Cláudio Martins  ficou “triste” ao constatar que um Ferreira Porto Vintage de 1815 foi leiloado por 6800 euros. Distinguido pela revista CEO, como “um dos 20 mais dinâmicos CEO do Reino Unido em 2020”, o consultor internaional de vinhos, nascido em S. Romão, Serra da Estrela, achou que aquele preço denigre a imagem do vinho do Porto quando se sabe que se paga por uma garrafa Romanée-Conti de 1945 cerca de 500 mil dólares. E questionou-se: A Casa Ferreirinha tem menos história que a Romanée- Conti? Não, não tem. Tem a Borgonha por trás? Ok, mas nós temos o Douro.”

Determinado, e de convições muito fortes, como quem sabe bem o que quer, em 2021 lançou o Jupiter, um vinho de talha produzido na herdade do Rocim, em parcera com o enólogo Pedro Ribeiro. As cerca de 800 garrafas lançadas no mercado a 1000 euros cada uma esgotaram rapidamente. Ainda é possível adquirir algumas, mas apenas junto de investidores, agora a dois e a três mil euros.

O Júpiter foi o primeiro vinho de uma série incluída no projeto Wines from Another World, A ideia de Cláudio Martins, concretizada em parceria com Pedro Antunes, da Sparrow Creative Solutions, é, acima de proporcionar descobertas vínicas únicas em todo o mundo, para uma comunidade eclética de conhecedores de vinhos. Tantos quantos os planetas do sistema solar. O primeiro foi um portugês alentejano. Entretanto, já lançou um espanhol e um alemão, com a çromessa de que o nono será novamente português, mas já lá vamos….

Um vinho de talha, português, a ser vendido a 1000 euros a garrafa, deu muito que falar, dentro e fora do país, e o tema esteve longe da consensualidade. Ainda hoje o é. Apreciado e respeitado por uns, criticado e odiado por outros, a verdade é que o Júpiter conseguiu pôr os portugueses a falarem em fine wines e a perceberem que há um potencial extraordinário na produção vinícola nacional, para um nicho de mercado que aprecia e que tem poder de compra. “Mais do que tudo, não há nada que impeça a criação de uma categoria para os vinhos portugueses com o price table correto para concorrer com os grandes vinhos de Bordéus ou Toscana., explica Cláudio Martins, em declarações ao NOVO.

A verdade é que somo conhecidos por produzirmos vinho, mas sempre com o slogan de venda preço/qualidade, quando temos grandes vinhos que mereciam estar numa categoria totalmente diferente, como estão os vinhos da Borgonha, de Bordéus, da Toscana.

“Vamos esclarecer, porque me parece que nem sempre é bem entendido: eu não referi nunca, em momento algum, que não devamos continuar a produzir bons vinhos e baratos! De todo! Temos é que ser capazes de chegar a um determinado tipo de clientes que está habituado a consumir vinhos de luxo e que só assim passarão a perceber que nós, em Portugal, também podemos produzir vinhos de topo, esclareceu o consultor, sublinahdo: “Dessa forma, acrescenta-se valor à cadeia de produção e a todos os itens que dela fazem parte, incluindo a mão de obra que se revela, hoje, também um problema muito sério”.

Em Portugal há uma qualidade imensa em termos de vinhos. Porém, “não há, nem nunca foi feito, um trabalho de elevação da marca”, diz Cláudio Martins, reconhecendo, contudo, que já existem pequenos produtores que conseguiram alavancar a marca de Portugal e  categorizá-la no setor mais ultra premium, dos vinhos.

Conforme recordou, há dias a ministra da agricultura dizia “Estamos a vender o nosso bom vinho barato e precisamos de lhe acrescentar valor e reconhecimento”. Para Cláudio Martins, esta manifestação é um passo extraordinário que se dá. “Há o reconhecimento institucional que temos potencial para nos posicionarmos. Mas não basta falar, é preciso atitudes no terreno”, atestou.

O consultor viaja pelo mundo a falar dos vinhos portugueses como um produto de luxo, ou seja, sempre posicionado no setor ulta premium na gama dos chamados vinhos tranquilos.  De facto, já está muito habituado a satisfazer as vontades mais estranhas e mais caras do mundo dos vinhos aos seus clientes. Tanto pode estar no seu escritório em Lisboa como a caminho de Saint Tropez para fazer uma entrega de um vinhos exclusivo, de um dia para o outro.

Neste momento, Cláudio Matins é o embaixador do vinho tranquilo mais caro do mundo, o bordalês Liber Pater, além de prestar serviços de consultoria a clientes privados e marcas de vinho e de bebidas espirituosas. A partir de 2018 lançou-se também na área da compra de ativos (vinhas e quintas) proporcionando aos investidores o contacto com projetos estruturados e bem esclarecidos não só relativamente ao património material como também vínico. O seu portfolio engloba atualmente cerca de 20 clientes internacionais e nacionais.

O consultor tem, assim, levado a marca de Portugal aos quatro cantos do mundo, Mas tem-no feito sempre como empresário privado, “Nunca me ocorreu contactar entidades oficiais públicas para solicitar qualquer  tipo de apoio”, revelou ao NOVO, sublinhando que é assim, livre e descomprometido, que pretende continuar a sua vida profissional. Embora seja embaixador do vinho mais caro do mundo, este profissional quer posicionar Portugal como marca no mundo.

Neste sentido, reconhece que, no seguimento da afirmação da Ministra da Agricultura, é necessário fazer-se mais pela divulgação do produto. “Considero importante o investimento nesta área”, observa, lembrando que  já existe a ViniPortugal, uma associação que “está a fazer um bom trabalho”. Há já 25 anos que está no terreno. Mas, diz,  “a atividade que desenvolve é ainda muito comercial,  muito voltada para o mercado da saudade. Defende, assim, que deveria existir uma outra ViniPortugal, mas mais ficada nos vinhos de luxo.

Embora se afirme como empresário privado, Claúdio Martins admite que deveria haver um trabalho conjunto, envolvendo entidades públicas e privadas, unidas no mesmo desiderato de promoção dos vinhos portugueses. Disse ao NOVO: “Gostava que algumas pessoas olhassem para este tipo de trabalho e se sentassem com outras do mesmo ramo, porque a união faz a força e só assim conseguiremos fazer alguma coisa com mais poder e persuasão”. E avançou: “Em vez de trabalharmos mais com os jornalistas, com os bloguistas, ou com os sommeliers, deveríamo-nos direcionar mais para o consumidor final”. O que se poderia fazer? “Criar alguns eventos em conjunto para que os clientes saibam o que estão a comprar, e Portugal tem esse potencial”, respondeu.

Conforme referiu, “no exterior há uma grande franja de mercado para explorar, atraindo-a para este tipo de vinhos premium. E sublinhou: “Há países onde os consumidores estão habituados a comprar vinhos com mais de quatro dígitos”.

Os portugueses começam também a ter uma grande apetência para este tipo de produto. “Há cada vez mais pessoas a quererem comprar vinhos para colecionar, para oferecer, para degustar, quer sejam vinhos portugueses ou até estrangeiros”, atestou esclarecendo: “Raramente os turistas que vêm a Portugal compram este tipo de vinhos.  Mas, por exemplo, 70% dos meus clientes do Júpiter eram portugueses, residentes em Portugal.”

Afirma Cláudio Martins: “Independentemente da economia e dos problemas domésticos que nos assolam, continua a circular muito dinheiro e o vinho pode ser considerado um ativo de investimento. É isso que tem vindo a acontecer, também. Não devemos aumentar de preço todos os vinhos; devemos, sim, elevar a categoria de alguns”, frisou.

Para Cláudio Martins, a qualidade do vinho, a história das vinhas, do produtor e toda a narrativa que se cria em redor do mesmo são fortes condimentos para posicionar os vinhos no mercado externo. “E sinto que começa a acontecer.  E é esse o caminho. O mercado já nos apresenta vinhos portugueses premium. Está a crescer uma onda que procura vinhos mais exclusivos, poucas quantidades, vinhos que representam os seus produtores e enólogos, o terroir e as quintas”, disse.

Assim sendo, será necessário saber como “atacar” o mercado.

Segundo Cláudio Martins, “a comunicação é um fator fundamental, senão mesmo decisivo. Deve ser bem pensada e estruturada”, colocando questões: “Que tipo de vinho é o nosso? Em que perfil se enquadra? Que storytelling conta? A quem pode agradar? Como pode chegar aos consumidores internacionais e, mais do que isso, como chegar aos que têm poder de compra e apreciam o seu valor?”.

As respostas a questões tão simples são necessárias para que o caminho seja de sucesso. Diz: “Felizmente, e cada vez mais, Portugal produz excelentes vinhos, que já começam a ter um price table premium, mas que devem ter oleada a sua estratégia para chegar às pessoas certas e que nem sempre são aquelas que leem as revistas da indústria”.

Ou seja, sublinha, o vinho não é só a qualidade do produto na garrafa, já que tal item nem se questiona.  É também a narrativa que se cria em seu redor, sendo que esta tem de chegar aqueles que apreciam a qualidade e que estão habituados às grandes marcas das famosas regiões vinícolas. Estes devem sentir curiosidade em provar o vinho português.  Observa o consultor: “Como não temos uma comunicação assertiva e concertada, raramente os nossos produtos chegam aos consumidores internacionais que podem ajudar a mudar o conceito que durante anos se espalhou pelo mundo, do vinho português ‘bom, bonito e barato’”.

Este é o grande desafio, na opinião de Claúdio Martins: “Estamos na altura certa para lançar uma comunicação concertada dos fine wines portugueses. Num momento em que o turismo se revela cada vez a janela que nos mostra ao mundo e que milhares nos visitam todo o ano, porque não tirar partido do contexto e partilhar a mensagem? Portugal tem os melhores vinhos do mundo”.