Uma das características essenciais de uma democracia representativa é que todos os votos valem o mesmo. Uma pessoa, um voto com o mesmo peso no resultado final, independentemente das características das pessoas. Dificilmente alguém discordará desta ideia.

No entanto, não é isso que acontece com o atual sistema eleitoral porque há uma caraterística individual que pode ditar que o seu voto valerá menos: a área de residência.

Num sistema eleitoral em que os votos valessem todos o mesmo, seria de esperar que a mais votos correspondessem mais representantes e, a menos votos, menos representantes. Não é isso que acontece com o atual sistema. Neste momento, em resultado das eleições de 2022, há vários exemplos de a menos votos corresponderem mais deputados.

Em janeiro de 2022, o PS teve menos cerca de 600 mil votos do que os restantes partidos representados na Assembleia da República. Enquanto o PS teve cerca de 2 milhões e 300 mil votos, PSD, Chega, IL, BE, CDU, Livre e PAN tiveram cerca de 2 milhões e 900 mil. No entanto, apesar de ter tido menos votos do que os outros partidos representados na AR, o PS tem ainda mais 10 deputados do que esses partidos. Mas os exemplos não se esgotam aqui. O BE teve mais votos do que a CDU e, no entanto, elegeu menos um deputado. Ainda mais grave, o PAN e o Livre estão representados na Assembleia da República, com todo o mérito, mas tiveram menos votos do que o CDS, que não conseguiu estar representado. Qual o pecado do CDS? Não ter os seus votos tão concentrados em Lisboa como Livre e PAN. Ou seja, os votos do CDS de eleitores em Braga ou Faro valeram menos do que os votos do PAN e do Livre de eleitores em Lisboa. Com o atual sistema poderemos um dia ter uma situação em que o partido com mais deputados eleitos não é o partido mais votado. O sistema atual até permite que o segundo partido mais votado, em determinadas circunstâncias, possa ter maioria absoluta. Dificilmente deixaria de ver isto como uma distorção da vontade real das pessoas.

Há uns anos na Assembleia da República, um deputado do PS – a propósito da criação de um círculo eleitoral de compensação nos Açores – alertou precisamente para esse risco. Disse ele na altura que “não podemos correr o risco, que é real, de ao partido mais votado corresponder na Assembleia Regional Autónoma dos Açores um número de mandatos inferior ao segundo partido mais votado”. Sobre o sistema eleitoral que os Açores tinham na altura, semelhante ao que o país tem em legislativas, o deputado do PS disse ainda que o sistema “beneficia(va) os maiores partidos em detrimento dos pequenos”.

O deputado, entretanto caído em desgraça, foi aplaudido por toda a sua bancada (e bem, porque tinha razão). Hoje, com a mesma discussão em relação ao sistema eleitoral para as legislativas nacionais, onde se aplicam os mesmos argumentos, o PS rejeita para o país a solução que tanto defendeu para os Açores. Porque será?

Deputado da Iniciativa Liberal

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 16 de dezembro