É muito tempo, demasiado tempo para ajudar a amaciar um contexto que já é de enorme instabilidade, com arrefecimento dos nossos principais parceiros europeus e ainda os efeitos da guerra na Europa, de uma inflação ainda penalizadora e dos juros que a pretendem controlar. Mas se o governo teve de cair e as legislativas não podiam acontecer mais cedo, que se minimize o estrago. O apelo é deixado pela Confederação Empresarial de Portugal (CIP), com Armindo Monteiro a apelar a grandes consensos em temas que permitam retirar alguma areia da engrenagem.

“Que haja consenso nacional sobre a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e na aplicação dos fundos europeus”, pede, numa carta enviada ao Presidente da República, aos partidos e à Provedora da Justiça, em que traça um cenário difícil e explica a necessidade de não apenas melhorar o possível o contexto, de forma a permitir que os negócios avancem, como repetindo o apelo já várias vezes feito para que o Estado cumpra com os pagamentos das dívidas que mantém às empresas.

Crítico de um Orçamento do Estado que foi aprovado nesta semana mas não traz verdadeiramente medidas novas, “que não ousa, que não empreende”, expondo a economia a um sério “risco de anemia”, o líder da CIP apela assim aos órgãos de soberania para que, “neste contexto incerto e difícil diminuam os riscos, atuando decisivamente para que tanto o Orçamento do Estado como a execução dos fundos estruturais, nomeadamente o PRR, cuja execução tem sido marcada por atrasos e dificuldades, e os investimentos infraestruturais de que Portugal precisa, possam concretizar-se de forma estável e adequada”.

Após uma proposta de Pacto Social que frustrou as expectativas da CIP, Armindo Monteiro lembra que a atual crise política veio acentuar a necessidade de maior convergência dos atores políticos, económicos e sociais na resposta aos problemas do país. E por isso sustenta que, “apesar de evidentes limitações” da proposta de Orçamento do Estado em domínios tão relevantes como o estímulo ao investimento, “as políticas industriais ativas e convergentes com as mudanças estruturais de que Portugal precisa, a simplificação da relação entre Estado e empresas e uma política de estímulo à retenção de jovens qualificados em Portugal são fundamentais”.

Na emergência de encontrar caminhos que garantam alguma estabilidade a um contexto muito difícil, Armindo Monteiro apela aos responsáveis institucionais, no sentido de evitarem que se contribua para uma execução orçamental que limite ainda mais o necessário investimento público em Portugal.

“Sinalizamos a urgência e a necessidade de um grande consenso nacional, nomeadamente sobre a continuidade dos avisos do PRR e do PT2030 já lançados e concretização do plano de avisos já anunciados nesses programas, mas também na atualização dos preços regulados com referência à taxa de inflação esperada”, concretiza a CIP, vincando ainda a importância d a aplicação do regime excecional e temporário do aumento dos preços com impacto em contratos públicos. Por último, mas fundamental para permitir o funcionamento das empresas nestes meses de prevista quase-paralisação decisória, Monteiro sublinha que é fundamental que se garanta a “injeção de capital e/ou decisões ministeriais para liquidação dos compromissos do Estado, nomeadamente pagamentos contratualizados e dívidas vencidas” às empresas.

“A CIP não desvaloriza o papel dos empresários e do investimento privado, que permitiram uma recuperação mais rápida da crise financeira na década passada, nem a excelente evolução nos últimos anos das exportações que permitiu também uma melhor saída económica no pós-pandemia, nem esquece a crescente qualificação dos jovens, o esforço de criação de emprego que, ao longo de cerca de uma década, origina um saldo líquido de emprego próximo de 400 mil empregos e que permite taxas de desemprego baixas”, elenca o responsável, pedindo agora aos decisores que façam a sua parte.

E a aprovação do Orçamento do Estado, capítulo encerrado nesta semana, não ajudou a tirar alguma incerteza aos cenários que os empresários enfrentam? Nada que resolva questões fundamentais ou mesmo que ajude a facilitar o caminho das pedras que as empresas portuguesas sempre têm de fazer. Por uma razão: o Orçamento não traz nada de novo. “Nós não criticámos o Orçamento do Estado por aquilo que está lá, mas sobretudo pelo que lá falta. O orçamento está aquém”, explicou ainda nesta quarta-feira, após a votação final que se seguiu ao debate na especialidade estar cumprida. “Não há neste documento uma política distributiva, não se inclui ali estímulos à economia, não foram olhadas as medidas propostas pela CIP”, lamenta. Resultado? Um Orçamento do Estado que revela ser uma “máquina de cobrar impostos” e que, depois do anúncio da demissão de António Costa e consequente dissolução da Assembleia da República, foi adaptado, mas apenas tendo em conta “a fixação de clientelas eleitorais, não a bondade das medidas” para a sociedade e o crescimento do país. “E isso é de todo errado”, defende Armindo Monteiro. “Um Orçamento do Estado devia servir uma comunidade, um país, a economia, e não ser um instrumento para preparar uma disputa eleitoral, que é efetivamente o que aconteceu na fase final.”

Com um governo de saída e eleições à porta, mas ainda atrasadas por um processo de sucessão no PS, as empresas portuguesas veem-se por isso num momento de “desafios são grandes, muitos deles de caráter estrutural”. “Os riscos que se apresentam são enormes, desde os de caráter geoestratégico aos que decorrem da dinâmica própria das economias”, reconhece a CIP, com Armindo Monteiro a revelar-se genuinamente preocupado com “a recessão perspetivada para alguns dos nossos parceiros comerciais” e a revisão em baixa das perspetivas de crescimento.

“Mesmo antes da recente crise política, a Comissão Europeia apontava já para um forte abrandamento do crescimento do PIB de 2,2% em 2023 para 1,3% em 2024 e não mais do que 1,8% em 2025”, sublinha o representante dos empresários, pedindo que não se deixe perder a “oportunidade extraordinária” do Plano de Recuperação e Resiliência.

Artigo publicado na edição do NOVO dia 2 de dezembro