O Ministério Público suspeita “da intervenção de diversos indivíduos que terão diligenciado para influenciar os decisores do processo nas suas diferentes etapas” pondo assim em causa a legalidade das aprovações ambientais e administrativas nas minas de lítio, revelam os autos de buscas. Em causa estão as aprovações da mina dos portugueses da Lusorecursos em Montalegre, e da mina dos britânicos da Savannah em Boticas, ambas no distrito de Vila Real.
No caso da mina do Romano em Sepeda, Montalegre, o contrato de exploração foi assinado a 28 de março de 2019, entre o Estado português (Direção-Geral de Energia e Geologia – DGEG) e a sociedade Lusorecursos Portugal Lithium, e também os “procedimentos que rodearam a avaliação de impacto ambiental”, “após autorização concedida pelo secretário de Estado da Energia, João Galamba, no dia 8 de março de 2019”.
O MP aponta que o contrato de prospeção e pesquisa original foi assinado em dezembro de 2012, mas com uma empresa diferente da Lusorecursos, questionado “se foi, e como foi” verificada a “idoneidade e capacidade técnica e financeira de uma sociedade constituída três dias antes”, e “porque é que o contrato de exploração abrangeu outros minérios “incluindo o lítio) que não constavam do contrato de prospeção”.
“A confirmar-se que Ricardo Pinheiro, sócio da empresa concessionada, beneficiou de forma injustificada da concessão, pretende a investigação esclarecer com que propósito tal ocorreu, quem orientou a decisão de contratar naqueles moldes, bem como que benefícios possam os suspeitos dar ou ter dado pelo favorecimento em causa”,
“Tutelando o Ministério do Ambiente a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a quem incumbiu a apreciação do Estudo de Impacte Ambiental do projeto da “Lusorecursos Portugal Lithium”, suspeita-se que quer a DGEG, quer a APA possam ter tido intervenção ilícita naquela avaliação ambiental após contactos do suspeito Ricardo Pinheiro para ser favorecido, pondo em causa a legalidade do processo que veio a culminar na decisão pela APA em setembro de 2023, da “Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável condicionada ao cumprimento de um conjunto alargado de condições” a cumprir pela “Lusorecursos”, uma vez que, conforme atrás mencionado, existiram diversos contactos de representantes da empresa concessionária junto de indivíduos que terão diligenciado para influenciar os decisores do processo, nas suas diferentes etapas”.
O MP recorda que há uma queixa contra Ricardo Pinheiro pela sociedade Lusorecursos, SGPS a quem imputa a prática de factos integradores de crime de burla qualificada, resultante, de uma alegada “tomada de assalto” à sociedade “Lusorecursos, Lda”, excluindo a denunciante da participação social desta última e do seu grande ativo: a forte possibilidade de vir a ser-lhe concedida a licença de exploração de lítio em Sepeda (como aconteceu)”.
A mesma queixa-crime denuncia também a “opacidade do procedimento administrativo que conduziu à celebração do contrato de concessão, ali se imputando ao sr. ministro do Ambiente (então o suspeito Matos Fernandes) e ao sr. secretário de Estado (então o suspeito João Galamba) conhecimento das ilegalidades cometidas”.
Sobre a mina da Savannah em Boticas, o MP escreveu no documento que “igualmente se verificam suspeitas de ilegalidades relacionadas com a concessão da exploração de lítio na mina do Barroso”.
“A intervenção do suspeito João Galamba nesta situação também revela, pelo menos, a intenção de interferir indevidamente na decisão de outras entidades, como a APA e o ICNF”, acrescenta o MP referindo-se à ação de Matos Fernandes e João Galamba para forçar a entrada da Galp no capital da mina.
O MP começa por apontar que a “APA referira, em setembro de 2021, que as participações no âmbito do EIA mostravam a discordância e a forte oposição à “Ampliação da Mina do Barroso” (o parecer da Comissão de Avaliação, de junho de 2022, concluiu mesmo que o projeto provocaria impactes negativos significativos a muito significativos, em alguns casos não minimizáveis, tendo emitido parecer desfavorável ao estudo prévio da “Ampliação da Mina do Barroso”, decisão que não mereceu a concordância da DGEG)”.
Paralelamente, “os suspeitos Nuno Lacasta e José Pimenta Machado, respetivamente presidente e vice-presidente do conselho diretivo da APA, concertaram com os suspeitos João Barros e Diogo Silveira da Savannah, essa emissão, garantindo-lhe tal antes do final do prazo concedido para a consulta pública e de sequer analisarem os diversos contributos recebidos nesse âmbito”.
O documento aponta que, entre junho de 2022 e maio de 2023, “verificou-se que existiram negociações” entre a Savannah, a autarquia de Boticas e João Galamba que visava a construção pela empresa mineira de uma estrada no valor de 20 milhões de euros “a acrescer aos royalties devidos”, “que serviu de compensação para a autarquia não se opor à exploração do lítio, sendo que nesses contactos suspeitos intervieram os já referidos Diogo Silveira (amigo pessoal de Nuno Lacasta), e João Barros da Savannah, Nuno Lacasta e José Pimenta Machado, da APA, e o presidente da câmara de Boticas”.
O MP aponta que nessa fase os “responsáveis da Savannah tiveram acesso privilegiado aos responsáveis da APA, à DGEG, e aos gabinetes dos ministros do Ambiente e das Infraestruturas para obterem benefícios ilegítimos”.