Subitamente, deparámo-nos com um intenso par de semanas na corrida às eleições presidenciais dos EUA. As eleições mais importantes para qualquer português, sem nelas poder votar.

Com um sentido de dever cívico notável, Joe Biden decidiu não se recandidatar, endossando de imediato a candidatura presidencial da Kamala Harris. Um gesto de enorme humildade democrática, tanto mais inexorável depois de uma deplorável prestação televisiva no debate contra Donald Trump.

Independentemente de Kamala ser uma adversária formidável, é evidente que Trump pretende deixar um legado. Se antes o seu vice-presidente fora Mike Pence, guardião dos valores e da respeitabilidade conservadora, agora Trump quer deixar um legado e um sucessor. Daí a escolha de J.D. Vance, um jovem senador em funções apenas há dois anos e em boa medida fruto do seu apoio.

Curiosamente, em toda a OCDE os partidos da esquerda moderada e da democracia cristã andam entretidos com os debates decorrentes da guerra cultural promovida pelos extremos e alheados dos reais problemas dos cidadãos, nomeadamente a erosão do poder de compra dos salários, a dificuldade no acesso à habitação própria permanente, ou o elevador social avariado.

No meio deste desnorte, vemos os Republicanos escolherem um potencial vice-presidente que no passado se juntou a um piquete de grevistas do sindicato dos camionistas que protestavam contra o seu assédio à sindicalização na Amazon.

Um candidato que apoia também restrições à imigração descontrolada, responsável, na sua perspetiva, pela degradação dos salários da classe trabalhadora norte-americana e pelo encarecimento da habitação. E que pelo mesmo motivo apoia um protecionismo industrial, com a finalidade de proteger e criar empregos industriais que permitam aos norte-americanos escapar à armadilha da “economia do biscate”.

Um potencial vice-presidente que quer uma política industrial, conduzida pelo Estado, que permita fomentar campeões e sectores industriais (caro Pedro Nuno Santos, parece-lhe familiar?), algo importante para se pagar bons salários.

J.D. Vance que quer um salário mínimo nacional mais, muito mais alto que o atualmente praticado nos diversos Estados da União e que também o quer ver estabelecido a nível federal.

É isto um sinal dos novos tempos? Quando o principal dirigente do sindicato dos motoristas, tradicional apoiante dos Democratas, discursa pela primeira vez na Convenção Republicana? Ou um mero sinal de que a causa dos cidadãos e dos trabalhadores não tem donos, algo que os tradicionais partidos da social-democracia parecem ter esquecido?

Quem diria que um potencial futuro vice-presidente Republicano poderia ser amigo dos trabalhadores e dos sindicatos?

O tempo dirá. Para já cito Bob Dylan: The Times They Are A-Changin’.