Numa carta publicada no X (antigo Twitter) o presidente Joe Biden desistiu de confirmar a nomeação pelo Partido Democrata para as eleições presidenciais de 5 de novembro. Logo de seguida, apoiou a sua vice-presidente Kamala Harris para candidata democrata. Biden disse que ainda falará ao país para mais esclarecimentos, mas depois de semanas de jogadas de bastidores e fugas de informação, o presidente concluiu que aos 81 anos teria mesmo de se afastar para dar as melhores chances ao seu partido de derrotar Donald Trump. Uma decisão que muito lhe deve ter custado. Terá valido a pena? Ainda não sabemos se vai ser mesmo Harris a nomeada, os dados parecem apontar nesse sentido, como a maioria dos apoios que vão surgindo e a falta de oposição. Porém, algumas altas figuras do partido, não foram imediatos na declaração de apoio, casos do ex-presidente Barack Obama e da congressista Nancy Pelosi. Há até quem prefira uma convenção aberta para dar maior legitimidade ao nomeado final. Notavelmente, Bill e Hillary Clinton já apoiaram Harris, que tal como Hillary faria história como nomeada, e ainda mais caso seja eleita. Harris seria a primeira mulher negra e de origem indiana nomeada por um grande partido, e a primeira mulher presidente caso vença em novembro.
Por sua vez, em Milwaukee, no estado decisivo Wisconsin, o Partido Republicano teve esta última semana a convenção em que nomeou formalmente Trump como o seu candidato às eleições presidenciais. O ambiente foi de festa e muita alegria entre os republicanos, que viram o seu líder bem, depois duma tentativa de assassinato, e numa posição de força nas sondagens. Na Convenção viu-se mais uma vez o completo domínio do Partido Republicano por Trump, que até o programa eleitoral influenciou, evitando excessos de conservadorismo social, como por exemplo tomadas explícitas de posição contra o direito ao aborto ou contra o casamento homossexual. Trump quer mesmo ganhar, e ganhar em grande, e sabe que não pode tomar posições impopulares. Mais ou menos conservadores, os republicanos também querem todos ganhar, e aceitam a moderação relativa do líder, que já muitas vitórias lhes deu, como a nomeação de juízes que reverteram o processo Roe v Wade, acabando com o direito universal ao aborto nos EUA.
Na convenção foi anunciada também a escolha para candidato a vice-presidente, JD Vance, senador do Ohio, 39 anos, e um homem de origens humildes no Midwest e a região dos Apalaches, onde cresceu numa família e comunidades disfuncionais por causa da droga e do álcool. JD Vance superou essas dificuldades indo para a Marinha e para a universidade, chegando a estudar direito em Yale, umas das melhores universidades americanas. Depois trabalhou como venture capitalist em Silicon Valley, inclusive para o bilionário Peter Thiel, que foi quem o apresentou a Trump há vários anos. Tem uma mulher também advogada, Usha Vance, de origem indiana, e três filhos com ela. Muita da história de JD Vance tornou-se conhecida ao grande público em 2016, quando este publicou o livro de memórias, Hillbilly Elegy, publicada em português com o nome Lamento de uma América em Ruínas. É um ótimo livro, muito bem escrito, que mostra ao leitor uma parte da vida americana, da disfunção de muitas zonas rurais ou ex-industriais, e que tem como principal argumento para os falhanços de vida de muitos americanos a incapacidade de se responsabilizarem, pondo sempre a culpa em fatores externos. O livro foi um best-seller em parte por muitos liberais quererem compreender melhor a América que elegeu Trump. É de ressaltar que, quando Vance entrou na ribalta, ele era muito anti-Trump. Quando em 2022 se candidatou ao Senado no Ohio pelos republicanos, já era um grande apoiante, explicando que a governação de Trump o tinha feito mudar de opinião.
Vance, que não parece acrescentar muito eleitoralmente a Trump, foi mais uma escolha a pensar na sua competência. Competência bem necessária num partido cada vez mais populista que perdeu muitos dos seus quadros neoconservadores. E sobretudo, uma escolha a pensar no legado trumpista. Vance tem uma visão nacional-conservadora, moldada pelo seu catolicismo e origens pobres, muito bem trabalhada, sendo ainda mais protecionista e isolacionista que Trump, Vance não quer saber da Ucrânia, nem se preocupa se tarifas aduaneiras façam subir preços, desde que os salários dos americanos subam. No entanto é a favor de defender Israel e Taiwan. É extremamente contra imigração ilegal, e cético da imigração em geral. É cético das grandes empresas, pró-sindicatos com uma mentalidade muito trabalhista, sobretudo para o partido republicano, de direita. Socialmente é extremamente conservador. Vance classifica-se como parte da direita pós-liberal, e portanto mais comunitária e tradicionalista, não libertária.
A convenção republicana acabou com um discurso longuíssimo de mais de uma hora e meia de Trump, em que começou bem, unificador, mas onde acabou por resvalar para o estilo tradicional dele. Mas em geral a convenção foi um sucesso, e Trump estava à frente do presidente das sondagens e também das alternativas mais realistas.
A substituição de Biden por outro candidato democrata introduz agora uma nova incerteza na corrida, mas sobretudo energia do lado democrata, como se viu pelas doações logo a seguir à notícia. Trump continua como favorito, mas terá agora de refinar a sua estratégia e preparar-se para agora ser ele o velho da corrida, e a figura do passado. Na convenção republicana já se tinham sido testados vários ataques a Harris, que foi colada ao máximo a Biden. Trump diz que Harris será fácil de vencer. Será mesmo?