Neste momento, os ventos da História estão com Donald Trump, ainda mais após levar um tiro na orelha durante um comício para as eleições presidenciais de 5 de novembro. Uma série de tiros que por pouco não matou um ex-presidente americano e candidato à Casa Branca. Após se aperceber do ferimento na orelha, Trump baixou-se e foi protegido pelos agentes dos Serviços Secretos. Assim que os snipers da segurança abateram o jovem que disparou de uma distância não muito grande, Trump levantou-se, e quando o apressavam para sair de cena, disse para os agentes esperarem, ergueu o punho e gritou três vezes “Lutem!”, levando a plateia, ainda em choque, e com feridos, a gritar o nome do seu país: “U-S-A!”. A cena, com a bandeira americana no céu, foi imortalizada para sempre numa foto brilhante do fotógrafo Evan Vucci.
O pior foi assim evitado, embora seja de lamentar a morte dum apoiante de Trump e outros feridos. A imagem de Trump de punho do ar, ensanguentado, a mostrar a sua força e a apelar à luta, é um momento definidor da campanha eleitoral, mas também dum homem, Donald Trump, que após quase ser assassinado, revelou o apurado instinto político, bravura e elevou a um novo nível o seu apoio, dos mais à direita, a muitos moderados. O ex-presidente republicano que já estava em alta após a vitória clara no debate de 27 de junho contra o enfraquecido Joe Biden, atual presidente, é agora visto por uma generalidade de comentadores, e provavelmente da maioria dos americanos, de longe, como o mais provável vencedor. À escrita desta análise, ainda não se sabe o efeito nas sondagens, porém, no agregador de mercados de apostas de Lott and Stossel, a chance de Trump vir a ser reeleito presidente subiu de 60 para 66%. Trump voltou assim ao centro das atenções de maneira trágica, mas também heroica, após umas semanas em que se manteve discreto, ao assistir às dificuldades de Biden assegurar que está capaz de liderar o ticket democrata e até a Casa Branca, ao seu partido – e ao povo americano. O contraste entre a força de Trump, e a fraqueza de Biden, ficou agora mais marcado que nunca, que sem garantir a vitória, eleva o ex-presidente a um novo patamar de popularidade política.
Não devemos dar por garantida a reeleição de Trump, dado que ainda é pouco claro o que se vai passar nas próximas semanas e meses até à eleição. Sabe-se pouco sobre o atirador, que até estava inscrito no Partido Republicano, não se sabe bem ainda qual será a estratégia política a seguir por ambos os lados, após a condenação bipartidária deste ataque violento. O nível do discurso político americano tem-se tornado cada vez mais violento verbalmente. E fisicamente a violência também se tem tornado mais comum, seja contra democratas ou republicanos, não só em tentativas de assassinato, mas sobretudo na forma de manifestações muito violentas, e até uma invasão do Capitólio, sede do poder legislativo, por apoiantes de Trump após a derrota nas últimas presidenciais. Mas um ataque destes contra um presidente ou candidato presidencial já não ocorria desde 1981, quando o presidente Reagan foi alvejado. Talvez seja melhor para a América, e para o mundo, que o discurso político se acalme, e se moderem as asserções catastrofistas sobre as consequências de o lado rival ganhar, assim como as comparações com figuras inequivocamente malévolas da história, como Adolf Hitler. Os líderes democratas, incluindo o presidente, estiveram bem na condenação destes ataques, enquanto os republicanos, compreensivelmente, embora com exageros, denunciaram os líderes democratas como responsáveis pelo ambiente político que levou a isto. A realidade é que ambos os lados fazem um discurso demasiado feroz, que seria melhor mesmo acalmar.
Mas será que vai acalmar? Trump e Biden ambos falaram por telefone, ambos falaram da importância de unir o país, e a campanha política será suspensa parcialmente nos próximos dias. Oxalá não haja um crescendo de tensão que leve a mais atos violentos, possivelmente mais trágicos ainda. Será muito interessante ver as estratégias de ambos os candidatos, Trump talvez se mostre mais reconciliador do que costume. Do lado democrata, as chances de vencer as presidenciais tornaram-se mais baixas, mas ao mesmo tempo torna-se menos provável o afastamento de Joe Biden. Sem as eleições estarem já perdidas, a substituição de Biden tornou-se menos eficaz para derrotar Trump, e caso Biden perca, poderão sempre justificar-se com este momento em vez das debilidades do seu candidato.
Sem ser crente em providências porque digo então que os ventos da História estão com Donald Trump? Digo isto porque o historial político de Trump tem sido de reergueres constantes e de vitórias inesperadas contra tudo e contra todos. Trump não conseguiu ser nomeado por um pequeno partido para ser o candidato nas eleições presidenciais de 2000. Após uma viragem à direita no seu posicionamento político, Trump namorou candidatar-se até que até em 2015 entrou nas primárias republicanas, e sem ser levado a sério por tantos nos média e nas elites de ambos os partidos, acabou por vencê-las claramente. Contra a candidata mais preparada de sempre, a ex-secretária de Estado e antiga primeira-dama, Hillary Clinton, foi oposto por um recorde de vozes proeminentes, mas ganhou à tangente o Colégio Eleitoral, mesmo perdendo o voto popular. Durante o seu mandato teve dificuldades em controlar a sua equipa e foi continuamente parte de diversos escândalos, com mais ou menos fundamento, e impugnado uma vez antes das eleições. Sempre muito atrás nas sondagens durante o ano da pandemia, aumentou o seu número de votos em 2020, mesmo perdendo contra Joe Biden. Não aceitou a derrota, foi a inspiração para um ataque vergonhoso do Capitólio quando este certificava a vitória de Biden, e por uns momentos parecia que durante a segunda impugnação, até os membros do próprio partido o baniriam definitivamente da política. Condenaram-no verbalmente, mas não chegaram a afastá-lo. Depois, ao assistir às dificuldades de Biden na gestão da recuperação pós-pandémica e da ordem mundial, não resistiu à sede de vingança e de desforra e candidatou-se às primárias republicanas. Contra bons candidatos, e enquanto era acusado de dezenas de crimes em tribunal, venceu esmagadoramente. Desta vez, é mais popular do que o seu oponente e tem estado sempre taco-a-taco, ou como agora, ligeiramente à frente nas sondagens. Novamente, ainda falta muito tempo para as eleições, mais surpresas acontecerão, e tanto contra um Joe Biden que também é bom a reerguer-se, como contra outro democrata mais jovem e enérgico, a tendência de polarização eleitoral tem levado a eleições renhidas.
Mas Donald Trump, um homem profundamente carismático, e amado por tantos, mas também assustador para tantos outros, parece destinado a vingar 2020 e recuperar a Casa Branca. Cheio de defeitos de caráter, nomeadamente a impulsividade, está desta vez a ser mais controlado e estratégico, mais sábio, portanto, ao mesmo tempo que continua com o instinto apurado como sempre. Num país tão dividido, Trump nunca ganhará pelas margens que Ronald Reagan ganhou em 1984, mas parece estar cada vez mais destinado a ganhar, até, pela primeira vez o voto popular, porventura com folga, e assim vencer facilmente a eleição. Os ventos da História, para o bem, e para o mal, parecem estar com o ex-presidente.