O Ministério Público tem uma posição ímpar na sociedade portuguesa, porque tem pleno controlo das suas narrativas, determina os seus tempos, que impõe aos outros agentes, e beneficia também de uma perceção de credibilidade que lhe dá, na prática, uma presunção de verdade.
Com a operação que levou à demissão do primeiro-ministro e à queda do governo, tudo mudou. Agora é exigida comunicação eficaz, a clarificação de situações e a explicação de passos e peças processuais. A dimensão das consequências políticas está a levar a um maior escrutínio e a uma tentativa de maior responsabilização. Quem escrutina está a ser escrutinado, o que é positivo.
O problema é perceber-se até que ponto esta pressão acrescida sobre o Ministério Público não arrisca enviesar a sua missão. Ou seja, se, até aqui, o objetivo era o fazer-se justiça e não legitimar uma acusação, a partir de agora, a tentação será para que se defenda o processo, procurando e valorizando o que justifica a história que se quer contar, independentemente da realidade. Pior ainda se isto cristalizar uma forma muito particular de olhar o mundo, que muitas vezes descamba no judicialismo e na ambição, nem sempre escondida, de formatar a sociedade.
Diretor-adjunto