Naquela que foi a primeira entrevista em quase seis anos de mandato, a procuradora geral da República abordou todos os temas polémicos que marcaram os últimos meses da justiça em Portugal. Em entrevista à RTP, Lucília Gago assumiu que nunca colocou a hipótese de apresentar a demissão após as críticas ao Ministério Público, tendo também rejeitado a teoria de uma concertação de datas na abertura do inquérito ao caso das gémeas e buscas na Operação Influencer.
Pedido de demissão esteve em cima da mesa?
A procuradora geral da República defendeu que nunca ponderou demitir-se e considera que há “uma campanha orquestrada” contra o Ministério Público, classificando de “indecifráveis e graves” as declarações da ministra da Justiça sobre pôr “ordem na casa” no Ministério Público.
“Não coloquei nunca essa questão, porque encaro o meu mandato como sendo um mandato que leva um cunho de rigor, de objetividade, de isenção”, referiu.
Lucília Gago questionou também a legitimidade de algumas das pessoas que criticam o Ministério Público. “Estou perfeitamente consciente que há de facto uma campanha orquestrada por parte de pessoas que não deviam, uma campanha orquestrada na qual também se inscrevem um conjunto alargado pessoas que têm atualmente, ou tiveram no passado, responsabilidades de relevo na vida da nação. Melhor fora que não fizessem os ataques que têm sido desferidos”, sublinhou.
Em que ponto está a Operação Influencer?
Lucília Gago referiu que o inquérito no âmbito da Operação Influencer, que visa o ex-primeiro-ministro, e que levou à sua demissão no dia 7 de novembro, “ainda decorre”, salientando que se a investigação ainda não foi arquivada “é porque algo obstará”, realçando que António Costa não foi constituído arguido “até ao momento” e, que se não houve arquivamento, é porque existe algo a impedir um despacho final.
Ainda sobre este processo, a procuradora geral da República rejeitou também comprometer-se com um eventual arquivamento do inquérito a breve prazo.
Como viu as declarações do Presidente da República?
A procuradora geral da República desvaloriza a teoria de uma concertação de datas na abertura do inquérito ao caso das gémeas e buscas na Operação Influencer.
Sobre as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa que num jantar informal com correspondentes estrangeiros em Portugal, classificou de “maquiavélico” o inquérito instaurado ao caso das gémeas luso-brasileiras tratadas em Portugal com o medicamento Zolgensma, Lucília Gago não fez comentários ao alegado maquiavelismo na coincidência de datas nos dois casos, mas rejeitou qualquer concertação por sua iniciativa ou de qualquer magistrado do Ministério Público, afirmando que não são usados “critérios desse tipo”.
“Quero esclarecer sem margem para qualquer dúvida que não há critérios desse tipo no Ministério Público. Não recebi com agrado [as declarações sobre maquiavelismo]. As declarações fazem criar na opinião pública um propósito de concertação de datas. Quero vincar que não existiu de todo. Muito menos da minha parte, como calcula, não sou eu que registo inquéritos”, referiu.
Escutas prolongadas a João Galamba justificam-se?
Nesta entrevista, Lucília Gago, assumiu que “não é desejável nem comum” que escutas telefónicas se prolonguem durante quatro anos, mas se isso aconteceu com João Galamba, arguido no âmbito da Operação Influencer, que investiga negócios do lítio, hidrogénio verde e do centro de dados de Sines, foi porque se considerou “relevante continuar a escutá-lo”.
“Ter-se enveredado pela continuação [das escutas] apenas significa que no seu decurso se entendeu que era muito relevante continuar a escutá-lo”, salientou a procuradora geral da República, acrescentando que o prolongamento das mesmas foi “sujeito, a espaços, a autorização” judicial.
Como analisa a procuradora geral da REpública a acusação de adiar a audição no parlamento?
Lucília Gago defendeu ser “absolutamente falso” que não estivesse disponível para ser ouvida pelos deputados na data proposta pelo parlamento. “Tem sido muito repetido, enfatizado, que não vou de bom grado à Assembleia da República e que pedi o adiamento da audição. Não é verdade, é absolutamente falso”, afirmou.
Durante a entrevista, a procuradora geral da República leu a resposta enviada ao parlamento, na qual sugere o adiamento para quando o relatório estiver concluído, uma vez que o escrutínio ao seu conteúdo consta dos requerimentos aprovados para que fosse ouvida, mas admite disponibilidade para “comparecer na data proposta” pelo parlamento, ou seja, antes da conclusão do documento.