Numa semana marcada pelo rescaldo dos ataques de mísseis e drones do Irão a Israel, passou finalmente na Câmara dos Representantes norte-americana um pacote de 95 mil milhões de dólares de sobretudo ajuda externa para a Ucrânia, Israel e Taiwan, com o voto da grande maioria dos congressistas tanto democratas como republicanos. O presidente da câmara, o republicano Mike Johnson, resumiu assim a importância de passar este projeto de lei:

“Três dos nossos principais adversários, a Rússia, o Irão e a China, estão a trabalhar juntos e são agressores em todo o mundo. Representam uma ameaça global à nossa prosperidade e segurança. O seu avanço ameaça o mundo livre e exige liderança americana. Se virarmos as costas agora, as consequências poderão ser terríveis.” Uma visão reaganiana do papel dos Estados Unidos no mundo, defensor do Bem contra o Mal, com diferenças grandes para as tendências isolacionistas crescentes na ala mais à direita do partido republicano.

Johnson que não era apoiante da Ucrânia e arrisca agora perder o cargo por contestação nas fileiras partidárias, conseguiu passar essa legislação, após o fracasso em fevereiro, graças a uma estratégia de divisão em três partes; uma de apoio a Israel, outra de apoio à Ucrânia, uma terceira a Taiwan, e ainda um quarto projeto de lei, com vista a banir o TikTok chinês e a sancionar o Irão. Analisando os votos pelas diferentes facções dos partidos, o apoio a Israel foi menos popular entre os democratas mais progressistas e os republicanos mais à direita, assim como os projetos para forçar a venda do TikTok e sancionar mais o Irão. A ajuda à Ucrânia foi extremamente impopular entre os 44 republicanos mais à direita, e também em 72 dos 174 outros republicanos. Entre os votos contra, as razões variaram, desde a defesa da causa palestiniana à preocupação com a dívida. De resto, o apoio aos pacotes de ajuda e projetos de lei foram extremamente populares, com quase todos os outros democratas a votarem sim. A realidade é que continua a haver um consenso alargado nas elites políticas americanas em apoiar Israel, a Ucrânia, contra o Irão e ceticismo em relação à influência crescente da rede social TikTok, o que mostra também a crescente tendência de rivalidade com a China.

O que é que os dois principais candidatos nas eleições presidenciais de 5 de novembro, o atual Presidente Joe Biden, e o ex-presidente Donald Trump, pensam da passagem destas leis?

O presidente Biden apelou no X (antigo Twitter) a que este pacote de ajudas passe rapidamente no Senado e está certamente contente, dado que ela coincide com todas as prioridades da sua administração e que foi dos que mais pressionou para que fosse aprovada. Oxalá para ele que as medidas passadas ajudem a Ucrânia a recuperar na guerra com a Rússia, Israel a melhorar as suas defesas e que se previna um escalar do conflito do Médio Oriente envolvendo o Irão , e embora arriscando impopularidade entre os mais jovens, que se comece a reduzir a influência do TikTok na sociedade e política americana, dado os riscos deste para a segurança dos dados dos utilizadores, e a alegada possibilidade dos seus algoritmos serem influenciados por pressões do Partido Comunista Chinês.

Enquanto isso, sem referir diretamente os novos pacotes de ajuda Donald Trump disse na sua rede Truth Social:

“Porque é que a Europa não está a dar mais dinheiro para ajudar a Ucrânia? Porque é que os Estados Unidos já investiram mais de 100 mil milhões de dólares na guerra da Ucrânia em comparação com a Europa, e temos um oceano entre nós a separar! Porque é que a Europa não consegue igualar ou corresponder ao dinheiro investido pelos Estados Unidos da América para ajudar um país em desesperada necessidade? Como todos concordam, a sobrevivência e a força da Ucrânia devem ser muito mais importantes para a Europa do que para nós, mas também é importante para nós! MEXE-TE EUROPA! Além disso, sou o único que fala por “MIM” e, embora seja uma total confusão causada pelo Desonesto Joe Biden e pelos Democratas Incompetentes, se eu fosse Presidente, esta guerra nunca teria começado!”

Mais uma vez Trump mostra que não é um completo isolacionista, despreocupado com os aliados e obrigações tradicionais dos EUA, sobretudo para com os europeus, é antes um político com uma visão transacional do mundo que sobretudo quer uma maior justiça na repartição de esforços na NATO e no apoio à Ucrânia. Mesmo que na realidade os aliados europeus até tenham dado mais ajuda total, dado que a Ucrânia que já não via desde antes das eleições intercalares americanas de 2022 novos pacotes de ajuda americana. Uma parte da sua posição mais moderada em relação à Ucrânia também vem do facto da maioria dos americanos continuar a apoiar a Ucrânia. Para ganhar eleições convém ser moderado, embora ser defensor de algumas posições mais populares entre o povo do que entre a elite política também seja inteligente, sobretudo entre os políticos populistas.

Embora haja cada vez mais americanos, sobretudo do lado republicano a questionar a importância da aliança militar NATO, também neste ponto Trump já mostrou moderação, como quando disse numa entrevista com o político britânico Nigel Farage de que manteria os EUA na NATO caso fosse eleito e continuaria a pagar a quota justa, mas que os europeus, que na visão de Trump beneficiam mais da aliança, deveriam pagar a sua parte justa também. Embora seja um extremar de retórica e de ameaça, incomum nos presidentes americanos, a verdade é que já o presidente Obama pressionava os aliados da NATO a cumprirem pelo menos a meta dos 2% do PIB em defesa. Nos anos em que Trump foi presidente houve, de facto, um ligeiro aumento nos gastos europeus com defesa, talvez as palavras e ameaças fortes funcionem. Trump jogando fora da caixa, tem mostrado muitas vezes conseguir mais resultados do que os líderes tradicionais. Quererão os americanos um regresso da política externa original e arriscada de Trump à Casa Branca? A presidência Trump parte II seria mesmo capaz de manter ou recuperar a paz em contextos tão diferentes como o Médio Oriente, a Europa de Leste e o Indo-Pacífico? Faria pelo menos melhor do que Biden? Os próximos meses ajudarão a comparar melhor as duas visões sobre a política mundial.