Melides: a Hamptons alentejana que vale mais de quatro mil milhões de euros. E até Clooney está a investir

A Agência de Turismo do Alentejo está satisfeita com proposta de investidores americanos para construir um resort de luxo próximo da Praia da Aberta. Protecção das dunas, fauna e flora será prioridade, assim como o livre acesso às praias.

De Tróia a Melides, o novo luxo do turismo é a exclusividade e até George Clooney está a investir. O actor norte-americano é um dos accionistas do fundo imobiliário Discovery Land Company, que adquiriu o Parque de Campismo da Galé e a Herdade Costa Terra à família Queiroz Pereira, uma das mais influentes no investimento turístico e imobiliário em Portugal. Nessa área, frente à Praia da Aberta, em Melides, vai ser erguido um resort avaliado em cerca de quatro mil milhões de euros. “Uma espécie de Hamptons, ao estilo da costa de Nova Iorque”, afirma António Lacerda, director-executivo da Agência de Promoção Turística do Turismo do Alentejo.

O véu do negócio imobiliário que será o CostaTerra Golf and Ocean começa a ser levantado e de uma garantia a Turismo do Alentejo não abre mão: “venha quem vier, o acesso às praias continua a ser livre para todos”.

Estão planeadas 360 vilas e cada lote custa 10 milhões de euros, fora o projecto e construção, num empreendimento com a marca de Mike Feldman, mundialmente reconhecido como o guru dos resorts onde famosos e milionários têm refúgios de luxo.

Este é o maior dos investimentos feitos nos últimos dez anos entre Tróia e Melides, mas, antes dele, um intenso caminho foi percorrido, a que comummente se chama “zona da Comporta”.

Entre 2016 e 2021, só no concelho de Grândola, mais de 70 milhões de euros foram aplicados em quatro unidades hoteleiras, uma das quais a Sublime Comporta Villas, criada na Herdade da Comporta, com valor superior a 41 milhões de euros.

Em cinco anos, no total do litoral alentejano, foram investidos 90 milhões de euros com 57 novos projectos que concentram agora o equivalente a 60% de todo o investimento turístico realizado no Alentejo.

Mas estes 90 milhões de euros para a construção de estruturas são apenas uma pequena parte do volume de negócios. Em Novembro de 2019, a especulação imobiliária gerada durante a compra da Herdade da Comporta da família Espírito Santo pela Vanguard Properties e Amorim Luxury deu origem a um negócio de 2,3 mil milhões de euros.

“Números impressionantes”, numa zona onde, apesar da pandemia, “Comporta, Melides, Alcácer do Sal e Odeceixe recuperaram afluência turística durante o Verão de 2021”, destaca António Lacerda.

“A ocupação de 80% das camas foi um bom indicador de que a covid-19 manteve os portugueses a fazer turismo dentro de portas, mas também trouxe pessoas de fora, que aqui se sentiram seguras. Ainda assim, falta recuperar 20%”, reforça.

Sustentabilidade ambiental

Há mais de uma década, quando a família Queiroz Pereira adquiriu a Herdade Costa Terra, em 2008, o megaempreendimento planeado para aquela Área de Desenvolvimento Turístico levantou dúvidas, “devido à elevada pressão que uma unidade com 7500 dormidas colocaria sobre os recursos naturais”. Em 2020, a Discovery Land Company “apresentou uma proposta ambientalmente mais sustentável do que a da família Queiroz Pereira, antiga proprietária, sem margem para dúvidas”.

Mais sustentável ou não, o facto é que o projecto continua planeado para uma área muito próxima da praia, integrada na Rede Natura 2000, onde a protecção de habitats é prioritária. Aliás, essa foi a causa da suspensão do projecto da família Queiroz Pereira em 2008, após decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.

Agora, o loteamento para a construção das 360 vilas está a ser aceite e o Turismo do Alentejo acredita que a protecção da natureza será prioritária. António Lacerda descreve um conceito de resort que “dá uma nova tendência ao turismo entre Tróia e Melides, com a construção de espaços onde a exclusividade é o objectivo principal, harmonizada com os recursos naturais”.

O conceito turístico da Discovery Land Company, onde George Clooney se movimenta, é apenas um dos muitos que criam a nova tendência do turismo exclusivo no Alentejo, voltado para a sustentabilidade ambiental.

Muito diferente do plano anterior, que permitiu a construção de um denso edificado em apenas dois quilómetros, na Ponta do Adoxe, em Tróia, colocando em risco o ambiente e as pessoas.

Sob o temor de setubalenses, grandolenses e alcacerenses, que receiam não apenas a destruição da natureza, mas também que um dia não tenham praias livres, António Lacerda recorda que, “segundo a lei, não podem existir praias particulares em Portugal”.

Portas abertas para a praia

O acesso ao mar continuará livre e António Lacerda fala mesmo num “salto de consciência” que acompanha o novo Plano Regional de Ordenamento do Território. A nova versão do documento “inclui um bloqueio à construção do lado direito da Estrada Nacional 261, o mais próximo da praia”, uma condição respeitada pelos investidores que ali fixaram dezenas de unidades hoteleiras nos últimos anos.

Com a Discovery Land Company não devia ser diferente, mas a antiga Herdade Costa Terra fica do lado direito da estrada e o loteamento já está planeado.

António Lacerda insiste que não há razões para preocupação, porque “tem de ser garantido o acesso franco à praia”. Não deixa, contudo, afastada a hipótese de condições para garantir a privacidade dos novos proprietários. Por isso, “é possível que o acesso privilegiado à praia passe a ser o que levava à entrada do antigo Parque de Campismo da Galé”.

Os prazos para a concretização do projecto ainda não estão estipulados, “a impressão passada pelo promotor é que, devido à conjuntura económica provocada pela pandemia, o resort crescerá sem pressa”. Mas António Lacerda tem esperança de ver as primeiras vilas construídas em 2022, “para começar a alavancar o turismo no pós-pandemia com a ajuda de Mike Feldman”.

Afinal, mesmo com a crise gerada pela covid-19, o turismo continua a assumir a liderança do investimento e riqueza em Portugal. Além-fronteiras, o país está cotado como o 5.º do mundo e o primeiro da Europa com mais riqueza gerada pelo turismo, representando 19,1% do seu Produto Interno Bruto, segundo os números do World Travel Tourism Council divulgados pelo Ministério da Economia e Transição Digital.

*Artigo originalmente publicado na edição impressa do NOVO nas bancas a 3 de Dezembro de 2021