“Um grande produtor alentejano de vinho disse-me que um hectare era o tamanho da sua horta, ao que eu respondi que, então, a minha vinha de um hectare seria o meu jardim. E assim foi”, conta ao NOVO Pedro Patrício, produtor do vinho Já Te Disse uma microprodução nascida de um sonho, talento e teimosia.

A ideia germinou depois de uma visita à Borgonha, em França, em 2015, e concretizou-se no ano seguinte, com a participação de Joachim Roque, enólogo formado em Viti-Oeno, em Bordéus, em França, com experiência feita em projetos naquele país, nos Estados Unidos da América e em Portugal.

“Disseram-me que era o Joachim era o único enólogo que sabia trabalhar ao estilo francês de Borgonha e Bordéus, em micro vinhas, cepa a cepa. Fui falar com ele e ele também se entusiasmou comigo com a audácia de fazer um projeto de raiz, do zero”, conta Pedro Patrício.

Partiram da conversa para a escolha do terreno, das castas e de tudo o resto que permitiria transformar o sonho em realidade.

Apoiados no conhecimento de Joachim Roque, os irmãos Pedro Patrício, administrador do Hospital da Luz e, agora, também presidente da União Desportiva de Santarém, e Rui Patrício, sócio da sociedade de advogados MLGTS, compraram seis hectares de terreno no Monte Papa Toucinho, no Alentejo, perto de Estremoz, a seguir a São Lourenço de Mamporcão. Só pouco menos de um hectare é destinado ao projeto vinícola.

Estremoz é reconhecida pela produção de vinho de qualidade e é lá que encontramos João Portugal Ramos, Tiago Cabaço, a Herdade das Servas ou a Quinta do Carmo.

O estudo sobre a avaliação do impacto socioeconómico do sector do vinho em Portugal, feita pela Nova SBE para a Acibev – Associação de Vinhos e Espirituosas de Portugal aponta que o tamanho médio das explorações vinícolas tem aumentado, ultrapassando já 1,5 hectares, e que a área de vinha no Alentejo ascende a 25.461 hectares, incluindo-se aqui os 0,97 hectares do Monte Papa Toucinho.

“O terreno foi muito difícil de trabalhar, porque tinha uma grande rocha de xisto que foi partida para plantar cepa a cepa na própria pedra de xisto”, conta Pedro Patrício, que é quem desenvolve o projeto.

O resultado é um quase quadrado, com pouco menos de 100 metros de lado, mais palmo menos palmo, de solo argilo-xistoso, situado a uma altitude de 300 metros, com uma ótima exposição solar, numa região que enfrenta grandes amplitudes térmicas, passando os 40 graus no verão – atingiu um recorde de 44,8 graus em 2018 – e caindo para valores negativos no inverno.

Com Joachim Roque, escolheram as castas a plantar: Alicante Bouschet, a Tintureira, considerada a mais portuguesa das uvas que vieram de fora, neste caso do gaulês Languedoc, que apresenta uma cor intensa e dá notas de frutos vermelhos e taninos vigorosos ao vinho; Petit Verdot, da região francesa de Bordéus, e que teve uma nova vida nos EUA e na América do Sul, trazendo sabores de especiarias, mentol e violeta ao vinho, mas também taninos potentes e cor intensa; e Syrah, das Côtes du Rhône, em França, mais flexível, com taninos mais suaves.

Com estas três castas, foram plantadas 3.613 videiras, em apenas 36 linhas.

Pedro Patrício diz que todo o trabalho da vinha é feito manualmente, respeitando a tradição artesanal, e todas as videiras são cuidadas ao longo das 52 semanas do ano, cepa a cepa, e só são aproveitadas as melhores uvas. A vindima é feita manualmente, casta a casta, de madrugada. “Como as castas têm diferentes momentos de maturações, por vezes distanciadas por duas semanas, são necessárias várias vindimas”, explica, apontando que nem sempre é fácil juntar as pessoas necessárias para fazer as vindimas noturnas. “Felizmente, até hoje as vindimas foram todas bem-feitas, com a uva a entrar na adega ainda fresca e antes de começar o seu processo natural de fermentações”.

A pisa a pé faz-se em lagar, separadamente, por casta, e só depois é feito o blend. Após as fermentações, os vinhos tintos Já Te Disse estagiam em barricas de carvalho francês durante 14 a 16 meses.

O primeiro vinho tinto Já Te Disse resultou da colheita de 2019, uma produção de apenas 2.800 garrafas, todas preparadas uma a uma, numeradas e lacradas.

Ainda não tendo atingido a mão cheia de anos de vida, as quatro referências da marca Já Te Disse já contam com mais do que isso em prémios. A Edição Especial do Já Te Disse Alicante Bouschet, monovarietal, com estágio de 14 meses em barricas novas de carvalho francês, de que foram produzidas 3.200 garrafas, conquistou a Medalha Grande Ouro no Concurso Mundial, em Bruxelas, e a Medalha de prata no Paris Wine Cup. O Já Te Disse Tinto com as três castas – Petit Verdot, Syrah e Alicante Bouschet –, com estágio de 16 meses em carvalho francês, de que foram produzidas 4.000 garrafas, venceu a Medalha de Ouro no Concurso Mundial, em Bruxelas, e a Medalha de Prata no London Wine Competition.

Com a mesma marca, mas de outra vinha, foi feita uma edição limitada de uma colheita irrepetível, de vinho branco, produzida uma única vez, no ano passado, da casta francesa Viognier, originária da região do Rhône. Foram produzidas 3.600 garrafas e o vinho foi, também, premiado, entre outros com a Medalha de Prata no London Wine Competition.

Todos estes vinhos foram também distinguidos a nível nacional.

A última referência é uma produção de rosé, de 2021, das castas Aragonez, Touriga Nacional e Syrah, de que foram produzidas 1.995 garrafas.

Um bom 2023

Agora, Pedro Patrício está já focado na vindima deste ano, iniciada em agosto e terminada a 28 de setembro, “num processo cuidado, separado por zonas e por castas”, em que “a colheita de cada cacho de uvas foi feita no seu momento perfeito de maturação”.

“Foi o melhor ano de todos em qualidade, cor, sabor, grau, pH, acidez”, afiança Pedro Patrício, dizendo que “o resultado de todo este trabalho foi muito positivo. O nosso enólogo, o Joachim Roque, e toda a equipa ficaram bastante satisfeitos”.

Como definiram, entre 30% e 40% da produção de cada ano será sempre guardada para venda nos anos seguintes.

A vindima foi feita totalmente por pessoas pertencentes aos concelhos da região, juntando Estremoz, Borba, Vila Viçosa e Sousel, especialmente as freguesias do concelho de Estremoz, como São Lourenço de Mamporcão, Glória, Veiros, Arcos, entre outras. “Participaram oito homens e sete mulheres, entre os 33 e os 64 anos de idade, não havendo qualquer distinção de pagamentos pelo trabalho realizado conforme o sexo ou a faixa etária”, assevera Patrício, que faz questão de sublinhar a política de igualdade de género da empresa.

Investe, também, numa política ativa de responsabilidade social, juntando-se a várias causas, entre elas a luta contra o cancro da mama, doando parte das suas vendas a associações. Tem, também, parcerias solidárias, nomeadamente com a organização dos Médicos do Mundo, que operaram no terreno após os sismos que atingiram a Turquia e a Síria e fevereiro, ainda a Acreditar – associação de luta contra o cancro pediátrico ou o Banco Alimentar. Acrescenta, ainda, um projeto de sustentabilidade ambiental, tendo já implementado várias ações onde se destaca a retenção de 4,5 toneladas de dióxido de carbono, como resultado das rolhas de cortiça utilizadas, bem como a redução do peso de cada uma das garrafas utilizadas.

Pedro Patrício diz que o lema que persegue, neste projeto, é “menos é mais”, porque não pretende plantar mais vinha, nem aumentar a produção. “A quantidade não é, de todo, uma das nossas prioridades, mas sim a qualidade”, diz.  “Não queremos plantar mais vinha nem produzir mais garrafas. O projeto é e será apenas vinho, apenas 0,97 hectares, e não quero crescer em quantidade. Sempre muito bom e pouco”, enfatiza.

Com a produção limitada, as vendas fazem-se através do próprio site da empresa e em lojas selecionadas, mas, mesmo assim, Pedro Patrício quer olhar para fora de portas, até porque muitos dos clientes do Já Te Disse são estrangeiros que residem em Portugal. Mas vai privilegiar quem fala português, primeiro, a apresentar o seu vinho no Brasil, depois apontando para Angola.

“Os vinhos são um bom negócio, porque se não se venderem, bebem-se”, finaliza.

 

Artigo publicado na edição do NOVO de 16 de dezembro