António Costa pediu a demissão “por indecente e má figura” e o país precisa de um governo com “autoridade moral para conduzir uma política diferente”. Uma frase de Pedro Passos Coelho foi o suficiente para deixar os socialistas inquietos, antecipando um regresso do homem que muitos dizem ser o único capaz de reunir uma verdadeira maioria para governar o país à direita.

Ainda que tenha vincado não desejar agora ter intervenção política – “cada um tem o seu tempo e este tempo não me pertence. Devemos deixar o espaço a quem pertence o tempo para fazer aquilo que é preciso”, disse o ex-primeiro-ministro –, a voz de Passos nunca deixa os socialistas descansados. Menos ainda quando se ouve numa crítica aberta aos últimos oito anos de governação. “Espero que o país saiba identificar no atual governo, que está a cessar funções, responsabilidades graves na situação a que o país chegou. Suficientemente graves para que o primeiro-ministro tenha sido o único que se tenha sentido na necessidade de apresentar a demissão”, concluiu Passos.

Do primeiro-ministro demissionário ao novo secretário-geral, as declarações agitaram as bandeiras socialistas e foram recebidas com críticas e acusações ao antigo líder social-democrata. Em quem encontram uma suposta vontade de protagonismo, sobrepondo-se ao atual líder do PSD, Luís Montenegro, e o secreto desejo de assumir o poder, de braço dado com André Ventura.

“Passos nunca percebeu que há oito anos a maioria rejeitou e chumbou a sua governação”, reagiu Pedro Nuno Santos, realçando a maioria negativa que deu origem à geringonça, após Passos ter vencido as legislativas de 2015, depois de quatro anos a implementar as medidas de resgate da troika. E apontando à frase do antigo primeiro-ministro uma usurpação da posição de Montenegro, mas também a concretização da “antiga vontade de entendimento entre PSD e Chega”. É “azedume”, juntou António Costa, considerando que “deve ser muito cansativo estar há oito anos à espera que o diabo chegue”.

A verdade é que Passos não esteve sozinho nas críticas aos socialistas. Bem mais duro nas palavras foi Durão Barroso, ao defender que “o PS deve fazer uma cura de oposição” e que é preciso “uma limpeza nos balneários na política”. “Estando o país como está na habitação, na saúde, na educação, seria incrível que os portugueses continuassem, seria quase impensável e muito estranho que quem nos trouxe a esta situação ficasse”, vincou o antigo PM do PSD e antigo presidente da Comissão Europeia. “É uma questão de higiene política mudar a governação.”

Com o recém-eleito líder – e ainda há um ano ministro do governo de Costa – à cabeça, os socialistas, porém, veem nas críticas a vontade de tomar o poder. Uma narrativa que pode ter uma pesada fatura. “O PS está a cometer um criminoso erro contra a democracia”, disse na SIC Sebastião Bugalho, apontando-o como “grande normalizador da extrema-direita, ao colar o Chega aos partidos da direita democrática que repetidamente o rejeitam”.

Esse alisamento de todos à direita do PS pela bitola do extremismo tem tido particular relevo nas afirmações de Pedro Nuno, que insiste que “PSD e Chega não se distinguem” e a IL é ”radical”. É a narrativa socialista adotada: a ameaça de que o PSD se prepara para fazer uma geringonça à direita, contando com Ventura – que deverá solidificar a posição de terceiro partido mais votado. E uma vez que Montenegro tem dito que não fará acordos com o Chega – ainda nesta semana repetiu que “não é não” –, o PS acena agora com a ameaça de, à semelhança do que fez Costa a Seguro, Passos querer roubar o lugar a Montenegro e tomar a governação do país em parceria com Ventura.