A 15 de outubro, na Casa Branca, em Washington, nos Estados Unidos da América (EUA), o então presidente norte-americano, Donald Trump, foi o improvável anfitrião e patrocinador do que ficou conhecido como Acordos de Abraão, em que Israel, Emirados Árabes Unidos e Bahrein se comprometeram a estabelecer relações formais, pondo termo a décadas de vazio diplomático entre Telavive e o mundo árabe e alterando a dinâmica geopolítica no Médio Oriente. Como uma pedra num lago, os círculos de influência deste acordo chegaram a Marrocos e ao Sudão, em poucos meses, e chegaram este ano à Arábia Saudita, com o anúncio feito pelo primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, de que estaria a ser ultimado um histórico acordo de paz entre os dois países, que aprofundaria a mudança na região.

Depois, há uma semana, a 7 de outubro, o grupo islâmico Hamas lançou um ataque de surpresa em larga escala contra Israel, que ameaça mudar tudo outra vez, o que será um dos objetivos da operação. “Este ataque, pela reação absolutamente desproporcional dos israelitas e por reacender estas diferenças identitárias, colocou em causa todos os esforços de aproximação”, diz ao NOVO André Matos, professor e coordenador da licenciatura em Relações Internacionais da Universidade Portucalense. “A normalização das relações era uma prioridade da Administração Biden para o Médio Oriente, mas ficou completamente comprometida, uma vez que a Arábia Saudita não deixará de apoiar a causa palestiniana contra a opressão israelita”, acrescenta.

O ataque do Hamas, considerado uma organização terrorista pela União Europeia (UE) e pelos EUA, iniciou-se na madrugada de sábado, envolveu uma barragem de rockets disparados a partir da Faixa de Gaza sobre o sul e o centro de Israel – 2.200 segundo Israel, 5.000 de acordo com o Hamas -, ataques por mar e incursões por terra em terreno israelita, abatendo alvos civis, incluindo os participantes num festival de música, e provocando encontros armados sem precedentes entre as duas forças. O Hamas terá raptado mais de uma centena de cidadãos – são referidos 180, de diversas nacionalidades -, que mantém como reféns em Gaza.

As forças armadas israelitas têm ripostado, com bombardeamentos incessantes desde o primeiro ataque e combates junto à fronteira, ainda em território de Israel. Também foi cortado o abastecimento de eletricidade e de água à faixa, que tem cerca de 40 quilómetros de comprimento e 10 de largura e é uma área de elevada densidade populacional, com cerca de 2,2 milhões de habitantes, provocando uma crise humanitária quase imediata.

Os mortos atingem os milhares, dos dois lados, mas, para Israel, este início de outubro é identificado como o pior momento desde o Holocausto.

Israel unido e pronto
A condenação dos ataques do Hamas por parte da comunidade internacional foi rápida e generalizada. Do outro lado, o grupo terrorista pediu uma revolta de Benjamin Netanyahu, que governa com uma coligação que inclui dois partidos religiosos ortodoxos e o “Sionismo Religioso”, ultranacionalista de extrema-direita, acordou um governo de emergência nacional com o principal partido da oposição.

“A incapacidade – alegada – de Israel em antecipar os ataques – ou a deliberada decisão de não prevenir ou evitar o ataque – estava a colocar uma grande pressão sobre a já frágil coligação de Netanyahu; antecipava-se uma crise política grave”, diz ao NOVO André Matos, professor e coordenador da licenciatura em Relações Internacionais da Universidade Portucalense. “Essa crise foi habilmente contornada pelo primeiro-ministro israelita ao criar uma solução de governação, a do governo de unidade nacional, pois assim conseguiu resolver dois problemas: evita uma crise interna a médio prazo -agudizada pelas recentes decisões sobre o princípio da separação de poderes, que tinham levado à rua milhares de israelitas contra as alterações à constituição – e, ainda, consegue desviar do seu partido e da sua figura custos políticos mais elevados da reação aos ataques; conseguiu empurrar para este governo, no qual participa o líder da oposição, os custos de decisões mais polémicas no decorrer do conflito”, acrescenta.

“O Hamas é o ISIS, e assim como o ISIS foi esmagado, o Hamas também deve ser esmagado”, afirmou Netanyahu, depois de formado o novo executivo. Benny Gantz, líder da oposição, garantiu que o governo recém-formado está “unido” e pronto para “varrer da face da Terra esta coisa chamada Hamas”.

À espera da invasão
A questão que se coloca agora é como retaliará Israel e como responderão outros movimentos e países do Médio Oriente, sendo que o Hamas já pediu uma revolta internacional, o que colocou muitos países em alerta, entre os quais os EUA, que se colocaram prontamente ao lado de Israel e garantiram o apoio na sua proteção.

A norte de Israel, no Líbano, o grupo armado Hezbollah, pró-iraniano, já se declarou pronto para atacar, quando fosse oportuno.

“Tenhamos presente que o ataque do Hamas, apesar de no contexto de um conflito regional, se insere numa tendência dos novos alinhamentos geopolíticos em que a Rússia tem um papel fundamental, nomeadamente na sua relação com o Irão”, diz ao NOVO Jorge Silva Carvalho, consultor em segurança e estratégia, e antigo diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa.

O próprio primeiro-ministro israelita já avisou que serão muitos dias de provação, antecipando um conflito mais longo.

As forças armadas israelitas concentraram-se junto a Gaza, já anunciaram que vão utilizar uma “força significativa” no território nos próximos dias e ordenaram que 1,1 milhões de pessoas de habitantes abandonem o norte e se desloquem para sul, tendo criado uma via segura para o efeito. A Organização das Nações Unidas antecipa uma tragédia.

“É provável que Gaza tal como a conhecemos deixe de existir”, diz Silva Carvalho.

Mas o Irão já avisou os EUA de que “devem controlar Israel” se quiserem evitar uma guerra regional na sequência da escalada do conflito israelo-palestiniano.

“A América quer permitir que Israel destrua Gaza, e isso é um erro grave”, disse o chefe da diplomacia iraniana, Hossein Amir-Abdollahian, durante uma visita a Beirute, citado pela agência francesa AFP.