A 18 de outubro, 11 dias depois dos ataques terroristas perpetrados pelo Hamas que mataram mais de mil israelitas, Joe Biden dizia em Telavive: “Eu venho a Israel com uma única mensagem: “Vocês não estão sozinhos. Vocês não estão sozinhos. Enquanto os Estados Unidos existirem – e nós existiremos para sempre – nunca vos deixaremos estarem sozinhos.” enfatizando ao longo do seu discurso o apoio que os Estados Unidos têm dado a Israel desde os anos 1960 e que dariam de forma reforçada após o ataque que, como o presidente Biden referiu, foi, tendo em conta o tamanho do país, “como 15 11 de Setembros”, o que mais que justificava a raiva do povo israelita.

Mas ao mesmo tempo advertiu “Enquanto sentem essa raiva, não sejam consumidos por ela. A seguir ao 11 de Setembro, estávamos enraivecidos nos Estados Unidos. E enquanto procurámos justiça e conseguimos justiça, também fizemos erros.”

Agora, a raiva e os enganos de Israel, na sua ofensiva para eliminar o Hamas, está, não só a causar um sofrimento enorme à população palestiniana da faixa de Gaza, como a pôr a administração democrata liderada por Biden numa posição cada vez mais difícil entre apoiar o aliado e a necessidade de defender contenção e humanismo, assim como uma paz duradoura com uma solução de dois Estados, Israel e Palestina. Ao mesmo que olha para a opinião pública americana tradicionalmente pró-Israel, e vê uma visão cada vez mais crítica da resposta israelita ao 7 de Outubro. Uma visão particularmente negativa, entre os mais jovens, os mais à esquerda, os muçulmanos ou os árabes, estes últimos 2% da população do Michigan, um estado que pode ser decisivo nas eleições presidenciais de 5 de novembro. Até o rival de Biden, o republicano Donald Trump, um grande fã de Israel, reconhece que Israel tem tido umas péssimas relações-públicas.

Numa fase muito inicial após os massacres, o apoio dos americanos, tanto democratas como republicanos, estava esmagadoramente do lado israelita. Mas demorou pouco até que a resposta de Israel com bombardeamentos a Gaza despertasse o movimento pró-Palestina e também o antissionista, por vezes até antissemita. A situação foi particularmente crítica nos campus universitários. Muitos destes protestos e falta de sensibilidade com os israelitas foram fortemente criticados pela sociedade americana quando aconteceram, mas atualmente já há uma maioria ligeira (32%) que acha que a ação militar de Israel foi longe demais na ação militar em Gaza versus aqueles que a acham justificada (27%) segundo um estudo de Chicago Council Surveys/Ipsos de março, com os democratas a serem mais críticos.

Enquanto os eleitores e políticos republicanos são esmagadoramente pró-Israel, embora uma ala isolacionista e mais extremada comece a questionar o apoio quase incondicional dos EUA a Israel, entre os democratas o apoio é muito menos uniforme. Os democratas mais velhos e os mais moderados tendem a apoiar Israel, mas os mais novos, os mais à esquerda e os de minorias étnicas estão a ter muitas mais dúvidas. Apesar de ainda haver uma maioria clara (51 contra 27%, segundo a Gallup) de americanos que simpatiza mais com o lado israelita, grupos chave para a reeleição de Biden têm uma visão cada vez mais crítica. Entre os jovens em geral, houve mesmo uma descida de 26 pontos nos que tem uma visão favorável de Israel entre 2023 e 2024, uma descida muito superior aos americanos mais velhos, segundo a Gallup. Também os democratas e independentes tem piorado mais a sua opinião sobre Israel do que os republicanos. Isto cria um problema para Biden, na medida que para além dos votos de protesto que recebeu nas primárias e dos protestos disruptivos que tem tido em algumas aparições públicas, arrisca-se a perder votos nas eleições gerais. Mesmo quando o seu rival é muito mais apoiante de Israel do que ele. Biden e a sua equipa têm-se esforçado por pressionar o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu a mudar a abordagem da ofensiva em Gaza e a permitir a passagem de ajuda humanitária, a fazer cessar-fogos temporários, a ter mais cuidado com os alvos e evitar mortes de civis, assim como cada vez mais procurar uma solução diplomática para o conflito que leve à libertação dos reféns israelitas e ao fim das hostilidades.

Este cuidado de ter em conta o lado palestiniano, de evitar um sofrimento exagerado da população de Gaza (além de muitos milhares de mortos, há o risco de fome) foi tido em conta por Biden e pela sua equipa, desde o princípio, mas com o passar do tempo tem sido reforçada, com a frustração com a ação do governo israelita a chegar as alas centristas do Partido Democrata e ao próprio Biden, que tem avisado com cada vez mais força que a política dos Estados Unidos, o maior apoiante e fornecedor de armas à Israel, pode mudar se Israel não tiver mais cuidado com a forma como conduz a operação militar. Tanto que cada vez mais políticos democratas, até centristas, têm apelado a um cessar-fogo em Gaza, como Nancy Pelosi, ex-Presidente da Câmara dos Representantes. Infelizmente, Netanyahu não tem tido muito em conta os pedidos de Biden para acalmar a ofensiva, embora este domingo Israel tenha reduzido o número de soldados no Sul de Gaza.

Em suma, para Biden ter mais chances de ganhar a eleição convém que este conflito acalme, assim como o da Ucrânia, embora esse dificilmente acabe até Novembro. Turbulência no mundo não ajuda a passar uma imagem de controlo sobre os assuntos mundiais por parte de Biden, principalmente em comparação ao seu rival Trump que durante a presidência assistiu a um número menor de guerras no mundo.

Porém, qualquer americano que se preocupe a sério com a causa palestiniana que vote em Trump em vez de Biden, ou que não vote, está a fazer uma escolha muito insensata tendo o historial de Trump, mesmo que agora se mostre a favor de que a guerra termine depressa. Trump tem um bom instinto político e percebe que pode ganhar votantes inesperados evitando comentar a guerra ou criticando taticamente os exageros da resposta israelita. Mas, olhando para o seu tempo na Casa Branca e os políticos do seu partido, dificilmente seria um presidente mais pró-Palestina do que Biden. Ouçam Biden quando ele diz “Não me comparem ao Todo-Poderoso, comparem-me à alternativa.”