Portugal comemora, esta semana, os 50 anos da fundação da nossa democracia, um marco significativo também para as relações luso-americanas. Se os Estados Unidos não contribuíram para a queda do antigo regime (há mesmo relatos de surpresa sobre a revolução), a verdade é que desempenharam um papel crucial na instauração de uma democracia liberal, alinhada com os valores do Ocidente. Este período foi caracterizado por avanços e retrocessos, sendo que o próprio Henry Kissinger, na altura secretário de Estado, chegou a dar o nosso país como “perdido” para a esfera de influência soviética. Felizmente, esse cenário não se materializou.

Foi uma fase histórica em que Portugal assumiu uma relevância substancial na política externa americana. Isto no meio de uma grave crise institucional em Washington, com a demissão do vice-presidente Spiro Agnew, em outubro de 1973, seguida pela renúncia de Richard Nixon, em agosto de 1974, e a subsequente ascensão de Gerald Ford à presidência. Não foi por acaso que Ford designou o futuro secretário da Defesa de Ronald Reagan, Frank Carlucci, como embaixador em Portugal no final desse ano, uma nomeação que se revelou essencial para o triunfo das forças moderadas.

Por motivos de interesse próprio americano, diversos elementos convergiram para tornar a nossa revolução e o período subsequente fulcrais para a sua diplomacia. Portugal era um membro fundador da NATO e, apesar de manter divergências de longa data com os interesses americanos, fazia parte do campo aliado. Com o aumento da intervenção soviética em África, tornou-se crucial influenciar o desfecho do processo de descolonização. Além disso, logo após a Revolução de Abril, surgiram preocupações com os seus interesses estratégicos, especialmente com a presença de um Partido Comunista alinhado com Moscovo num governo provisório de um país da NATO. Isto numa altura em que o eurocomunismo ganhava terreno em França e na Itália. Outro motivo de alerta era a base das Lajes, peça central da sua estratégia militar desde a II Guerra Mundial. Isso não poderia ser comprometido por uma revolução esquerdista.

O Período Revolucionário em Curso representou um desafio perigoso para os interesses americanos. O aumento da influência do PCP e da extrema-esquerda na sociedade portuguesa e nos sucessivos governos provisórios – especialmente após a demissão do general António Spínola e durante os governos de Vasco Gonçalves – gerou receios justificados que Portugal pudesse alinhar com o bloco soviético. Daí a “teoria da vacina”, defendida por Kissinger, que propunha usar o exemplo do nosso país para evitar que outros caíssem nas garras de Moscovo. Felizmente, o embaixador Carlucci conseguiu convencê-lo de que era possível estabelecer uma democracia liberal alinhada com os interesses do Ocidente, “bastando” para isso apoiar os moderados. A aliança entre Carlucci e Mário Soares, na época líder do PS e vencedor das primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte em 25 de abril de 1975, tranquilizou os americanos. Apesar da efervescência revolucionária, com nacionalizações, ocupações e assembleias populares, as forças moderadas e atlantistas do PS, PSD e CDS conquistaram uma maioria esmagadora (213 de 250 deputados), relegando os partidos de esquerda para uma derrota avassaladora.

Além do apoio às forças moderadas e anticomunistas, a Administração Ford ajudou ainda a mobilizar as principais famílias políticas internacionais, como a Internacional Socialista ou a União Europeia das Democracias Cristãs, a apoiar os partidos centristas. As relações com as forças militares nacionais, no âmbito da NATO, desempenharam também um papel importante em conter o avanço dos comunistas, especialmente na relação com o Grupo dos Nove e Ernesto Melo Antunes. Além disso, os Estados Unidos pressionaram a União Soviética a não interferir na política interna de um país membro da NATO. Apesar de o PCP ter continuado a receber o apoio soviético, terá havido algum constrangimento nas movimentações de Leonid Brejnev em Portugal.

Portugal é hoje uma democracia avançada e ocidental por mérito próprio e graças aos intervenientes portugueses da época, tanto militares como civis. No entanto, o amigo americano esteve presente e contribuiu para o que era essencial: estabelecer uma democracia em vez de substituir uma ditadura por outra.

Especialista em política norte-americana