Neemias Queta: “Estou só a começar”

A 9 de Julho passado o primeiro português a entrar na NBA concedeu ao NOVO uma das suas últimas entrevistas antes de fazer história e ser anunciado como reforço dos Sacramento Kings. Aqui fica a republicação da conversa e que hoje deve ser lida ainda com mais atenção.

Este percurso em Utah, nos State Aggies, foi medido ao milímetro para não falhar a entrada na NBA?
Para mim tem sido um percurso muito bom, foi a melhor decisão que tomei. Para chegar à NBA, ir para Utah só me ajudou. Não foi tão rápido como desejava, mas também me ajudou a ser paciente e a aproveitar bem a oportunidade.

O que correu menos bem nesta fase inicial nos EUA? Ou o que podia ter corrido melhor?
Sinceramente, julgo que não me faltou mesmo nada em Utah. Ganhámos campeonatos e consegui mostrar-me aos executivos da NBA. A única coisa que podia ter feito melhor era ter mostrado um bocado mais do meu lançamento, em particular o lançamento exterior, mas esse não era o meu papel na equipa, por isso não sinto que isso me tenha prejudicado.

Então faz um balanço…
Muito positivo, sem dúvida.

Fica a faltar-lhe um ano do curso de Comunicações se entrar já na NBA. Vai ficar suspenso ou vai acabar?
A minha ideia era tirar Jornalismo, mas logo no início do ano mudei para Comunicações. Vai ficar suspenso e sei que não vou conseguir terminar logo no primeiro ano se entrar na NBA, mas nos próximos três anos espero acabar o curso.

Quão importante é esta mistura de desporto universitário e estudos que é implementada no ensino superior norte-americano?
Os americanos levam isso muito a sério. Para prepararem os jovens e lhes darem opções e escolhas de vida, para o caso de a vida no desporto não funcionar.

No resto do mundo, e em Portugal em particular, não se vê isso, não é?
Exacto. É muito difícil conciliar os estudos com os treinos e com os jogos.

No primeiro ano, vimos um Neemias Queta a apresentar números recorde no basquetebol universitário, ao nível de Anthony Davis, o actual campeão da NBA pelos Lakers. E os números continuaram a melhorar. Lanço a provocação: sentiu alguma inveja da parte dos seus colegas?
Não, não, não [risos]. Nunca pensei nisso assim. Quando estou em campo não olho para os números que fiz ou para alguém com quem esteja a ser comparado. Tento sempre ir para dentro de campo a pensar em ajudar a equipa e em ganhar o jogo. Se tiver bons números, é fantástico. Se não os tiver eu, que seja um colega meu a ter.

Surpreendeu-se a si mesmo com o que tem vindo a alcançar? Ou esperava mais da concorrência?
Não diria que me surpreendi a mim mesmo. Estou sempre à espera de alcançar mais. Não me contento com o que já fiz. Só vejo o que ainda vem pela frente.

E o que está ainda pela frente?
Por agora são os team workouts e vou atacá-los com força. Depois, logo se vê como correm as negociações e o draft.

Como é a competitividade no basquetebol universitário para um estrangeiro e outsider?
Senti que foi uma competitividade que só me ajudou a melhorar. Aqui a qualidade dos jogadores é mais elevada do que na Europa. Os meus colegas ajudaram-me a evoluir e a jogar a um nível muito melhor. Consegui melhorar aspectos do meu jogo que não conseguiria nunca melhorar na Europa.

Está a falar de que aspectos em concreto?
Por exemplo, trabalhar a tomada de decisão. Tomamos decisões muito mais rápidas aqui. O jogo na Europa é muito mais táctico, aqui exploramos mais as vantagens em relação ao adversário.

Ninguém o conhecia ao início ou já sabiam quem era o Neemias Queta e quais os seus objectivos?
Quando cheguei cá?

Sim.
Sabia que não me conheciam bem.

Agora já o conhecem bem.
Pode-se dizer que sim…

Os seus dotes físicos destacaram-se da restante concorrência recentemente no Draft Combine. Sente que pode ser considerado o novo Shaquille O’Neill ou o novo Yao Ming da NBA?
Não. Não tento ser o novo jogador X ou Y. Quero fazer tudo à minha maneira, sempre que entrar dentro de campo vou dar o meu máximo. Não vou olhar para quem está atrás de mim, ao meu lado ou à minha frente. Olho apenas para mim e para o que quero dar.

O Draft Combine correu-lhe muito bem. As previsões nos EUA indicam que poderá ser escolhido na primeira ronda do draft. Viu-se em campo a sua evolução. O que ainda pode fazer mais?
Sinto que posso evoluir o meu lançamento triplo. Tenho trabalhado muito nisso. Nos team workouts, quando me pedirem os exercícios de lançamento, acho que vou conseguir surpreender. Espero também conseguir mostrar melhor a minha qualidade de passe, fazer jogadas para os meus colegas.

Joga numa posição, poste, que perdeu alguma importância na NBA devido à estratégia dos triplos. Pensa que isso o pode prejudicar?
Poder prejudicar, pode. Mas ainda sinto que sou jovem. Tenho uma ideia pela frente. Tenho muitos aspectos do jogo em que evoluir, os lançamentos triplos são um deles. Trabalhar como um profissional, num grupo profissional, e ter essa disponibilidade para evoluir só poderá ajudar. Vou conseguir evoluir em muitos aspectos do meu jogo. Estou só a começar.

A imprensa norte-americana aponta os Toronto Raptors ou os New York Knicks como possíveis equipas para si… Que lhe parecem?
Não tenho preferência. A equipa que me escolher ou onde terminar é a equipa em que vou trabalhar e dar o meu máximo. Não me interessa onde estou. Vou jogar basquetebol e é esse o meu mindset.

Recentemente assinou com o empresário espanhol Quique Villalobos, da empresa BDA Sports, que tem proporcionado a entrada na NBA de jogadores não-americanos. O que o motivou a assinar? Ficar solto para pensar apenas e só no jogo?
Foi exactamente isso.

Os seus novos empresários vão conseguir encontrar-lhe uma equipa que aproveite as suas características da melhor forma?
Podem vir a fazer alguma diferença, mas, como já disse muitas vezes, tudo o que se passar dentro de campo será sempre o mais importante. Tudo o que fizer dentro de campo vai depender só de mim. Posso ter o melhor agente do mundo e se não demonstrar dentro de campo que mereço estar na NBA, não vou estar lá.

Tem como objectivo realizar toda a carreira profissional na NBA? Ou tem planeado voltar um dia a Portugal para jogar basquetebol?
Voltar a Portugal pode vir a ser uma opção um dia, mas nesta altura ainda é muito cedo para pensar nisso.

A sua família já está a viver nos EUA consigo? Ou espera um dia ter toda a família consigo?
Ainda não pensei muito nesse assunto. Estou, acima de tudo, preocupado em chegar à NBA e depois logo irei debruçar-me sobre o assunto. Mas, mesmo que a minha família viesse para cá, não seria logo no início.

Agora a pergunta que já lhe fizeram centenas de vezes. Pode ser o primeiro português a chegar à NBA. Qual é a sensação?
Sem dúvida alguma que é de um grande orgulho. Ia ser algo inovador para o país. Ia ser também muito bom para a minha família.

A sua entrada na NBA poderá abrir as portas a outros portugueses?Tento não pensar assim. Tento preocupar-me mais comigo mesmo e com o que consigo fazer directamente. Se isso acontecer, se abrir mais portas, vai ser sempre bom, mas também é relativo. Mas, sim, poderei abrir algumas portas, claro…

Viu cá em Portugal colegas seus com capacidade para chegar onde chegou, às portas da NBA?
Ver capacidades, vi. Somos todos capazes de chegar a algum lado, no basquetebol ou seja em que área for. Também é uma questão de oportunidade. Ter a oportunidade certa na altura certa. Ter um olheiro num jogo certo, jogar bem num jogo certo. Depende de muita coisa. Acho que tive sorte e graças a Deus consegui ter essa oportunidade.

Depois, estando aí, é o mindset que passa a ser muito importante? Manter esse foco no jogo, na quadra?
Exacto. Isso aí também abre muitas portas para depois do jogo conseguirmos fazer ainda mais coisas e continuarmos a evoluir.

O que falta aos portugueses para singrarem na NBA?
Não sei. Eu ainda não cheguei à NBA [risos].

Do que sente mais falta, de Portugal?
De certeza que sinto mais falta da minha família e dos meus amigos.

Nasceu no Barreiro…
Não, nasci em Lisboa.

Então cresceu no Barreiro?
Exacto.

Cresceu em plena margem sul do Tejo, mas a família é da Guiné-Bissau. Devido às suas origens, sente-se mais português ou guineense?
Sinto que sou as duas coisas, no fundo.