Há menos 300 camas para estudantes do que quando o governo anunciou 15 mil
O plano para duplicar o alojamento para universitários no país foi lançado em 2018, prometendo-se criar 12 mil até 2022. Mas nessa altura o número de camas disponíveis tinha-se até reduzido. Elvira Fortunato voltou a anunciar o objetivo, agora para 2026, e garantiu que mil abrem ainda neste ano.
A promessa chegou ainda com Manuel Heitor. Com Costa ao leme do governo, o então ministro da Ciência e do Ensino Superior anunciava, em 2018, o objetivo de 12 mil novas camas para estudantes, um plano a executar entre 2019 e 2022.
“O PNAES representa um trabalho sem precedentes em Portugal, respondendo a um problema complexo com respostas planeadas, privilegiando o investimento e a requalificação (…) e que vai duplicar a oferta de alojamento para estudantes numa década, com mais 15 mil camas, criando já até 2022 cerca de 12 mil”, anunciava o governo. Entre os projetos revelados, contava-se a reconversão do antigo edifício do ministério na 5 de Outubro, que permitiria somar só ali 600 camas, a inaugurar em 2025. A tutela deixou o edifício, mas o prédio está até hoje abandonado e sem mais intervenção que não a colocação de taipais anunciando o objetivo congelado e a ocupação por pessoas sem-abrigo.
Durante os dois anos seguintes, nada mais se ouviu sobre a urgência da habitação para jovens estudantes, cuja ambição crescera na inscrição dos quadros do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES): 14.495 era o total de camas que se previa intervencionar entre 2018 e 2022. E depois veio a covid e a prioridade foi esquecida.
Até 2022. O primeiro-ministro vinha então reconhecer que o programa sofrera “atrasos” e delineava novas metas: ter 26 mil camas para estudantes até 2026, utilizando as verbas do PRR para criar as mesmas 15 mil camas anunciadas quatro anos antes. “Temos de conseguir mobilizar todos os recursos e no PRR uma das prioridades foi mesmo o investimento no alojamento para os estudantes do Ensino Superior. São 375 milhões de euros para duplicar a atual oferta”, anunciava António Costa a 3 de fevereiro de 2022.
Quase ano e meio depois, pouco há para ver, ainda que a nova ministra da pasta garanta que “estamos melhor do que há um ano”. “Já inaugurámos uma residência, vamos abrir mais nove até ao final do ano, num total de 1.100 camas”, esclarecia Elvira Fortunato, esta semana, em entrevista à CNN Portugal.
A verdade é que, entre o lançamento do PNAES, em 2018, e o último ano, há até menos camas para universitários no país. Das 15.370, perderam-se cerca de 300, havendo quatro anos depois 15.073, de acordo com a brochura do PNAES publicada pelo governo no final do ano.
Investimento reforçado para 500 milhões
Uma realidade que a ministra da Ciência e do Ensino Superior garante que está a mudar. Ao anunciar nesta semana as mesmas 15 mil camas que Costa previa já em 2018, Elvira Fortunato explicou ainda que o orçamento foi revisto em alta e garantiu que o governo tem “um plano B, um plano C, um plano D” para assegurar que a obra acontece.
“Temos hoje 15 mil camas e prevemos, até ao fim do PRR, ter cerca de 27 mil, com quase 500 milhões de euros de investimento para financiar 131 projetos coordenados pela agência Erasmus+”, concretizou a ministra, na CNN Portugal, indicando que iriam nascer em “fábricas devolutas, edifícios da Defesa” e outros do Estado, alguns abandonados, como o antigo Ministério da Educação, na Av. 5 de Outubro.
Nesse caso específico, o atraso não se justificou apenas pela pandemia e fatores externos. Acontece que o projeto de recuperação e transformação do edifício que o governo submeteu em 2019 foi chumbado por não cumprir as áreas mínimas para cada quarto definidas no Regulamento Geral das Edificações Urbanas, obrigando a rever o número de camas anunciado inicialmente – de 603 para 450.
O NOVO questionou há duas semanas o Ministério da Ciência e do Ensino Superior sobre os contratos assinados há precisamente um ano para construir 9.356 camas em 23 novos edifícios, bem como para a reabilitação de fogos que abririam mais 6.444 camas (as tais 15 mil), incluindo quanto ao ponto de situação das reabilitações anunciadas, obras adjudicadas e fases dos diferentes projetos, mas não obteve resposta.
A ministra também não respondeu sobre qual será o valor pago pelos estudantes nestas residências, quem vai gerir e a que objetivo serão alocadas essas receitas. A título de exemplo, nos campi que servem a Universidade do Minho, em Braga e Guimarães, os estudantes pagam entre 300 e 350 euros por um quarto.
Em declarações públicas nos últimos dias, Elvira Fortunato garantiu que “vamos ter mais 1.100 camas até ao final do ano”. E para assegurar que os alunos não deixam de seguir para o ensino superior por não poderem pagar casa, “o governo reforçou o apoio social”, nomeadamente com a nova bolsa que garante um montante para habitação, variável de acordo com o local onde estejam deslocados e cujo valor vai subir no próximo ano.
“Em Lisboa, Cascais ou Oeiras serão 336 euros (são hoje 310), no Porto e em Almada, 312 (são 288)”, exemplificou.
Apoio social vai duplicar, mas é inferior ao valor de 2015
No OE2023, o governo alargou em 500 euros o teto para aceder a bolsas, para um rendimento per capita anual de 9.484,27 euros, passando a prever a “atribuição automática de bolsa de estudo a todos os estudantes que beneficiem de 1.º, 2.º ou 3.º escalões de abono de família” e entrem numa universidade pública – que ficam assim com as propinas pagas. A estes acrescem 141 euros mensais no âmbito do +Superior e o complemento para a habitação.
No total da ação social escolar, o governo reservou no Orçamento para o último ano 32 milhões de euros – menos 25% do que os mais de 41 milhões disponíveis no último Orçamento do governo PSD-CDS, em 2015. Um valor que a tutela antecipou, também nesta semana, que irá duplicar no OE2024, chegando a 70 milhões de euros.
De acordo com dados do Observatório do Alojamento Estudantil, que identifica diariamente a oferta privada de alojamento para estudantes e as rendas praticadas, o preço médio de um quarto para estudantes em Lisboa e no Porto ronda os 450 euros, mas a oferta disponível não chega sequer a cobrir 10% das necessidades de alunos colocados nessas cidades.
Num universo de 110 mil alunos deslocados, 13 mil dos quais já encaixando nos parâmetros da ação social, ou seja, a precisar de apoios, há 1.409 quartos disponíveis para estudantes em Lisboa e no Porto. E dos novos estudantes universitários, cuja colocação aconteceu há uma semana – sendo pela primeira vez a atribuição de bolsas feita em simultâneo –, há já 5.862 a receber bolsas de ação social.