Cada partido tem liberdade para organizar-se internamente como entende, desde que cumpra os estatutos que tenham sido aprovados pelo Tribunal Constitucional. É aí que estão definidos os órgãos do partido, como são compostos, como são eleitos os seus membros…

São também os estatutos que definem a forma como é eleita a direcção ou comissão política e o/a seu/sua presidente, o/a líder do partido. Há vários modelos, como eleições directas para eleger o líder, como fez recentemente o PS, em que depois os órgãos do partido são eleitos em congresso, como eleição de delegados para o congresso que depois elegem quem compõe a direcção e o líder… Como ainda eleições primárias em que a eleição do líder é feita pelos militantes e por pessoas que não pertencem ao partido, mas que se inscrevem para votar nesta ocasião.

Esta última opção foi usada pelo PS, não para determinar o líder do partido, mas para escolher quem seria o candidato a primeiro-ministro para as eleições de 2015. A eleição foi disputada entre António José Seguro, na altura líder do PS, e António Costa, que acabou por vencer estas primárias por quase 68% dos votos. Este resultado ditou a demissão de Seguro e a ascensão de Costa a líder que, como se sabe, viria a ficar em segundo lugar nas legislativas e a criar uma plataforma de apoio parlamentar à sua esquerda, que ficaria conhecida como geringonça.

Foi uma experiência única que o PS até hoje não voltou a repetir. A larga maioria dos partidos escolhe os seus líderes e direcções através de eleições directas ou eleição de delegados a congresso, ambos modelos com votação exclusiva dos seus militantes. Já para a eleição de candidatos a eleições externas ao partido como as Legislativas são as direcções dos partidos, em conjunto com as distritais, que escolhem os candidatos a deputados, que depois compõem as listas para votação e aprovação no Conselho Nacional, ou órgão similar, uma espécie de parlamento interno do partido.

Para as europeias, regionais e autárquicas, o método é semelhante, com nuances de carácter regional, muito mais autónomo, e municipais, com os poderes locais a entrarem em acção para fazerem valer propostas de nomes. Mas na maioria dos partidos portugueses nunca os militantes votam para escolher candidatos a eleições externas ao partido.

O Livre é uma das excepções em Portugal. Desde o início que o partido de Rui Tavares tem eleições primárias – por isso abertas aos militantes e a todas as pessoas que, não sendo militantes, se inscrevam previamente – para a escolha dos seus candidatos a todas as eleições. Foi também assim que Joacine Katar Moreira foi eleita em 2019, nessa altura com o apoio das cúpulas do Livre. As divergências surgiram mais tarde.

Nos últimos dias a polémica estalou porque houve um número alto de votos de pessoas de fora do partido que estavam inscritas, que teriam desvirtuado o resultado da primeira volta. E porque neste modelo de primárias é suposto que os votantes tenham uma escolha preferencial entre candidatos, o que não terá acontecido nos votos dos não militantes. Foi anunciado que na segunda volta os votantes não-militantes já não poderiam votar, o que seria uma mudança de regras a meio do jogo, mas depois esta decisão foi revertida. E bem.

Polémicas à parte, não querendo opinar sobre as escolhas internas dos partidos, porque todos têm legitimidade para escolher o modelo que preferem, é uma boa oportunidade para reflectir se eleições primárias fazem sentido. Sendo directo: não fazem.

A maior democraticidade de uma eleições primárias é apenas aparente. Não faz sentido que pessoas que não pertencem a um partido possam escolher a liderança desse partido e, menos ainda, os candidatos que esse partido apresenta a eleições nacionais e europeias. Qual é a justificação para que um militante que paga as suas quotas, que participa na vida do partido, que se inscreveu porque quer participar politicamente esteja em pé de igualdade com alguém que nunca contribuiu para o partido para escolher os candidatos a deputados ou a eurodeputados?

Como é que uma pessoa de fora do partido conhece melhor os valores e os princípios desse partido para escolher candidatos a eleições do que os próprios militantes? Como se garante que não haja uma eleição de pessoas que representam mal o partido ou que a direcção e os militantes não se revêem? E não é com a assinatura de um compromisso num papel que isto se evitaria. As eleições primárias, sobretudo em partidos pequenos, podem distorcer a própria vontade maioritária desse partido. E, por isso, não são democráticas.

Mas as eleições directas para escolha de candidatos a eleições externas ao partido pelos próprios militantes também não são. Em primeiro lugar porque desesresponsabilizam as direcções dos partidos. Se os militantes escolhem, por exemplo, o cabeça-de-lista às Europeias e os nomes para completar a lista a quem se assaca a responsabilidade se os resultados forem negativos? A direcção poderá sempre argumentar que aquele não era o seu candidato e o candidato pode sempre argumentar que não teve apoio suficiente da direcção.

Pior, se a escolha for preferencial todos os candidatos terão de fazer campanha. Imaginemos umas europeias em que a lista são 21 lugares (mais suplentes) e que se candidatam 60 pessoas. Cada uma destas 60 pessoas terá de fazer campanha para conseguirem votos. Alguém acreditaria que os militantes iriam ver sites e vídeos de 60 candidatos para fazerem uma escolha consciente? Imaginemos isto aplicado numas legislativas, em que as listas são muito maiores. Não só teriam de escolher os candidatos, como ordená-los na lista.

Estes modelos têm tudo para dar errado. Têm uma capa de maior democraticidade, mas tornam a vida interna dos partidos muito mais tóxica, complexa e até anti-democrática. Porque votar e escolher candidatos sem saber muito bem o que cada um propõe é bastante mais perigoso do que ter uma direcção, que foi eleita pelos militantes, a escolher pessoas que conhece e que sabe que têm os mesmos objetivos políticos consagrados num programa.

Os militantes escolhem direcções partidárias para que estas ponham em prática a sua estratégia e o seu programa. Se depois as direcções desiludem, os militantes podem mudá-las. Entende-se a ideia simpática de incluir os militantes e não-militantes na vida partidária, mas não é este o caminho. E há tantas e tão boas formas de incluir as pessoas na política, a começar por estar próximo e ouvir as pessoas, coisa que falta a boa parte dos dirigentes partidários.

Presidente do movimento Partido Democrata Europeu
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia