A Política Agrícola Comum (PAC) é um complexo emaranhado de regras que conduziu à criação de uma máquina administrativa europeia que se assemelha a um porta-aviões. É uma máquina muito grande, pesada, sem grande mobilidade e que dificilmente muda de rota. No entanto, parecem existir “marés” de mudança.

A 15 de março, a Comissão propôs uma revisão de regras da PAC com o objetivo – sempre o mesmo – de a simplificar e, ao mesmo tempo, manter uma política agrícola e alimentar forte, sustentável ambientalmente e competitiva, para apoiar os agricultores europeus.

A proposta legislativa apresentada não está, naturalmente, desligada da forte contestação dos agricultores de toda a Europa e é uma resposta direta aos pedidos das suas organizações representativas e de muitos Estados-membros, tendo por objetivo reduzir os encargos relacionados com os controlos e permitir maior flexibilidade no cumprimento de certas regras – as “condicionalidades” – ambientais. A proposta procura estabelecer o equilíbrio entre a transição para uma agricultura mais sustentável, as expectativas dos agricultores e o objetivo de chegar rapidamente a um acordo no seio das instituições europeias.

A presidente da CE, Ursula von der Leyen, declarou a propósito desta proposta: “A Comissão está a tomar medidas firmes e rápidas para apoiar os nossos agricultores. Estamos a enviar uma mensagem clara de que a política agrícola se adapta à evolução das realidades, enquanto se mantém focada na prioridade central da proteção do ambiente e adaptação às alterações climáticas. A CE continuará a apoiar os nossos agricultores, que mantêm a segurança alimentar da UE e estão na linha da frente da ação climática e ambiental.”

Mas o que significa verdadeiramente esta proposta e o que pode mudar? De facto, pouca coisa. Essencialmente, traz algum bom-senso a regras cegas.

No primeiro ano de aplicação da atual PAC, os agricultores sentiram enormes dificuldades em cumprir algumas normas ambientais, desde logo as Boas Condições Agrícolas e Ambientais (BCAA). Na prática, para receberem apoios da PAC, os agricultores têm de cumprir regras de condicionalidade que incluem: 1) Requisitos legais de gestão, nomeadamente questões ligadas a legislação ambiental e social; e 2) Normas benéficas para o ambiente e o clima, nomeadamente BCAA, que são um conjunto de nove regras que incluem temas ligadas ao solo, à água e à paisagem. Muitas destas eram de adoção voluntária e nesta reforma tornaram-se obrigatórias para todos os agricultores.

Com esta proposta, a CE quer que se revejam as regras de aplicação de algumas BCAA, para que se tenha uma política mais previsível e pragmática, que não exija derrogações anuais e esforços desproporcionados dos agricultores.

Por exemplo, foram alteradas duas que impactam bastante os agricultores nacionais, e que explicito aqui. Relativamente a áreas não produtivas nas explorações (BCAA 8), os agricultores deixarão de ser obrigados a dedicar uma parte mínima das suas terras a zonas não produtivas, como o pousio, e poderão optar voluntariamente por manter parte das terras aráveis não produtivas – ou estabelecer novas características paisagísticas (como as sebes). Desta forma, são incentivados a manter áreas não produtivas benéficas para a biodiversidade que não implicam perda de rendimento.

No que respeita à rotação de culturas (BCAA 7), os agricultores poderão cumprir optando pela rotação ou diversificação das culturas, conforme as condições do seu país. A flexibilidade de diversificar culturas permitirá aos agricultores portugueses afetados por secas regulares ou chuvas excessivas, que impedem o acesso às terras por longos períodos, cumprir mais facilmente este requisito.

A proposta inclui ainda um conjunto de possibilidades de ajustamento da aplicação da PAC em cada Estado-membro, bem como a isenção de explorações inferiores a 10 ha dos controlos e sanções relacionados com o cumprimento dos requisitos de condicionalidade, o que, como se imagina, reduz bastante a carga administrativa relacionada com controlos para os agricultores mais pequenos, que são 65% dos beneficiários da PAC, na Europa.

Mesmo no seio da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural da CE, muitos técnicos sentem que esta proposta é um “recuar” precipitado, com impactos negativos. Alguns acusam a presidente da Comissão de procurar uma (re)legitimação junto do seu partido e da sua “família” política, no sentido de garantir mais apoio para um novo mandato à frente da CE.

O próximo Parlamento Europeu será bem diferente do atual e a discussão da revisão da PAC, pela sua importância orçamental e territorial, será um dos temas em maior foco. Por isso mesmo, gostaria muito de ver nas listas às eleições europeias pessoas com experiência em temas agrícolas e europeus. A nossa capacidade e preparação para discutir de forma competente estes temas será essencial para o futuro da agricultura nacional a médio-prazo.

Teremos de estar preparados para navegar num mar agitado e que irá obrigar a mudar a rota de muitos porta-aviões.

Engenheiro agrónomo

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 29 de março