“Precisamos de ser lúcidos e reconhecer que a nossa Europa é mortal. Pode morrer. Tudo depende das escolhas que fazemos, e essas escolhas precisam ser feitas agora.”

 Emmanuel Macron, presidente da França

 

A Europa enquanto projeto económico e político tem vindo a enfrentar desafios de monta sobretudo nos últimos 15 anos, e que têm vindo a forçar a mudanças significativas na estrutura e vocação original das instituições. A crise das dividas soberanas, por exemplo, foi um teste á capacidade de fortalecer a integração financeira e monetária da União Europeia, obrigando a criar mecanismos que são hoje uma espécie de rede de arame farpado em torno do sistema bancário europeu, e consequentemente inibidores de divergências significativas no risco das dividas soberanas dos países que integram a comunidade, e mais importante, permitiu mais resiliência para o euro, enquanto moeda única. Também a pandemia foi um teste que a União Europeia superou com sucesso, conseguindo construir uma estrutura de resposta comum e integrada, seja na frente sanitária garantindo vacinas e equipamentos médicos em quantidade e em tempo útil para todos, quer nas respostas de apoio financeiro, recuperação económica e de transformação das economias pós-covid. Sem a resposta europeia, países como Portugal dificilmente teriam tido capacidade por si só, enfrentar e dar a volta às consequências provocadas pela crise sanitária. Mas a agenda de obstáculos da União Europeia continua a estar bem preenchida. E os próximos anos serão cruciais para definir o caminho que a União Europeia vai percorrer. Estas eleições europeias vão ditar provavelmente, quem vão ser os protagonistas de um dos instantes mais decisivos da Europa das próximas gerações.

Desde logo porque a “cortina de ferro” regressou ao continente, e irá muito provavelmente marcar a agenda diplomática e económica das próximas gerações. Questões como a segurança interna e defesa militar estarão provavelmente no centro do debate do projeto comum das nações europeias, e que passa não só pela reativação dos compromissos dos países europeus financeiros adormecidos com a NATO – e que os Estados Unidos dificilmente continuarão a tolerar , seja qual for o presidente eleito este ano – mas também pela criação de estrutura militar – desde a infraestrutura e equipamentos, passando pelo desenho de um comando federal próprio, ou a uma estratégica concertada relativamente a zonas de interesse para EU, como África, onde a Rússia tem vindo a adquirir influencia relevante. O controlo da imigração também é hoje uma variável política incontornável, e que pode influenciar eventualmente a forma como os europeus atravessam as fronteiras entre os países que assinaram o acordo de Schengen. A livre circulação de pessoas poderá bem ser mais controlada e revista.

A definição clara sobre separação de conceitos entre aliados e parceiros comerciais é outra variável relevante. É certo que a relação transatlântica entre Europa do euro e os Estados Unidos tem alicerces culturais sólidos e que dificilmente serão alterados. São os aliados naturais dos europeus, com valores de regime político democráticos, e conceitos relativos à religião, cultura e ideias progresso para os cidadãos similares. E com o reforço do papel da NATO no panorama geopolítico internacional a aliança terá tendência para se reforçar. Mas a Europa da União Europeia não pode ignorar que tem uma vocação e identidade também comercial e económica própria e multisecular, e que existem parceiros – como é o caso obvio da China, mas também em Africa ou na América do Sul – dos quais não se pode isolar, ou de se relacionar. A forma como a União Europeia irá gerir estes delicados equilíbrios – sobretudo com a China –   será essencial para a criação de uma estratégia própria de afirmação da União Europeia como projeto coeso e que consiga separar as águas entre o que é a relação com um aliado, e a relação com um parceiro comercial. E também quais as linhas vermelhas que não podem ser ultrapassadas na relação com cada um destes.

Outro dos desafios é a luta por maior coesão. Temos assistido por toda a União Europeia na última década, a um fenómeno que podemos chamar de rebelião dos eleitores contra o centro político, e que hoje divide votos com o centro em países relevantes e são estruturalmente protecionistas e em muitos casos eurocéticos. Isto é relevante, porque a União Europeia é na essência um projeto político indutor de valores solidários entre regiões e globalistas. Nas raízes desta rebelião, estão razões muito ligadas à falha da Europa em crescer da mesma forma que em gerações anteriores, e em fazer realizar expectativas de mobilidade social. Muitas destas falhas são atribuídas às falhas da globalização, e o protecionismo e ao federalismo europeu. A evolução digital da nossa sociedade para a próxima década – com impacte nos empregos e rendimentos – cria um agravamento de frustração e de sentimento de desigualdade, pelo que será relevante que a EU seja capaz de superar esta barreira, e reconstruir uma espécie de novo contrato social com os cidadãos europeus, que fortaleçam também o sentimento comum de que o projeto da União Europeia continua a fazer sentido, mitigando o risco de saúde de países membros da região, sobretudo de estados membros integrantes da zona euro.

Por fim, mas não menos importante, a Europa não pode perder o foco nos objetivos comuns globais ligados à sustentabilidade, por exemplo os ligados à descarbonização do planeta. E muito dos objetivos anteriores também estão ligados a esta vertical. A aposta nas energias renováveis, o regresso de indústria diferenciada que permita empregos com melhor remuneração em áreas de elevado potencial de crescimento são algumas áreas onde importa definir e fazer acelerar nos próximos anos. Há por isto tudo, uma série de definições e decisões que os decisores políticos europeus – e entre estes os deputados que vamos eleger em junho – terão de tomar. E para Portugal, por todas as variáveis em jogo nos próximos anos, e que influenciam diretamente o nosso futuro na UE, é essencial não contribuir para que a voz do país na Europa se decida por uma minoria.