Nesta campanha pouco alegre, não há quem fale do que importa. E a falta de profundidade não se esgota de todo nos líderes partidários. É geral. Ninguém se inquieta com a reconfiguração da Europa ou os reequilíbrios geopolíticos e geoeconómicos, cujos efeitos já se sentem neste extremo do continente; ninguém quer discutir ideias capazes de mitigar os problemas nacionais estruturais, da crise demográfica e envelhecimento ao incomportável peso do Estado sobre os miseráveis contribuintes a troco de cada vez menos serviços e qualidade. Não há quem queira subir a fasquia da qualidade nem sequer, nas frequentes viagens ao passado mais ou menos recente, fazer uma avaliação séria ao que se conseguiu e ao que se prometeu e nunca aconteceu, dando caras às respetivas políticas.

O que é sério e relevante, capaz de elevar o debate e pôr os eleitores a pensar, vale muito pouco perante qualquer episódio que lhes desperte emoção e reação. E mesmo quando é caso sério, é tratado pela rama mediática.

O ataque a um candidato a primeiro-ministro, nesta semana, é bom exemplo: o que se viu esgota-se em opiniões sobre a reação do próprio e dos outros a um ato de ofensa à integridade física por um “ativista do clima”. O crime e a consequência para quem o cometeu, a reincidência deste tipo de ataque e tudo mais foram desvalorizados como coisa de somenos – como se encolheu antes os ombros a património público e privado deliberadamente destruído, obras de arte vandalizadas, vias públicas cortadas… – e ninguém se rala que aquilo acabe numa queixa pífia seguida de uma multazinha de 600 euros, porque “a intenção é boa”.

Desta vez, a vítima foi Luís Montenegro; há uma semana foi Pedro Nuno Santos que não ganhou para o susto; há uns meses foram dois ministros atacados (Duarte Cordeiro e Fernando Medina). E os “incidentes” repetem-se sem mais, pelo ambiente, contra a guerra em Gaza ou pelo fim da cultura tauromáquica, fazendo crer que há crimes que não merecem castigo. Chegará o dia em que alguém se aventurará a cravar uma bandarilha no dorso de um toureiro e o crime será tratado como um “insólito protesto”.

À exceção de contar zero para a medida da competência governativa, a pesagem da importância destes episódios não é, porém, uniforme. Quando uma multidão de polícias em manifestação pacífica se concentrou sem aviso à porta do local onde os candidatos às legislativas debatiam para pedir a justa equiparação de salários, ouviu-se durante dias um coro de inflamados comentários em suposto choque com a “ameaça à segurança” que se anunciava. Se fossem professores, talvez a coisa fosse vista com bonomia, mas serem as forças de segurança a fazê-lo ofendeu superiormente quem “analisa” a campanha eleitoral em curso. Meros dias depois, reais quebras de segurança e atos de agressão contra candidatos foram relatados como um “incidente”, um momento infeliz de um grupo de jovens irrefletidos que querem puxar por “uma causa nobre”.

Não será de espantar num país em que há hordas de eminências pardas a vender opinião como análise, em que há mais comentadores do que candidatos – uns querendo parecer independentes apesar das palas que lhes estreitam a visão, outros assumidamente a defender causa própria, representando os partidos a cujo serviço estão ou estiveram. O que fica (ainda mais) claro nas perguntas óbvias que nunca são feitas e em títulos que manipulam a realidade.

Pretenderão convencer que fazem por trazer legendas ao que se diz nas ruas, da esquerda à direita, para ajudar quem vai votar a melhor se informar sobre as causas e as ideias em confronto, mas o que de facto concretizam é um exercício de convencimento. Falam no que acham com a certeza de quem relata factos e tantas vezes com total falta de conhecimento ou de vontade de trazer clareza à campanha, em lugar de analisar com isenção e objetividade o que veem e ouvem. Promovem crenças pessoais como verdades inabaláveis e não se coíbem de afirmar certas correntes ideológico-partidárias como mais legítimas do que outras. Fazem juízos de valor sobre os candidatos em vez de esmiuçar os programas que servem de chão às suas propostas governativas, de enquadrar, esmiuçar e refletir sobre a sua exequibilidade e sem medir o histórico de responsabilidades e capacidades de quem pretende executá-las.

O governo dos casos e casinhos deu lugar à campanha das coisas e coisinhas, chegando-se ao ponto de dar classificações aos putativos futuros governantes pela sua destreza em enfrentar a rua e o povo, como se a reação à ofensa ou futilidade do dia contassem mais do que a capacidade de pôr a mexer um país paralisado, a legitimidade dos planos para reconstruir os serviços públicos destruídos nos últimos anos, a inteligência de montar um caminho de ambição a longo prazo para Portugal.

Nesta campanha em que está tudo tão concentrado num galho de árvore que não se vê a floresta – e por isso não se hesita em assumir a posição de um candidato a deputado como vinculativa de toda a coligação de que faz parte –, há sondagens diárias sobre como os portugueses dizem que vão votar e até uma aplicação para medir em direto e a cores a popularidade que vão conseguindo os candidatos nas redes sociais, essa meca das boas e refletidas observações onde gente de superior inteligência e capacidade emite sempre opiniões informadas.

Assim vamos a caminho de 10 de março e de um governo que se diz que deve garantir-nos um futuro de construção de riqueza e estabilidade.

Diretora