Chamaram-lhe, no parlamento, a lei que ia “pôr as mulheres na liderança das empresas e do país” e o mundo português rejubilava com a conquista à força da mudança que, naturalmente, demorava. A aprovação era precursora até no que acontecia pela Europa, trazendo a obrigação da paridade a palco antes da maioria dos países. Mas o que se fez em 2017 – como seria previsível – não surtiu grande efeito: o equilíbrio imposto aconteceu em números, mas a decisão em Portugal continua a estar nas mãos dos homens, a pobreza e a violência continuam a vitimar muito mais as mulheres.

Num país do mundo desenvolvido, 14 dos 17 adultos mortos em cenários de violência doméstica são mulheres e entre as vítimas que não chegaram a ser mortais a escala é de 600 mulheres para cerca de 20 homens agredidos.

Há mulheres nas administrações das empresas mas ocupam sobretudo cargos não executivos. O grupo de CEO da banca continua a ser o clube do Bolinha (Celeste Hagatong é a exceção, no Banco de Fomento). No PSI20 só uma entre 16 empresas é liderada por uma CEO. Apenas dois partidos com representação parlamentar, dos mais pequenos, são conduzidos por mulheres e nos 57 governantes há 22 do sexo feminino (convido o leitor a nomear três). Elas também continuam a ganhar menos e a estar mais sujeitas a trabalho precário e, de acordo com um estudo do BCSD Portugal, continuam a ser aves raras quando se sobe à copa da direção executiva, onde 72,7% dos cargos são ocupados por homens.

Os números acima explicam porque não vejo grande utilidade nas quotas. E menos ainda em palermices como a generalização do vocativo “portuguesas e portugueses” – uma tola e inútil perversão da língua portuguesa – ou a acefalia inerente à ideia de se criar um cartão de cidadania.

Sete anos depois de aprovada a lei da paridade, parece estar quase tudo por fazer. E uma das principais razões que o justificam é que a mudança social não se faz pela força. Mudar mentalidades leva tempo. A mudança requer tempo, mas é necessário que ele seja usado ativamente, não apenas que vá passando. E requer educação. A mudança só é verdadeiramente possível quando se deixa de ver a diferença – não é fazer tábua rasa das diferenças, é usá-las para acrescentar valor, completando um quadro de qualidades diversificadas – e não quando ela é acentuada, ainda que com a melhor das intenções, fazendo uma escolha depender do género. Negativa ou positiva, a discriminação é sempre má notícia.

Evoluir para um patamar de verdadeira paridade exige sobretudo um aplanar do campo social de onde se parte, garantindo-se condições para que qualquer um possa atingir o seu melhor e o seu caminho até ao topo não seja impedido por falsas questões como a maternidade (ainda mais numa Europa a sofrer brutalmente com a crise demográfica). E ter bons exemplos.

Nos anos 40 do século passado e com um filho de três anos, a minha avó materna pôs o marido fora, divorciou-se, conheceu o meu avô e esperou os sete anos requeridos por lei para poder voltar a casar-se. A minha avó paterna ficou viúva com quatro filhos menores, que criou sozinha, e no início deste século, já com 80 anos feitos, fez as malas, meteu-se num avião e mudou-se para Moçambique sem avisar ninguém. São pessoas nascidas num tempo em que esta coragem não seria comum, mas que nunca deixaram que as tratassem como menos do que mereciam. Nunca se resignaram a ser condicionadas. E são uma inspiração, como o foram todas as mulheres líderes com quem sempre trabalhei, ao ponto de continuar a surpreender-me com a desigualdade ainda tão visível em sociedades que se dizem modernas, mas que fazem do género uma questão determinante de uma existência maior ou menor.

Diretora