muito conservador e algo fechado. O regresso tornou-se possível depois de recomeçarem do zero do lado de lá do Atlântico – o pai sempre empenhado em esconder a gravidade da situação -, onde os três irmãos partilhavam um quarto em cujas paredes se fixavam três mapas: o de Portugal, o do Brasil e o do mundo. “Nunca esqueçam donde vieram, onde estão e para onde vão”, dizia-lhes o pai. Uma lição aprendida pelo exemplo e passada aos filhos com igual empenho e método.
Hoje, Pedro está certo de que se o regresso tivesse sido um par de anos mais tarde a sua vida se teria cumprido no Brasil, mas não tem arrependimentos – sobretudo porque cumpriu a adaptação com a facilidade de quem já transplantara raízes. Nos Salesianos do Estoril, no ténis e no râguebi somou amigos para a vida, a informalidade carioca e a abertura ao mundo levou-o a atirar-se para cursos de verão em Inglaterra e até a um tempo de voluntariado num kibutz (comunidade israelita) que em nada prejudicou os resultados dos exames de entrada em Gestão: foi o mais bem classificado da Católica, onde viria a conhecer a mulher, Rita.
Impetuoso e independente, teve ainda uma deriva por Direito, onde cumpriu um semestre, mas o risco de a tropa lhe atrasar a licenciatura fê-lo regressar à Gestão, ainda que continue a acreditar que teria dado um grande advogado.
Beber do mundo inteiro
De sentido de humor apurado, pensamento liberal e leitor apaixonado – de política e economia, mas também de romances históricos -, Pedro Reis confessa-se um consumidor compulsivo de informação. “Houve um tempo em que eu era conhecido como o Pedro da Economist, porque andava sempre com a revista debaixo do braço”, ri-se, enquanto mostra um par de ecrãs de telemóvel plenos de assinaturas digitais de dezenas de jornais portugueses e estrangeiros. É talvez essa noção mais ampla do mundo à sua volta que o impele a dar-se, a contribuir como pode para melhorar o que o rodeia, na maioria das vezes nos bastidores, colhendo sensibilidades em todos os degraus da escada social, em empresas e em instituições. “Dizem-me imensas vezes ‘você pensa como nós’ – até na AICEP e no BCP -, e creio que isso vem da experiência que fui somando nas PME familiares, daqueles oito ou dez anos iniciais, em que acumulei quilómetros de feiras, de fábricas, de negociações.”
Essa experiência trouxe-lhe a honra de ser o mais jovem a receber o Prémio Gestores do Amanhã, do JNICT, entre outras distinções que acumula no currículo, mas sobretudo ajudou-o a desempenhar funções na AICEP. “Foi o que mais gostei de fazer na vida, porque ali juntava as minhas vidas todas e tive oportunidade de dar gás à internacionalização das empresas portuguesas, a trabalhar com equipas extraordinárias e num momento incrivelmente difícil e desafiante.”
Era o tempo pós-bancarrota de Sócrates e do governo de Pedro Passos Coelho agrilhoado à troika. E recorda que foi, entre os presidentes da agência para a internacionalização, aquele que menos tempo esteve no gabinete, usando antes o seu tempo para verdadeiramente promover as exportações e captar o tão necessário investimento. Saiu no fim do mandato com que se comprometera – apesar da insistência de muitos para que prolongasse a sua estada, a missão estava cumprida.
Para o antigo líder do PSD, pela mão de quem entrou no partido – foi uma de 30 individualidades independentes convidadas para militantes nos 30 anos do partido -, só guarda elogios. “É uma pessoa diferente, com um sentido de Estado e de serviço únicos; está numa liga própria, só dele.” Di-lo do antigo primeiro-ministro, mas também do homem, que conheceu em casa de Vasco Rato e com quem convive ainda em jantares de amigos comuns ou encontros mais reservados: “É mesmo fora de série.”
Se Pedro Reis sempre rejeitou o protagonismo, isso nunca lhe condicionou esforços para contribuir para o que entende como uma melhoria. Incluindo no que respeita a uma alternativa social-democrata à governação, capaz de construir um futuro de valor para Portugal. Fê-lo em dois momentos: com o programa de Passos Coelho, em 2011, e agora juntando-se ao Acreditar de Luís Montenegro. “É a minha forma humilde de ajudar o país e o PSD”, simplifica. “Nunca quis aceitar cargos executivos, de primeira linha.”
Foi também essa vontade de levar a sua experiência e pensamento a novos horizontes – acrescentando-se também a si, aumentando dimensão e entendimento – que o levou tão tarde à banca, escolhendo, após vários convites recebidos depois de sair da AICEP, assessorar a comissão executiva do BCP em temas de internacionalização, tornando-se de seguida CEO do BCP Capital e assumindo outros cargos executivos ao longo dos oito anos que passou na instituição. “Nessa altura percebi que se ficasse mais tempo ia fixar-me ali e então voltei a saltar fora e candidatei-me à Ordem dos Economistas”, explica. Sempre disponível para novos voos, viu fugir essa vitória mas abrirem-se novas oportunidades que abraçou, como as plataformas Portugal XXI e Portugal Agora, a presidência dos conselhos consultivos do International Club de Portugal e do Conselho da Diáspora Portuguesa, o Conselho Estratégico para a Atração de Investimento Direto Estrangeiro da CIP ou o Conselho Supremo da Cruz Vermelha. O que há em comum em todas estas vidas? “O fio condutor sou mesmo eu, as minhas diferentes vertentes. Da internacionalização ao coração.”
Foi o coração que o guiou sempre – alimentado por uma rara amplitude de visão, assegurada pelo profundo conhecimento do mundo, das culturas, pela simplicidade e capacidade de acrescentar pontos de vista ao seu, de aprender e absorver quanto o rodeia. Mesmo nos piores momentos, como o que viveu quando fez 50 anos e se viu confrontado com a fragilidade dos que mais ama. Rita era operada ao coração, de peito aberto, o filho mais novo atropelado, com o prognóstico mais negativo a indicar uma mera sobrevivência ligada à máquina.
“Acabou tudo bem, mas foi muito duro e fez-me repensar prioridades, foi claramente um momento transformador. Consigo ver uma vida antes e uma depois disso, ciente da total aleatoriedade das coisas.” Fala desses dias, em que pôs a vida toda em pausa para acompanhar o filho, como uma aprendizagem. Aos 24 anos, João acaba de formar-se em Economia, dedicando-se também a missões de voluntariado, conta-me com o mesmo orgulho que dedica aos filhos mais velhos, Francisco, de 26, advogado na CS, e Tomás, de 28, doutorado em Física.
Agora vê melhor o que quer da vida – admite que algumas vezes sacrificou os amigos a bem da família, a que é profundamente dedicado, e do trabalho, que é verdadeiramente um prolongamento da sua pessoa – e por isso, nos tempos livres, limita-se a dizer que se diverte. “Procuro os blendings certos nesta salada-russa que é muita coisa diferente ao mesmo tempo”, ri-se, antes de admitir a maior paixão: viajar. “Se eu ganhasse o Euromilhões, só viajava.” E tem um plano para uma espécie de reforma: “Fazer trekking pelo mundo, andar pela natureza.”