Nas minhas crónicas só falei até agora dos candidatos com verdadeiras hipóteses de ganhar as presidenciais de novembro, o democrata Joe Biden e o republicano Donald Trump. Uma repetição do duelo de 2020, no qual Biden tirou o emprego a Trump. Mas há algo que não será repetido. Enquanto em 2020 os pequenos candidatos não importaram muito, em 2024 importam, e muito, atendendo às sondagens e à atenção que lhes é dada pelos media e, sobretudo, pelas redes sociais e podcasts famosos. Destes, o mais importante já chegou aos 15% em algumas sondagens. Pode ser a diferença entre a vitória de Trump ou Biden. O seu nome, familiar, é Robert F. Kennedy Jr.

Conhecido por RFK Jr. é membro da dinastia Kennedy, filho do procurador e candidato presidencial democrata Robert F. Kennedy, assassinado em 1968, e sobrinho-neto do mais popular presidente americano moderno, o democrata John F. Kennedy, assassinado em 1963. Com 70 anos, fez carreira como advogado ambiental e tornou-se notório pelo ativismo ambiental e pelo ativismo cético das vacinas, que foi potenciado pela sua posição anti-vacinas da COVID e antifiguras relacionadas com a resposta à pandemia como o doutor Anthony Fauci, Bill Gates e o próprio Joe Biden. Isto fez crescer a sua popularidade entre muitos céticos das vacinas, que hoje tendem a ser cada vez mais de direita. Como não tinha hipóteses de ganhar as primárias democratas candidatou-se como independente em outubro de 2023, depois duma vida a apoiar o partido do pai e do tio. Embora seja de esquerda, o seu populismo e posições inortodoxas e pró-teorias de conspiração, podem fazer que prejudique mais Trump do que Biden. Relembro que os dois candidatos principais foram fortemente pró-vacinas da COVID. RFK Jr tem aparecido em inúmeros podcasts influentes como o de Joe Rogan. Esta semana escolheu a sua candidata a vice-presidente, Nicole Shanahan, 38 anos, advogada da área das tecnológicas, e ex-mulher de Sergey Brin, cofundador da Google. Filantropa e multimilionária (positivo para as contas da campanha) já apoiou várias causas e candidatos de esquerda, como Hillary Clinton, e tal como RFK Jr, é cética em relação à segurança das vacinas, e ainda crítica da fertilização in vitro. Shanahan tem como outros interesses a inteligência artificial, a promoção da longevidade reprodutiva feminina, e luta contra a pobreza.

Mas RFK JR. não é o único dos outros candidatos. Há mais dois relevantes, e que ameaçam roubar votos a Biden pela esquerda, sobretudo pela crítica fortíssima que fazem de Israel e do apoio americano e da administração Biden a este país, atualmente em guerra contra o Hamas na faixa de Gaza. Eles são Cornel West, um filósofo e ativista afro-americano, que é socialista e antirracista, e Jill Stein, uma médica e ativista ambiental e progressista candidata pelo Partido Verde, repetente em eleições presidenciais que ganhou 0,36% dos votos em 2012 e 1,07% em 2016.

Cornel West inicialmente até se tentou candidatar pelo Partido Verde e teve mesmo o apoio de Jill Stein. Porém em outubro de 2023 abandonou esta candidatura e preferiu continuar como independente. Em fevereiro anunciou a criação do próprio partido, o Partido da Justiça para Todos. Tendo em conta a dificuldade de conseguir acesso ao boletim de voto, típica dos candidatos menores, concentrar-se-á na Flórida, Carolina do Norte e Washington D.C. Embora tenha apoiado candidatos democratas, foi muito crítico de Obama, e foi um grande apoiante do socialista Bernie Sanders. Ainda mais do que na política interna é na política externa onde mais se distingue de Biden, culpando a expansão da NATO pela guerra na Ucrânia, tal como RFK Jr, e sendo fortemente contra a Israel e pró-Palestina, ao contrário de RFK. Nas sondagens em que aparece, não passa dos 4%. Jill Stein tem muito em comum com Cornel West ideologicamente e também é não-intervencionista e supercrítica de Israel. É fortemente de esquerda, com a transição energética e proteção ambiental e cuidados de saúde universais como as suas prioridades. Também não passa dos 4% nas sondagens.

Entre os muitos outros candidatos que aparecerão nos boletins, o do Partido Libertário é o mais importante e só será determinado em finais de maio. Este é o terceiro maior partido nos Estados Unidos, costumando aparecer nos boletins de todos os Estados e com bons resultados nas recentes eleições, 3,3% em 2016 com Gary Johnson, o recorde do partido, e 1,18% em 2020, com Jo Jorgensen. O resultado em 2016 foi inclusive o melhor dum terceiro partido em eleições presidenciais desde 1996, quando o empresário Ross Perot teve 8,4%, quatro anos depois de ter tido quase 19% e combatido quase de igual para igual com os candidatos dos dois maiores partidos. A performance de Perot em 1992 é apontada frequentemente como uma das razões para a derrota de George Bush pai contra Bill Clinton. Numas eleições que têm tudo para ser renhidas, 1% ou 2% dos votos, se nos estados decisivos forem tirados mais a um lado do que ao outro, podem ser a diferença entre perder ou ganhar, como os 1,63% do ambientalista Ralph Nader na decisiva Flórida em 2000 que deram a vitória a George Bush filho contra Al Gore.

Embora as sondagens mostrem valores muito altos para os outros candidatos, o habitual é as suas percentagens diminuírem com o aproximar das eleições, e estes têm habitualmente menos dos que as sondagens indicam na véspera eleitoral. No dia das eleições, sobretudo nos estados decisivos, os eleitores costumam aperceber-se da importância do seu voto para escolher o mal menor, como hoje, quando ambos os principais candidatos são impopulares.  Os outros candidatos também não costumam estar em todos os boletins, e a não ser que pelo menos um deles esteja mesmo muito forte nas sondagens em setembro, nenhum se qualificará para os debates presidenciais, mais uma razão por que terão uma atenção mediática limitada. A performance e influência destes candidatos na corrida eleitoral é algo imprevisível, não sendo de excluir que alguém mais famoso ou influente não se candidate ainda e troque as voltas a uma campanha que, por enquanto, segue renhida entre Trump e Biden.

Daniel Reis Ferreira, licenciado em História pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e finalista no Mestrado em Estudos Internacionais do ISCTE