O primeiro-ministro apresentou esta terça-feira a demissão do cargo na sequência dos negócios do lítio e hidrogénio, uma investigação que, no Supremo Tribunal de Justiça, também visa diretamente o chefe do governo. “Surpreendido” com as diligências desencadeadas, António Costa decidiu demitir-se, deixando nas mãos de Marcelo Rebelo de Sousa os próximos passos. O Presidente da República vai ouvir os partidos políticos esta quarta-feira e, no dia seguinte, os conselheiros de Estado, falando nesse dia ao país.

Que opções estão então em cima da mesa? Se Marcelo entender que a solução parlamentar tem condições para continuar, pode pedir ao PS – partido com maioria absoluta no parlamento – a indicação de um novo primeiro-ministro, explica ao NOVO o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia.

Se, pelo contrário, o Presidente da República considerar que o atual quadro parlamentar “está esgotado” e que indicar um novo chefe de governo do PS não é viável, o chefe de Estado avançará para a solução “mais drástica”, mas também mais “provável”: a dissolução da Assembleia da República e, consequentemente, a convocação de eleições.

Marcelo “pode achar que a situação se degradou de tal maneira que não há condições de estabilidade política para manter um segundo governo do mesmo partido mas liderado por outra pessoa”, mas “o partido pode também dizer que quer mesmo eleições”, realça o jurista. Esta hipótese ganha força se se tiver em conta que, aquando da tomada de posse do governo, o Presidente deixou claro que a continuidade do executivo até ao fim da legislatura dependia da permanência do seu comandante, António Costa.

Bacelar Gouveia alerta que, se Marcelo avançar já para a dissolução, processos legislativos como o Orçamento do Estado para 2024 – já aprovado na generalidade e cuja votação final global está agendada para o dia 29 – e a revisão constitucional que está em curso “caem automaticamente”.

Tendo isso em mente, o Presidente “pode atrasar a dissolução do Parlamento – porque não tem um prazo para a fazer –  para dar tempo para terminar, pelo menos, esses dois processos legislativos”, acabando, por exemplo, por dissolver a AR só no Natal e convocar eleições só para março. O que permitia que o OE2024 avançasse, defende também a Unidade Técnica de Apoio Orçamental, justificando que, “até à tomada de posse do novo governo, o atual continua em funções de gestão”.

O atual presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo lembra, aliás, que na última vez que Marcelo dissolveu o Parlamento, na sequência do chumbo do Orçamento do Estado para 2022, a oficialização da dissolução “atrasou-se bastante para dar tempo para vários processos legislativos terminarem”, mantendo-se o governo em funções sem ser demitido.

Marcelo pode agora agir da mesma forma, podendo até anunciar a intenção de dissolver a Assembleia da República e apenas publicar o decreto que oficializa a dissolução mais tarde. Marcelo convocará, num prazo máximo de 60 dias após a oficialização da “bomba atómica”, a data das eleições legislativas antecipadas.

Recorde-se que o Orçamento do Estado para 2022 foi, previsivelmente, chumbado a 27 de outubro de 2021 e que, na sequência disso, Marcelo anunciou a 4 de novembro que iria dissolver a Assembleia da República e convocar eleições para o dia 30 de janeiro, tendo o decreto sido publicado um mês depois, a 5 de dezembro.

O PS conquistou, nessas eleições antecipadas, a maioria absoluta e o governo tomou posse a 30 de março de 2022. António Costa, que não voltará a ser candidato em caso de eleições antecipadas, chefiou três governos ao longo dos últimos quase oito anos – data que completaria no próximo dia 16.