O custo despendido pelo Estado por cada doente em diálise diminuiu, em termos reais, 21% entre 2010 e 2021, passando de 27.218 euros anuais contra 21.420, conclui o estudo Hemodialysis financing models: is there a sustainable financing model in Portugal?, desenvolvido pelo NOVA Center for Global Health Lab, centro de investigação da NOVA Information Management School (NOVA IMS), divulgado esta terça-feira.

A diminuição desta despesa por parte do Estado contrasta com o aumento de 40% do número de pessoas em diálise e também com o crescimento de 22% da despesa total per capita em saúde.

De acordo com a investigação, o modelo de financiamento da hemodiálise vigente em Portugal, também conhecido por preço compreensivo, registou também uma redução, em termos reais, de 27% no preço semanal gasto pelo Estado em hemodiálise, situando-se no último ano nos 377,54 euros semanais.  O estudo aponta que a quebra no financiamento do tratamento da doença renal crónica “não acompanha nem o crescimento do número de doentes em hemodiálise, nem o aumento nos custos devido à inflação”.

Segundo o estudo, o orçamento estipulado pelo Serviço Nacional de Saúde para o preço compreensivo (em que os prestadores privados recebem, em adiantado, um valor per capita pré-determinado para cobrir os serviços prestados durante uma janela temporal definida) é cada vez menor, o que, sublinha a investigação, dificulta “a acomodação de custos cada vez mais significativos” e que se agravam com a inflação.

Eduardo Costa, economista da saúde e um dos autores do estudo, lembra a reforma feita, em 2018, no sistema de pagamento para a hemodiálise em Portugal, com a transição de um modelo de pagamento por serviço para um pagamento agrupado prospetivo, com uma dimensão de pagamento por desempenho, visando melhorar a gestão dos cuidados de diálise. Uma mudança que, frisa o economista, fez aumentar a pressão financeira devido às reduções no valor base com aumentos de custos em vários componentes incluídos no pacote.

Em Portugal, o Serviço Nacional de Saúde cobre integralmente o tratamento da doença renal crónica terminal através de diálise ou de transplante de rim, sendo a hemodiálise a forma predominante de diálise no nosso país, um tratamento que tem sido disponibilizado “principalmente” por entidades privadas através de um acordo contratual. Uma realidade que surgiu “como consequência da falta de capacidade de resposta às necessidades de um número crescente de doentes que necessitam de terapêutica de substituição da função renal”, lembra Ana Farinha, também autora do estudo.

“Não ter a ambição de alterar os atuais moldes de financiamento de diálise em Portugal, mais do que uma sentença à sustentabilidade do sistema de saúde, será um derradeiro obstáculo ao acesso dos doentes às melhores opções e condições de tratamento”, assinala a médica e membro da Sociedade Portuguesa de Nefrologia.

Alertas e recomendações

Os autores do estudo formulam, por fim, um conjunto de recomendações, tendo em vista a sustentabilidade do modelo de financiamento da diálise em Portugal. Propõe, designadamente, que o sistema de valor básico deixe de ser estático, defendendo que seja considerada a inclusão de um de um mecanismo de ajuste no valor base que “reflita as mudanças nas principais componentes de custo, como recursos humanos, medicamentos e consumíveis, bem como nas condições macroeconómicas, como a inflação, assegurando que o modelo seja mais sensível às flutuações de custo ao longo do tempo”. Neste ponto, os autores do estudo consideram também “relevante” que o ajuste de preço tenha em conta “as novas tecnologias inovadoras e onerosas, caso os decisores políticos considerem que estas devam ser utilizadas por prestadores privados”.

Sugerem também a revisão do atual modelo de financiamento para “incluir serviços adicionais no sentido de reforçar a abordagem integrada, com foco na prevenção”, nomeadamente ao nível dos cuidados pré-diálise. O que, consequentemente, sublinham, “implicará uma otimização da flexibilidade do modelo em lidar com terapêuticas individualizadas e múltiplas jornadas de cuidados”. Alertam também para a importância de “rever a necessidade de incorporar uma abordagem de continuidade nos cuidados prestados, bem como de outras modalidades, como o tratamento médico conservador da doença renal crónica”.

Os autores da investigação sublinham a necessidade de uma “melhoria efetiva na gestão de dados”, não só nos registos da doença renal crónica terminal, mas também dos estádios mais precoces da doença. E sugerem, por fim, o desenvolvimento e inclusão de ferramentas para monitorizar e abordar os resultados reportados por doentes. “Sem uma melhoria na forma como são recolhidos e geridos os registos dos doentes, a verdadeira integração de cuidados não será possível”, defendem.