Começo pelo fim. A mera ideia, assumida por Costa depois de Marcelo informar o país que vai ter de voltar às urnas – após a falência de uma maioria absoluta socialista com menos de dois anos –, de pôr aos comandos do país o atual governador do Banco de Portugal é demonstrativa do absurdo a que chegámos. O mesmo PS que tanto criticou Santana Lopes por ser PM sem eleições queria agora manter-se no governo… sem eleições.

Independentemente dos créditos de Mário Centeno, da sua credibilidade e aceitação dentro e fora do país, trata-se de alguém a quem cabe, além de regular os bancos, analisar diariamente, com distanciamento e independência, o contexto da governação. É impossível não entender aqui uma certa promiscuidade – e que mancha o insuspeito Centeno. Estamos a falar de alguém que foi ministro das Finanças de Costa, passou a governador do Banco de Portugal um mês depois de sair do governo e agora Costa, afastado da governação por um processo judicial, pretendia fazer regressar, no papel de primeiro-ministro da confiança do Executivo socialista em funções.

Se isto não é a exemplificação perfeita do que se chama portas giratórias, não sei o que será. Certo é que a hipótese foi não só assumida abertamente por Costa como ponderada por Centeno – que nada negou quando questionado dizendo apenas que não falaria “de momento”.

Com tanta gente “tão válida” no PS, que dá “dez a zero” ao atual líder da oposição, como disse o PM demissionário com o habitual desrespeito e desprezo institucional, ficamos a pensar se não quereria Costa pôr ali Mário Centeno para o afastar de uma – cada vez mais falada nos corredores do Rato – candidatura do governador do BdP à Presidência da República, em 2026, queimando logo um potencial futuro adversário. E uma tentativa de manter uma mão no volante da governação e outra na sucessão que se precipita agora no PS.

Regressando aos factos judiciais que derrubaram uma maioria absoluta, uma vergonha que fez manchetes pelo mundo, muito se tem discutido sobre a necessidade ou não de haver um parágrafo no comunicado da PGR que levou à demissão do primeiro-ministro. Um fait divers que tem alimentado sucessivos ataques frontais à separação de poderes e motivado acérrimas defesas do indefensável.

Como diria Costa, vamo’ lá a ver: o caso de corrupção que fez ruir um governo de maioria absoluta já corroído por 13 estrepitosas saídas, algumas delas (como o anterior secretário de Estado Adjunto do PM) por os seus membros estarem a braços com a justiça, pode até não envolver diretamente o primeiro-ministro. Mas isso não o desresponsabiliza minimamente, política e pessoalmente, quando dois dos principais arguidos da Operação Influencer são o chefe de gabinete de António Costa e o melhor amigo de António Costa, repetidamente puxado por ele a agir em nome de um governo de que nunca fez parte (o inenarrável tema TAP é disso exemplo). Independentemente de vir a haver indícios ou acusação,

António Costa é responsável pela escolha daquelas pessoas. Diretamente responsável. E é a ele também que se imputa a responsabilidade de o país ficar congelado nos próximos oito meses – versão otimista. Entre hoje e as eleições de março, nada se fará senão aprovar um OE que só agrada ao PS que está hoje no governo – qualquer outro partido e o próprio PS numa via radicalizada por Pedro Nuno Santos não o aceitarão – e do qual nem a execução do PRR está dependente. Apesar de seguir em câmara lenta, a bazuca aprovada em Bruxelas para fazer face aos efeitos trágicos da crise da covid (lembra-se?) da economia não tem fios que a liguem às contas anuais do governo.

Teremos portanto agora um governo demissionário e depois em gestão, manietado até haver nova escolha. E dificilmente essa escolha será limpa e fácil, saindo das urnas um executivo claro e pronto a fazer as tão atrasadas reformas que se exigem. Provavelmente a configuração do Parlamento obrigará a acordos pós-eleitorais com potencial para prolongar a paralisia até perto das europeias de junho – que corremos o risco de serem interpretadas como uma reação de insatisfação às legislativas de março e porão o país em campanha de hoje até ao verão… quando vai tudo de férias. Com sorte, lá para setembro temos governo de facto.

Que não restem dúvidas: António Costa é e será o grande culpado por uma década de Portugal em coma profundo.

Má Moeda

Vítor Escária
O chefe de gabinete do PM tinha no escritório do governo perto de 76 mil euros em notas escondidas em livros, prateleiras e caixas de vinho. “Pagamento de outros trabalhos”, justificou, garantindo nada ter que ver com a Operação Influencer. Como quem leva a mão ao bolso do casaco e ali descobre umas pastilhas do inverno anterior…

João Galamba
É arguido, está citado em escutas a fazer negociatas ligadas ao lítio e ao hidrogénio verde, mas permanece ministro com pastas como a ferrovia, a TAP e o aeroporto. E ainda ontem esteve no pleno cumprimento das suas funções na Assembleia da República. Tudo normal no reino de António Costa e companhia…

Diretora