Manobras, falta de transparência e ausência de garantias de remuneração são alguns dos motivos invocados pela Iniciativa Liberal para propor a constituição “imediata e obrigatória” de uma Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão do Grupo Efacec. O partido liderado por Rui Rocha acaba de dar entrada do pedido na Assembleia, na sequência da decisão conhecida nesta terça-feira de venda da empresa à Mutares, depois de nacionalizada há três anos (então com Siza Vieira como ministro da Economia), para “salvar a empresa”.
“O governo sempre se recusou a dar muitos detalhes sobre o processo de privatização, escudando-se no segredo negocial e na defesa da posição negocial do Estado português”, afirma agora a IL, realçando que o saneamento financeiro da Efacec foi feito através de “uma operação harmónio”. “Este tipo de operações traduz-se na realização de uma redução de capital (para cobrir prejuízos), seguida de um aumento de capital (subscritas pelos próprios acionistas ou por novos acionistas). Para a Efacec, isto levou à redução do capital social de 309 milhões de euros para zero. Os acionistas minoritários (TMG e Grupo Mello) não acompanharam o subsequente aumento de capital para 300 milhões de euros, subscrito pelo Estado em 201 milhões de euros, parcialmente por conversão de dívida. Na ocasião em que a operação foi apresentada, o secretário de Estado das Finanças, Nuno Mendes, revelou que existe uma expectativa de remuneração equivalente a uma Taxa Interna de Rentabilidade (TIR) de 14% por ano, admitindo, no entanto, que esta remuneração não é garantida, dado que está dependente da performance futura da Efacec”, sublinha ainda o partido.
A dar mais argumentos ao pedido da IL estão, por isso, as declarações do atual ministro da Economia, António Costa Silva, considerando a venda como “um dia feliz para a economia portuguesa”. A IL não entende como se pode fazer tal afirmação quando “o Estado dá como perdidos os 200 milhões que pôs na Efacec como suprimentos desde abril de 2022”, continuando a desembolsar dinheiro dos contribuintes: “ainda vão ser utilizados ainda cerca 190 milhões de euros provenientes de fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e do Banco Português de Fomento (BPF)”.
No requerimento de Inquérito Parlamentar que acaba de dar entrada, a IL pretende não apenas avaliar o exercício e as responsabilidades das tutelas políticas envolvidas na gestão das empresas do Grupo Efacec mas também esclarecer o envolvimento dos decisores públicos, como a Parpública ou o Banco Português de Fomento, na tomada de decisão, escrutinar as decisões de gestão tomadas desde a nacionalização e “de que forma conduziram à queda de receitas, perda de fornecedores e quadros qualificados que ocorreram nesse período”.
Há ainda outras questões que a IL pretende focar na Comissão de Inquérito, incluindo “as razões do atraso em todo o processo de venda, atendendo a que, ainda em 2020, o governo comprometeu-se a reprivatizar a empresa no mais curto intervalo de tempo possível”; “quais serão, no total, os encargos para os contribuintes assumidos pelo Estado português”; de que forma como foram utilizados os fundos injetados pela Parpública desde 2020; que critérios levaram à escolha da Mutares e como se procedeu em todo o processo de venda, analisando ainda os quadros de custo-benefício que justificaram cada passo no processo desde a nacionalização.
Veja aqui todos os argumentos da IL
“A Efacec é uma empresa cuja história tem mais de um século. Fundada em 1905 como “‘A Moderna’ Sociedade de Serração Mecânica”, foi-se reinventando e adaptando à realidade do mundo. A 12 de agosto de 1948, a empresa passou a EFME – Empresa Fabril de Máquinas Eléctricas, SARL, dando origem ao nascimento da marca e do projeto Efacec. O capital da empresa estava então distribuído entre a Electro-Moderna (nome que a empresa tinha desde 1921), com 20%, os ACEC – Ateliers de Constructions Électriques de Charleroi com igual participação, a CUF – Companhia União Fabril, com 45%, estando os restantes 15% distribuídos por outros acionistas.
Desde então, a empresa foi evoluindo e os seus acionistas foram mudando com os tempos. Em 2015, a maioria do capital da empresa foi comprada pela Winterfell (grupo detido por Isabel dos Santos), que permaneceu enquanto accionista maioritária até ao surgimento do caso Luanda Leaks que visava, entre outras pessoas, a própria Isabel dos Santos. Com a exposição pública da principal figura acionista, o subsequente congelamento dos ativos e a pandemia de Covid-19 a atingir não só as pessoas, mas a economia à escala mundial, o Governo português tomou a decisão de nacionalizar os 71,73% da empresa detidos por Isabel dos Santos através da sociedade Winterfell 2 Limited, arrestada pela Justiça na sequência do caso Luanda Leaks.
Na conferência de imprensa de anúncio desta decisão a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, considerou que “a intervenção do Estado procura viabilizar a continuidade da empresa, garantindo a estabilidade do seu valor financeiro e operacional e permitindo a salvaguarda dos cerca de 2500 postos de trabalho”. Já o ministro da Economia (Pedro Siza Vieira, à data) destacou que a empresa é “essencial” no percurso de transição energética e “num contexto de reindustrialização do país”.
Segundo o então ministro Pedro Siza Vieira, “a intervenção do Estado deve ainda ser feita por período restrito no tempo e com vista à resolução temporária da respetiva situação, estando prevista a sua imediata reprivatização, a executar no mais curto prazo possível”. Dessa forma, o processo de privatização foi, segundo o Governo, desde logo iniciado. Contudo, foi particularmente atribulado. Surgiram 47 potenciais candidatos a comprar a Efacec, que se transformaram em 27 letters of interest, mas só 24 assinaram acordos de confidencialidade. Depois, dez apresentaram propostas não vinculativas, mas só a DST e a Sodécia avançaram com propostas vinculativas. O Governo abriu uma terceira fase, para a chamada Best and Final Offer (BAFO), à qual apenas a DST se apresentou. O grupo acabou sozinho nessa fase do processo e após meses de negociação, mesmo sem concorrência, acabou por desistir.
Falhado este processo, o Governo lançou então um novo processo de privatização. O caderno de encargos, aprovado em Conselho de Ministros em novembro de 2022, incumbiu a Parpública de adotar “medidas de reestruturação” para manter a empresa em funcionamento. Todavia, nunca foram conhecidos quaisquer detalhes desta reestruturação. Segundo o jornal ECO, a 10 de novembro de 2022, o Estado já tinha gastado 165 milhões de euros na Efacec, dos quais 115 milhões em garantias a financiamentos bancários e 50 milhões em injeções de capital. A estes somar-se-iam, até ao final de fevereiro de 2023, mais cerca de 39 milhões de euros.
Em janeiro de 2023, surgiram notícias que davam conta da gravidade da situação da empresa, que exigiria que o Estado, como acionista maioritário, injetasse cerca de dez milhões de euros mês desde novembro de 2022. De acordo com as contas da Efacec, a que o ECO teve acesso, até ao final de fevereiro estava prevista uma injeção de quase 40 milhões de euros para suprir necessidades de tesouraria. Tudo porque as contas deterioraram-se em 2022, com queda da faturação, dívida em crescendo, prejuízos avultados e a situação de falência técnica, que determinou necessidades de tesouraria permanentes para pagamento de salários e de manutenção do nível de atividade.
O relatório e contas da empresa de 2022 espelha uma situação insustentável em termos financeiros, incluindo capitais próprios negativos (cerca de 52 milhões de euros), um prejuízo operacional superior a 105 milhões de euros e, mesmo beneficiando de um mecanismo contabilístico relativo a imposto sobre o rendimento (diferido), o prejuízo líquido consolidado foi aproximadamente de 53 milhões de euros. Pior: o volume de negócios da Efacec passou de 224 milhões de euros em 2021 para 161 milhões de euros em 2022. Entre esses mesmos anos, o passivo não corrente passou de 188 milhões de euros a 215 milhões de euros e o passivo corrente de 295 milhões de euros a 335 milhões de euros (cf. páginas 114 e 115 do R&C 2022).
Este ano, as contas da empresa ainda não são do domínio público, mas já em março o Jornal Económico adiantava que estas continuavam a piorar e que era a Parpública que assegurava a atividade, nomeadamente o pagamento de salários, o pagamento de dívida à banca e até mesmo os impostos. A média mensal rondaria os 14 milhões de euros.
Apesar destas garantias, a Efacec foi, desde a nacionalização, perdendo muitos quadros para outras empresas tecnológicas, assim como fornecedores, algo que prejudicou a gestão da empresa e a sua capacidade de responder às encomendas dos clientes. A Efacec passou de 2531 trabalhadores em 2019 para 1928 em 2022. Mesmo tendo perdido mais de um quinto dos trabalhadores em 3 anos, existem relatos de trabalhadores inativos e capacidade subaproveitada.
O Governo sempre se recusou a dar muitos detalhes sobre o processo de privatização, escudando-se no segredo negocial e na defesa da posição negocial do Estado português. A 1 de novembro de 2023, um dia após a discussão na generalidade do Orçamento do Estado para 2024, o ministro da Economia, António Costa Silva, anunciou que a “venda” da Efacec ao fundo alemão Mutares foi “um dia feliz para a economia portuguesa”. Esta declaração vem acompanhada de alguns factos preocupantes na ótica da defesa do interesse financeiro dos contribuintes. Desde logo, porque o Estado dá como perdidos os 200 milhões que pôs na Efacec como suprimentos desde abril de 2022. Seguidamente, porque os gastos do Estado não parecem ficar por aqui: vão ser utilizados ainda cerca 190 milhões de euros provenientes de fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e do Banco Português de Fomento (BPF).
Dada a situação financeira da empresa, e para fazer o saneamento financeiro da mesma, optou-se por uma operação harmónio. Este tipo de operações traduz-se na realização de uma redução de capital (para cobrir prejuízos), seguida de um aumento de capital (subscritas pelos próprios acionistas ou por novos acionistas). Para a Efacec, isto levou à redução do capital social de 309 milhões de euros para zero. Os acionistas minoritários (TMG e Grupo Mello) não acompanharam o subsequente aumento de capital para 300 milhões de euros, subscrito pelo Estado em 201 milhões de euros, parcialmente por conversão de dívida. Na ocasião em que a operação foi apresentada, o secretário de Estado das Finanças, Nuno Mendes, revelou que existe uma expectativa de remuneração equivalente a uma Taxa Interna de Rentabilidade (TIR) de 14% por ano, admitindo, no entanto, que esta remuneração não é garantida, dado que está dependente da performance futura da Efacec.
Assim, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 5/93, de 1 de março, republicada pela Lei n.º 15/2007, de 3 de Abril, a Iniciativa Liberal propõe a constituição imediata e obrigatória de uma Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão do Grupo Efacec com os seguintes objetivos:
- Avaliar o exercício e as responsabilidades das tutelas políticas envolvidas na gestão das empresas do Grupo Efacec (Efacec Power Solutions, SGPS, S.A. e empresas subsidiárias) desde o processo conducente à nacionalização da empresa em 2020 até à data de conclusão do processo de privatização;
- Escrutinar as decisões de gestão tomadas desde a nacionalização e de que forma essas decisões conduziram à queda de receitas, perda de fornecedores e quadros qualificados que ocorreram nesse período;
- Esclarecer o envolvimento dos decisores públicos, como a Parpública ou o Banco Português de Fomento, na tomada de decisão nas empresas do Grupo Efacec;
- Clarificar as razões do atraso em todo o processo de venda, atendendo a que, ainda em 2020, enquanto procedia à nacionalização, o Governo comprometeu-se a reprivatizar a empresa no mais curto intervalo de tempo possível;
- Esclarecer quais serão, no total, os encargos para os contribuintes assumidos pelo Estado português com a Efacec, desde os fundos injetados de 390 milhões de euros aos apoios indiretos que não sejam ainda do domínio público e que venham a ser concedidos à entidade compradora;
- Avaliar a forma como foram utilizados os fundos injetados pela Parpública desde 2020 e os mecanismos que levaram a sua injeção;
- Esclarecer os critérios e processo de decisão que levaram à escolha da Mutares como melhor candidata à privatização da Efacec, assim como a eliminação de outros candidatos;
- Esclarecer todo o processo de negociação com a Mutares desde que a Best And Final Offer (BAFO) foi submetida até às condições finais que vigoraram no fecho do negócio;
- Esclarecer que análises custo-benefício foram realizadas para justificar cada passo no processo desde a nacionalização.”