Atenção: este texto inclui um disclaimer e um spoiler. O disclaimer é que o título deste trabalho não é uma interpretação do NOVO ou do jornalista que o assina. A ideia de que a Comissão Técnica Independente (CTI) dirigida por Rosário Partidário escolheu o Campo de Tiro de Alcochete levando em conta os benefícios associados à alta velocidade, mas não contabilizando os respetivos custos, surge explicitamente – quase sob a forma de alerta dos especialistas para quem recebe o estudo – num dos 35 anexos que acompanham os relatórios nos quais a CTI se apoiou para considerar a opção Alcochete a mais vantajosa.

“Uma decisão robusta sobre os impactos reais, do ponto de vista económico, do cenário de expansão [da procura terrestre] obriga a realizar uma análise custo-benefício para o projeto da alta velocidade e TTT [terceira travessia do Tejo], aferindo os reais custos médios por passageiro. Esse custo (económico, social e ambiental) também se refletirá nos passageiros aéreos que previsivelmente utilizarão este serviço ferroviário para acederem à infraestrutura aeroportuária. Nesta análise, o cenário de expansão apenas considera, como referido, os benefícios da redução do tempo no acesso ao aeroporto, mas não os respetivos custos”, lê-se no Anexo 7 da PT5, dedicada à análise custo-benefício e análise económico-financeira.

Recorde-se que o cenário de expansão para a procura terrestre corresponde ao desenvolvimento da rede de alta velocidade e à construção da terceira travessia do Tejo (TTT) com a componente ferroviária. E também preconiza ligação direta da rede de alta velocidade às localizações Alcochete e Vendas Novas. Em contraponto, no que respeita à procura, o cenário-base contempla adaptações mínimas à rede ferroviária existente – ou seja, o que vamos ter até à alta velocidade (cujo primeiro concurso para o primeiro troço da primeira fase da linha Porto-Lisboa arranca, ou não, em janeiro). Resumindo, cenário-base é usar o que temos; cenário-expansão é contar com a alta velocidade a todo o gás, incluindo uma terceira ponte sobre o Tejo (com comboio).

Portanto, são os especialistas que assinam este anexo – Fernando Alexandre (coordenador PT5), Carlos Oliveira Cruz (Instituto Superior Técnico [IST], responsável pela análise custo-benefício), Artur Rodrigues (Universidade do Minho, responsável pela avaliação financeira), João Fragoso Januário (IST), Amílcar Arantes (IST) e Vítor Faria e Sousa (IST) – que colocam a ressalva de que uma decisão “robusta” sobre os impactos reais associados a cada opção obrigaria a uma análise dos custos do TGV e da TTT, mas que esta não foi feita.

Em bom rigor, esta análise seria comprovadamente difícil de fazer, uma vez que ainda não há linha de alta velocidade nem um quadro estável de como será operada e por quem, muito menos frequências de comboios. Isso torna ainda mais difícil calcular a procura e, assim, os respetivos associados a cada opção. O mesmo vale para a terceira travessia do Tejo (com comboio).

Instado pelo jornal NOVO a comentar esta ressalva, o economista e professor catedrático António Nogueira Leite enaltece os autores pela transparência demonstrada.

“Os economistas autores da análise custo-benefício tiveram o profissionalismo de incluir no trabalho uma menção de que não lhes foram fornecidos todos os dados que permitiriam fazer uma comparação completa entre as opções. Ressalve-se que esta análise de custo-benefício constitui um trabalho excelente, apesar de reconhecer esta limitação”, diz Nogueira Leite.

No entanto, o economista também retira ilações desta limitação na análise, considerando que “esta ausência dos custos não pode deixar de fragilizar a escolha final feita pela CTI”.

A ausência dos custos com a alta velocidade e com a TTT ferroviária é ainda mais estranha porque as acessibilidades ao aeroporto sempre foram consideradas um factor crítico de decisão (FCD) por parte da comissão nos relatórios anteriores.

E, assim, mesmo sem a análise dos custos, foi escolha da CTI valorizar algumas opções por serem mais bem servidas pela alta velocidade. Ou seja, preferiu contabilizar os benefícios do acesso (previsível) à alta velocidade, mas também preferiu, nem que seja por omissão, não considerar os custos associados.

Lei da vantagem para Alcochete e Vendas Novas?
E, agora, o spoiler, também ele bem explícito no mesmo Anexo 7. A não inclusão dos custos (económicos, financeiros, ambientais, etc.) associados à alta velocidade e à terceira travessia do Tejo constitui uma “limitação na análise custo-benefício [que] introduz uma vantagem relativa nas opções que incluem as localizações Campo de Tiro de Alcochete e Vendas Novas”.

Ou seja, as duas opções consideradas as mais vantajosas pela CTI, incluindo aquela para a qual a comissão considera que se deve avançar, beneficiaram de uma vantagem relativamente às outras por não se terem contabilizado estes custos, mas apenas os benefícios.

De resto, o anexo com a análise custo-benefício inclui várias conclusões que acabaram por ter pouco peso na decisão final da CTI. Ou, se tiveram, foram ultrapassadas por outras condicionantes.

Senão, veja-se: os economistas que trabalharam esta parte do relatório analisaram o VAL (valor acrescentado líquido) de cada opção face ao cenário-base que, para este efeito, é a manutenção do aeroporto da Portela, juntando-lhe o Montijo. Este é o valor estimado que cada opção tem para a economia e para a sociedade, e neste trabalho é apresentado como um diferencial face à opção Portela+Montijo. A tabela 16 do anexo é clara: a opção que a CTI diz ter mais vantagens – Portela+Alcochete – tem um diferencial negativo de 8 a 9 mil milhões de euros menor face ao base: Portela+Montijo. A opção Portela-Vendas Novas apresenta um intervalo negativo semelhante.

O quadro fica pior quando se considera apenas Alcochete – que é a meta assumida pela CTI, depois de fechar a Portela. Curiosamente, Alcochete como aeroporto único de Lisboa atinge um diferencial negativo ainda maior: entre 7,9 mil milhões e mais de 10,3 mil milhões de euros negativos face ao cenário-base Portela+Montijo.

Traduzindo, a análise custo-benefício conclui que a opção Aeroporto Humberto Delgado com Montijo tem um VAL superior em cerca de 8.400 milhões de euros quando comparado com todas as outras opções. Mas a CTI tem uma explicação para isso, e também para não levar isso em conta. Segundo a comissão, essa diferença no valor acrescentado líquido resulta do facto de a opção de manter a Portela e juntar o Montijo implicar “um investimento substancialmente inferior” e de ter “a limitação de não satisfazer totalmente a procura já na década de 2040”.

“A opção AHD+MTJ apresenta o VAL mais elevado das oito opções. No entanto, esta opção tem a limitação de não permitir satisfazer toda a procura no horizonte temporal de 50 anos desde o início da entrada em funcionamento do aeroporto. Tendo em conta essa limitação de capacidade, avaliou-se a possibilidade de a opção AHD+MTJ ser transitória, com a construção de um novo aeroporto após a saturação do Montijo, e concluiu-se que essa opção é pouco apelativa do ponto de vista financeiro, tendo um VAL inferior a todas as opções duais, nos três cenários de procura considerados”, escreve a CTI.

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 9 de dezembro