Menos de 2,4 mil milhões de euros desbloqueados para projetos em Portugal. São 14% dos 16 mil milhões previstos para relançar a economia depois da pandemia que paralisou o mundo em 2019 e 2020. Muito pouco, reclamam os empresários, apontando razões que vão sobretudo beber à morosidade, complexidade e teia burocrática dos processos da máquina pública. Mas agora tudo vai acelerar, garante o presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR.
“Tenho dito e repito que a celeridade das entidades públicas é fundamental” para o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) chegar ao terreno. “Temos mesmo de acelerar”, vinca Pedro Dominguinhos, assegurando que “todos estão a trabalhar afincadamente para garantir a execução mais rápida do plano”.
O especialista que acompanha diariamente o PRR explica que houve atrasos, sobretudo no arranque das plataformas – “a plataforma do IAPMEI só ficou disponível a 30 de junho, as do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) e da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) levaram muito tempo a arrancar” -, mas também na análise de projetos e publicação dos resultados de concursos, por exemplo. E lembra que há contratos de dezenas de milhões de euros, que requerem cuidados especiais e autorizações de múltiplas entidades. Ainda assim reconhece justiça nas preocupações com a demora nos pagamentos. “Era possível estarmos mais adiantados. Se não se tivesse levado tanto tempo a operacionalizar as plataformas e na tomada de decisões.”
Esse é um dos fatores críticos apontados pelo bastonário dos engenheiros. “A dificuldade em decidir é o maior problema português. O PRR traduz o que tem sido o país nos últimos 20 anos: demoramos demasiado a decidir e também a executar”, lamenta Fernando de Almeida Santos, sublinhando que essa morosidade nos faz perder competitividade. “Três anos depois da pandemia, temos pouco mais de 2 mil milhões do PRR pagos e a maioria dos projetos por arrancar.”
Até ao momento, Portugal recebeu 5,16 mil milhões – o adiantamento de 2,16 mil milhões logo em 2021, a que se somaram duas tranches de 1,16 e 1,8 mil milhões em 2022 e 2023. Mais de metade desse valor está por entregar a quem vai aplicá-lo em reformas.
O dinheiro está lá. Porque é que não se paga? O Estado é mau pagador”, conclui o presidente da CIP, criticando a morosidade na aprovação de projetos privados. “Há um nível baixíssimo de aprovações, se comparar com as do Estado. As empresas têm de passar por um calvário burocrático e os processos avançam a uma lentidão desesperante, como os carros nas portagens a caminho das praias em agosto, enquanto o Estado parece que tem Via Verde”, diz Armindo Monteiro.
Segundo os relatórios da estrutura de acompanhamento, entidades e empresas públicas somam já 6.504 milhões de euros em candidaturas aprovadas, com pagamentos cumpridos de 1.039 milhões. O sector privado tem 4.510 milhões aprovados e recebeu 606. “Desorganização e falta de celeridade da máquina administrativa, que não entende a urgência das coisas”, são os problemas apontados pelo representante das empresas, que lamenta que esteja muito por fazer, mesmo quando quase um terço do dinheiro da bazuca já chegou de Bruxelas. Esta demora tem consequências, lembra o presidente da CIP, que assegura que há muitos projetos desorçamentados dado o incremento de custos, nomeadamente na construção, no último ano, por causa da inflação. As empresas estão sem tesouraria para fazer avançar as obras, diz. Para o que contribui o IVA que têm de pagar. “No acordo de competitividade e rendimentos, ficou acordado que o IVA seria considerado custo nos projetos, mas estamos desde novembro à espera da portaria que viabilizará essa regra, com as empresas a avançar e a pagar IVA”, revela.
Calendário acelera em 2024
Pedro Dominguinhos reconhece os atrasos, para os quais, aliás, tem alertado, mas explica que eles também se prendem com o ciclo de vida dos projetos. E aponta a inflação como fator de atraso: “Quando se começou a fazer os cadernos de encargos, percebeu-se que os valores estavam manifestamente desajustados.” Mas isso, garante, foi analisado e a comparticipação aumentada para incorporar o custo acrescido. “É um problema em toda a Europa”, vinca.
Quanto ao calendário, Dominguinhos diz que é um fator sobretudo nos investimentos públicos, estando muitos em fase de concurso ou lançamento de obra. “Só em 2024 e 2025 é que será preciso desembolsar as maiores quantias. É o caso do Metro, por exemplo. Ou da Infraestruturas de Portugal, que tem dez obras a andar e mais duas a concurso. Ou das residências de estudantes e projetos autárquicos de habitação, que têm de ter os contratos todos assinados até ao final deste ano, mas em que a maioria das obras só arranca no ano que vem.”
Essa é a razão para o presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR se mostrar otimista quanto à evolução dos pagamentos num momento em que, lembra, as empresas são já as segundas no ranking de pagamentos feitos, apenas atrás das entidades públicas.
Com efeito, as verbas entregues ao privado aceleraram nos últimos dois meses, desde que a plataforma do IAPMEI ficou funcional, com 606 milhões de euros pagos até à data, de acordo com os números publicados (de 4.510 milhões de euros aprovados). Estado e autarquias somam, ao momento, 882 milhões recebidos de um total aprovado de 5,6 mil milhões. Na última semana, foram pagos 27 milhões, mas o valor entregue às empresas não se alterou – metade foi para as autarquias e outros 8 milhões para o Estado e empresas públicas.
Fernando de Almeida Santos consegue ver algo positivo no atraso. “Se já tivéssemos 30% dos projetos a andar, não tínhamos conhecimento e infraestruturas em quantidade suficiente para os pôr em marcha.” A falta de mão-de-obra é uma preocupação para o bastonário dos engenheiros, mas não é o único fator em que vê falhar a aplicação dos fundos: “Priorizar os grandes investimentos merecia uma auscultação da academia e dos sectores relevantes da sociedade civil, que não têm sido chamados a discutir os grandes desígnios com verbas europeias.”
Com a totalidade dos 16,6 mil milhões de euros previstos para Portugal contratada em todas as dimensões do programa – resiliência, transição climática e transição digital – e as aprovações acima dos 85% em todos os vetores, a verdade é que a bazuca não se tem revelado arma capaz de responder à emergência do que a recuperação da pandemia exigia. “Estamos a dar prioridade às transições em vez de nos focarmos primeiro na resiliência e as empresas sofrem com isso”, lamenta Armindo Monteiro, antecipando que há componentes de consórcios a viver dificuldades que podem pôr parcerias em risco. “Se isto não se resolve depressa, temo que as agendas mobilizadoras venham a ser ineficazes ou dificilmente se materializem.” “O PRR foi um plano excecional de combate ao efeito covid, mas as coisas parecem paradas”, confirma Fernando de Almeida Santos.
Dois anos depois de Bruxelas ter dado o tiro de partida do Plano de Recuperação e Resiliência, construído para ajudar as economias da zona euro a saírem mais fortes da pandemia que paralisou o mundo em 2020, os avanços fazem-se em câmara lenta. O PRR está todo ele atrasado, com apenas 20% das verbas disponíveis para transformar as economias transferidos para os Estados-membros – pouco mais de 150 mil milhões, de um total de 750 mil milhões para usar até 2026.
Mas mesmo as transferências que a Comissão Europeia já fez custam a chegar ao terreno. Com 31% do valor da bazuca já nos cofres nacionais, e as aprovações do PRR a somarem 14,3 mil milhões (86% do total), até 16 de agosto apenas 2,410 mil milhões foram pagos a beneficiários diretos e finais. O que corresponde a 14% do PRR português. E menos de metade dos fundos que Bruxelas já transferiu para o país-.
Artigo publicado na edição do NOVO de dia 19 de agosto.