O Presidente da República deverá anunciar nesta terça-feira, 23 de julho, a sua decisão sobre a descida do IRS proposta pelo PS e que foi aprovada no Parlamento à revelia do Governo que considera que a medida viola a lei-travão, segundo a qual os deputados não podem aprovar leis que aumentem a despesa ou reduzam receita enquanto está em vigor um Orçamento do Estado. Caso Belém dê ‘luz verde’ ao alívio fiscal para as famílias, o JE sabe que Marcelo pode ainda optar por enviar a diploma para fiscalização sucessiva no Tribunal Constitucional (TC), um procedimento que não impede a entrada em vigor da lei e que é comparado com o que Cavaco Silva fez, em 2010, com um pacote de medidas de austeridade (PECII) que agravou a carga fiscal no IVA, IRS e IRC. Com a promulgação pelo chefe de Estado as tabelas de retenção do IRS poderão ser alteradas já em agosto, fazendo chegar o alívio fiscal aos bolsos dos contribuintes com menores retenções mensais do imposto.
Ao não enviar o diploma para o Palácio Ratton para fiscalização preventiva da constitucionalidade, Marcelo Rebelo de Sousa pode agora vetar, devolvendo o diploma ao Parlamento, ou promulgar, numa decisão que levará à aplicação da redução do IRS proposta pelo PS através de duas vias: pela alteração das tabelas de retenção do IRS, que, a partir de agosto, podia levar já ao aumento do rendimento disponível das famílias com menores retenções de imposto ou pelo acerto de contas com fisco só em 2025, aquando da liquidação do imposto referente aos rendimentos de 2024, o que levaria a que o alívio fiscal decorrente da alteração dos escalões do IRS não fosse sentido já este ano. Fontes governamentais apontam o primeiro cenário como o mais provável ainda que não esteja excluído que também o primeiro-ministro poderá vir a pedir a fiscalização sucessiva deste diploma.
Também o Presidente da República, ao promulgar a medida, pode ainda pedir o a fiscalização sucessiva da constitucionalidade da medida, o que significa que entra em vigor, podendo ainda ser chumbada pelo TC, o que não afetaria a sua aplicação e teria apenas efeitos futuros ao nível de jurisprudência. Marcelo pode ainda vetar, devolvendo o articulado ao Parlamento, o que, segundo fontes próximas ao processo, tem sido dado como hipótese afastado, mas a decisão do chefe de Estado poderá sempre surpreender.
Em causa está o diploma, aprovado no Parlamento a 12 de junho com os votos contra dos partidos que apoiam, que determina um alívio fiscal em sede de IRS entre 0,25 e 1,5 pontos percentuais até ao 6.º escalão de rendimentos, e as dúvidas que suscitou, nomeadamente por parte do Governo, quanto à violação da lei-travão, que impede, por iniciativa de um partido, criar mais despesa ou menos receita no ano económico em curso face ao orçamentado. A única maneira de haver diminuição da receita em IRS em 2024 seria a alteração das tabelas de retenção na fonte, para refletir a descida do imposto, mas isso não violaria a norma-travão porque se trata de uma decisão do Governo e não do Parlamento.
Tal como o JE noticiou em primeira mão, o prazo para que Marcelo Rebelo de Sousa solicitasse a fiscalização preventiva da redução do IRS terminou na passada quinta-feira, 11 de julho. Sem que o diploma tenha sido enviado para o Tribunal Constitucional, manteve-se o prazo de 20 dias para a decisão presidencial, restando 12 dias para o chefe de Estado se pronunciar e que termina nesta terça-feira, 23 de julho.
Marcelo analisa seis diplomas
Já na passada terça-feira, 16 de julho, o Presidente da República avançou que tomará decisão de promulgar ou não a redução do IRS, após analisar os decretos do parlamento sobre impostos em conjunto e que tencionava tomar uma decisão nesta semana, tendo já no final da semana passada sistematizado que anunciaria o seu veredicto até ao fim desta terça-feira, justificando não ter ainda tomado decisão devido à entrada de novos diplomas.
“Eu recebi seis leis do parlamento. Chamam-se decretos até serem eventualmente promulgados. Seis, todos matéria de impostos. Uns vieram mais cedo, outros vieram mais tarde, portanto, os prazos de análise são diferentes. Mas eu tentei vê-los em conjunto”, respondeu o chefe de Estado quando questionado em concreto sobre o decreto do parlamento que reduz as taxas de IRS até ao 6.º escalão, aprovado pela oposição, com base um projeto de lei do PS. “Estou a vê-los em conjunto, e tenciono ter uma decisão sobre os seis na próxima semana [esta semana]”, disse a 16 de julho.
Os únicos decretos do Parlamento promulgados por Marcelo Rebelo de Sousa nesta legislatura incluem a alteração à composição dos inquéritos parlamentares (proposta por todos os partidos) e propostas de lei relacionadas com a dinamização do mercado de capitais e a autorização ao governo para legislar sobre a isenção de IMT e imposto de selo para jovens até 35 anos, cujas regras, entretanto, aprovadas em Conselho de Ministros ainda aguardam promulgação.
No dia 3 de julho, três decretos sobre o IRS chegaram a Belém, incluindo um proposto pelo Governo que limita as deduções específicas, cujo valor está fixado nos 4.104 euros há vários anos) vai evoluir em função da taxa de atualização do Indexante de Apoios Sociais (IAS), e atualiza os escalões de acordo com a inflação. Outro decreto que reduz as taxas até ao 6.º escalão ainda este ano, e um terceiro do Bloco de Esquerda que preconiza a atualização da dedução específica (que está há vários anos ‘congelada’ nos 4.104 euros) dos rendimentos de trabalho e pensões à taxa de atualização IAS.
Além dos decretos relacionados com o IRS, Marcelo Rebelo de Sousa recebeu, no início de julho, um diploma que prevê o aumento do consumo de eletricidade sujeito à taxa reduzida de IVA. E, no final da semana passada, aguardava-se um novo decreto, do PS, relacionado com o aumento da dedução do valor das rendas para apuramento do IRS, para um máximo de 800 euros, se juntasse aos demais.
Governo também pode pedir fiscalização sucessiva
Mantém-se agora a dúvida se o Governo pede também ou não ao Constitucional que avalie a descida do IRS. Em recente entrevista à Antena 1 e ao Jornal de Negócios, o ministro da Presidência não adiantou se é intenção do Governo aferir da constitucionalidade do diploma das taxas do IRS aprovado na Assembleia da República se o Presidente da República não enviasse o diploma para o Tribunal Constitucional.
Desde o início deste mês, a 3 de julho, que o diploma está em Belém, determinando as regras que o Presidente da República, se quisesse suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade, tinha oito dias a contar da data da receção do diploma, cujo prazo terminou a 11 de julho – apesar de Belém não esclarecer se recebeu a 3 ou a 4 de julho o diploma do IRS e os prazos para a decisão de Marcelo, fonte parlamentar assegurou ao JE que a data de envio do diploma do IRS corresponde à da recção pelo que o prazo para pedir a fiscalização preventiva terminou a 11 de julho, restando 12 dias para se pronunciar se promulga ou veta a medida.
Com promulgação, tabelas de retenção podem ser alteradas já em agosto
Caso a decisão tivesse sido enviar o diploma para o Palácio Ratton, a lei não chegaria a entrar em vigor e o Tribunal Constitucional tinha 25 dias para se pronunciar, o que daria ao Governo pelo menos dois meses para atrasar o impacto nas contas públicas dado que, no limite máximo e com decisão do TC a favor da constitucionalidade, só no final de setembro Marcelo teria de se pronunciar, remetendo-se a entrada em vigor das novas tabelas de retenção para o último trimestre do ano.
Com a opção de não enviar o diploma para o TC, aplicou-se o prazo 20 dias para Marcelo promulgar ou vetar, devolvendo, neste caso, a iniciativa ao Parlamento. Caso o Chefe de Estado dê luz verde à medida tal como está, e com a decisão conhecida a 23 de julho, as tabelas de retenção poderiam ser alteradas já em agosto.
Ministro das Finanças insiste que medida viola a lei-travão
Já após Marcelo ter afastado o pedido de fiscalização preventiva do alívio do IRS, o ministro das Finanças insistiu no início da semana passada que a descida do IRS aprovado no Parlamento à revelia do Governo viola a norma travão. Miranda Sarmento sinalizou aguardar uma decisão do Presidente da República para anunciar novos passos.
Caso a decisão seja a de promulgação, o governante disse que atualizar as tabelas de retenção na fonte “é uma decisão que o Governo tomará em função da decisão do Presidente da República” e que a “seu tempo” será comunicada ao país.
No final de junho, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, defendeu também que o PS, cujo diploma aprovado tem apenas as taxas para 2025, mostrou que descida do IRS viola a lei-travão com as declarações de Pedro Nuno Santos ao dizer que será “uma birra do Governo não publicar as tabelas de retenção”. Para o governante, em entrevista à Antena 1 e ao Jornal de Negócios, o líder socialista está a assumir que o Parlamento aprovou uma redução de impostos, de receitas no ano em curso “e isso é diferente do que diz a lei travão”.
A violação da norma travão aparentemente foi afastada pelos serviços do Parlamento com o despacho de admissibilidade da proposta, assinado pelo presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco. Isto porque, o projeto de lei do PS não implicaria uma diminuição do IRS no ano económico de 2024, porque a liquidação dos rendimentos de 2024 só é feita em 2025, pelo que o impacto só se irá sentir no próximo ano.
Proposta do PS custa mais 97 milhões do que a do PSD
O alívio fiscal proposto pelo PS tem um impacto orçamental de 550 milhões de euros, sendo que a maior fatia de 348 milhões deveria ocorrer este ano com descida das tabelas de retenção na fonte com o PS a defender que está em linha com a margem orçamental prevista pelo Governo para a redução intercalar do IRS. A restante fatia (202 milhões) chegaria ao bolso dos contribuintes, com o aumento dos reembolsos, em 2025.
O impacto orçamental da redução do imposto nos moldes do PS supera em 87 milhões a proposta do Governo que sinalizou um custo de 463 milhões entre a descida das tabelas de retenção na fonte (impacto de 348 milhões já este ano) e o aumento dos reembolsos em 2025, que implicaria uma despesa adicional de, pelo menos, 115 milhões.