Quem são os Best Youth?

Eduardo Rocha Gonçalves (ERG): Em primeiro lugar, Catarina Salinas e Eduardo Rocha Gonçalves. Em segundo, são dois amigos de longa data que fazem música juntos.

A maneira como os vossos caminhos se cruzaram foi bastante fortuita e é uma história que já contaram várias vezes…

Catarina Salinas (CS): Sim, mas é sempre bom recordar. Foi a partir de uma necessidade do Eduardo Rocha Gonçalves…

ERG: A primeira vez que tocámos ao vivo foi porque havia um bar no Porto que dava a oportunidade, a quem quisesse, de lá tocar, e eram noites temáticas. Eu já lá tinha ido com amigos meus tocar Beatles, por exemplo, e para ir tocar Beatles toda a gente se disponibilizou. Mas o tema a seguir era Noite Divas e nenhum amigo meu se disponibilizou para ser diva. Tive de encontrar uma diva e ei-la aqui em carne e osso.

A maneira como foi recebida essa primeira colaboração, de onde nasceram os Best Youth e que resultou no Winter Life, acabou por atrasar o lançamento do primeiro álbum, também porque não estavam muito satisfeitos como estava a soar…

ERG: Não é bem assim a história… Eu estava a tentar montar um disco a solo. Nós tivemos uma banda antes dos Best Youth que depois acabou…

CS: Eram os Genius Loki…

ERG: Entretanto, estivemos cada um nos seus projetos musicais e decidi que queria fazer um disco a solo. Quando comecei a compor, lembrei-me que sempre me dei muito bem com a Catarina e que ela tem a voz mais bonita de Portugal. Se calhar, era fixe tê-la no meu disco, porque não canto grande coisa. Convidei-a para uma música e chegámos à conclusão de que, em vez de eu fazer um disco a solo, devíamos fazer um disco juntos. A história começa aí, é forte. No momento em que decidimos fazer um disco juntos, tive uma ideia e disse-lhe: “Olha, enquanto fazemos o disco de estreia, estas cançõezecas que eu tinha para o meu disco em que tu cantaste, podíamos simplesmente lançá-las só para, quando lançarmos o disco, já existir qualquer coisa e o nome da banda já existir .”

CS: E atenção, era a Hang Out… Tu tinhas a Hang Out, depois, as outras…

ERG: A Hang Out fazia parte desse disco. A nossa primeira edição foi, literalmente, um ficheiro ZIP numa página de internet, onde tu ias ao que é atualmente o nosso site, e não tinha nada. Só havia um ZIP para fazer download. E o resto é história. Eu gosto de dizer esta frase: o resto é história. [risos]

Quando finalmente saiu o Highway Moon, foi uma pop muito eletrónica, mas com a guitarra do Ed bastante vincada. Como foi esse processo até definirem o som Best Youth?

CS: Nós estamos sempre a tentar definir o som Best Youth. A cada álbum, isto vai-se aprimorando. Mas percebo o que queres dizer… Isto tem a ver também com o facto de nós virmos de backgrounds musicais… temos gostos musicais distintos. O Rocha vinha de um background mais rock, eu de um mais bluesy, mais pop. Por isso, a presença da guitarra era e continua a ser uma coisa importante para nós, porque é um som muito característico do Ed e é o instrumento dele…

ERG: É o meu instrumento.

CS: Assim como o meu é a voz. Ele é a guitarra. É uma coisa que está muito no ADN dos Best Youth.

ERG: Nesse disco, o que tentámos fazer foi um início de arranjar um espaço para essas duas coisas. Lá está, como eu vinha de um contexto muito rock, muito guitarra em primeiro plano, alta, com distorção, isso não era compatível com a voz da Cate. Esse disco foi onde começámos a usar, pela primeira vez e com mais ênfase, sintetizadores e teclados…

CS: Cenas mais ambientes…

ERG: … numa tentativa de fundir o melhor de cada um.

Quando o Cherry Domino saiu, já tinha uma sonoridade assumidamente anos 1980, muito inspirada no Prince. Como foi fazer esse disco?

ERG: O processo desse disco foi engraçado. Na nossa génese, somos uma banda de dois elementos. Quando começámos, tivemos várias formações diferentes até encontrar o que era uma apresentação em palco que fosse fixe para nós, uma forma eficaz de tocar as nossas canções ao vivo e que nos representasse e as nossas músicas. Por força das condições, da realidade e de todo o contexto, o que aconteceu recorrentemente foi que tivemos de fazer concertos em que íamos só os dois, seja porque era no estrangeiro – por exemplo, vamos tocar umas datas a Londres e não tínhamos possibilidade de levar a banda connosco, tínhamos de adaptar o concerto só a nós os dois –, seja algumas datas que eram em espaços mais pequenos e tínhamos de fazer o concerto só nós os dois. O que acabou por acontecer foi que o Highway Moon foi composto e pensado para ser interpretado por uma banda. Tivemos de readaptar as músicas todas para depois serem tocadas a dois e não era bem a mesma coisa.

CS: Até por causa das questões tímbricas e tudo o mais…

ERG: O Cherry Domino foi o início de uma tentativa de dizer que devia ser ao contrário. O disco e o som da banda deviam ser uma coisa feita e interpretável só por nós os dois e, na eventualidade de haver uma banda… A referência ao Prince nesse álbum é por causa de uma caixa de ritmos que ele usava, que é uma Linn LM-1 drum machine, que tem um som muito característico de bateria dos anos 1980. Pensámos que, se era suficientemente bom para o Prince, para nós também era. [risos]

CS: Há de ser bom para nós também, deixa ver se conseguimos… [risos]

ERG: Foi essa tentativa de fazermos um disco que fosse composto e interpretado só por nós os dois, que não perdesse musicalidade mas que pudesse ser expansível para tocar com a banda.

Há bocado, a Cate dizia que estão sempre a tentar redefinir o vosso som, e agora, com o Everywhen, regressam a uma pop bastante mais fresca. Como decidem o rumo sonoro a dar a cada álbum?

CS: Tomar uma decisão concreta não existe. Neste disco estávamos muito a ouvir bandas dos anos 1970 e algumas dos anos 1980, a ir buscar músicas também dos anos 1950. Essa forma de abordar a construção da canção foi uma coisa que quisemos, de certa forma, imprimir neste disco. Há canções que demonstram mais isto, há outras que demonstram mais outro lado. Mas tentámos dar outras cores aos timbres com que trabalhamos.

ERG: Foi uma evolução direta do Cherry Domino, nessa vontade de fazer um disco só nós os dois e produzido só por nós. A solução mais imediata que arranjámos e que nos apelou mais foi aquela que muitas bandas usavam nos anos 1980, que é o recurso a máquinas e sequenciadores, sintetizadores, drum machines. Fizemos um disco muito focado nessa paleta tímbrica, de que gostamos muito e que continua a ser uma coisa importante. Por causa dessas influências também que a Cate referiu, de estarmos a olhar, às vezes, mais para o passado, ao mesmo tempo que olhamos também para o que pode ser o nosso futuro, este disco foi uma tentativa nossa de abrir a palete tímbrica a influências mais diferentes e, se calhar, não tão imediatas para nós que, agora que olhamos para elas, fazem completamente parte do nosso universo. Mas existem timbres e instrumentações no disco, referências a formas de composição e soluções melódicas e harmónicas que são frescas para nós, para a nossa música. É uma espécie de evolução que temos tentado fazer, de saber a que soa uma banda de dois elementos que tenta ser maior do que ela própria.

Acabaram por responder à minha próxima pergunta, mas vou fazê-la na mesma…

ERG: Adoro! Estamos a economizar… [risos]

O último álbum saiu em 2018 e, agora, voltam com um bang, que é o nome do single

CS: Back with a Bang, sim…

O que andaram a fazer, além de ouvir música dos anos 1970 e 1980?

CS: O que andámos a fazer durante este tempo? Ui, foi uma experiência extremamente imersiva fazer este álbum. Nos álbuns anteriores, apesar de sermos nós a compor e a construir as demos e tudo o mais…

ERG: E a produzir, também…

CS: … a produção e a mistura ficavam a cargo de outra pessoa, que é uma pessoa com quem nos identificamos e em quem confiamos perfeitamente. Neste álbum quisemos assumir a responsabilidade de sermos nós a produzir, misturar, o que acrescenta no trabalho e no tempo gasto. Ou seja, este tempo em que estivemos a trabalhar neste álbum foi extremamente imersivo e inceptiony na forma como abordámos as canções, até porque houve canções que ficaram imediatamente definidas na composição primária. E houve outras, por exemplo, a Back with a Bang, que foi uma canção que levou ali um processo de desconstrução e construção, desconstrução e desconstrução….

ERG: Para responder mais granularmente à tua questão, tivemos a sorte de tocar o disco de 2018 bastante em Portugal e de conseguir tocá-lo bastante no estrangeiro. Fomos a Paris, Nova Iorque, Alemanha, Londres, fomos tocar a vários sítios.

CS: Budapeste, na Hungria…

ERG: Quando terminou o ciclo desse disco, lançámos um single, a Never Belong, que supostamente seria do nosso novo disco, que surgiu na altura da pandemia. Ou seja, o nosso ritmo, que estava ali muito bem impresso, de repente foi quebrado e o disco que estava a ser planeado era o disco de que fazia parte a Never Belong

CS: Já não fazia tanto sentido.

ERG: Não fazia tanto sentido. Este disco também demorou por causa destas questões que a Cate diz de assumirmos uma parte mais intensiva, mais focada na produção e na mistura. E também essa questão de sentirmos, a certa altura, que o disco que estávamos a fazer já ia ser outra coisa. Faz parte da nossa história, já é o segundo disco meio perdido que temos.

CS: Sim, sim, sim… Houve alguns artistas que até mudaram títulos na pandemia. Foi sempre a adaptar.

Na promoção do Big Bang, dizem que é uma música sobre a necessidade de combater a síndrome do impostor e as inseguranças e que é preciso sair da vossa zona de conforto para crescer. Sentiram isso enquanto trabalhavam neste disco ou sentem isso em geral?

CS: Sentimos. Sentimos muito isso.

ERG: Completamente. Sentimos isso criativamente, no contexto do nosso trabalho, mas acho que é uma coisa partilhada por muitas pessoas. Em questões de vida, coisas que tu, se calhar, queres fazer…

CS: Um leap of faith

ERG: Projetos que, se calhar, tens na gaveta há muito tempo e nunca acontece a altura certa para fazê-los. Tem a ver com essa necessidade de nos confrontarmos a nós próprios e dizer: “Oh pá, acabou. É hoje.”

CS: Arrisca!

ERG: “Não vou esperar para amanhã. Vai ter de sair, vai ter de ser agora e vamos ter de andar para a frente.” Acho que, às vezes, somos todos um bocadinho vítimas da inércia. Foi uma coisa que nos aconteceu. Por isso é que sentimos que valia a pena cristalizar isso numa canção. E, por isso, essa canção é de usufruto público, de que usufruímos também.

CS: E tem piada porque deu a sua luta…

ERG: E deu alento.

CS: É a nossa música mais curta de sempre. Tem dois minutos e picos, é superincisiva…

ERG: É suposto ser assim, imperativa.

CS: É suposto ser imperativa e completamente anti-inércia.

ERG: Assim: “Anda! Anda!” [risos]

CS: Tem essa coisa contraditória, que é fixe…

Ed, continuas a compor, a produzir e a fazer música a pensar na voz da Catarina?

ERG: Sempre. Aliás, a premissa-base do nosso trabalho é essa. Temos um processo muito operário, vamos dizer.

CS: Picamos o ponto todos os dias.

ERG: Quando estamos a trabalhar num disco, estamos juntos todos os dias a trabalhar nele.

CS: E não é só num disco, estamos sempre…

ERG: Para Best Youth, tudo o que é composto, tudo o que é escrito, da minha parte, é sempre a pensar na Catarina como figura principal, muito embora muitas músicas sejam interpretadas pelos dois, que é uma coisa muito fixe. Mesmo na parte da escrita de letras, como conversamos muito sobre as letras, é um processo colaborativo. Estamos a testar a melodia, a ver o que é que nos puxam, a tirar emoções… É muito engraçado, porque acaba por acontecer uma coisa, que sinto que acontece, que é: embora seja a Catarina que interpreta as lead vocals da música, sinto que, se cantasse as músicas, a emoção seria a mesma. Acho que acontece por ser este híbrido de sermos duas pessoas a fazer as coisas juntas.

Além da voz da Catarina, quem te inspira a compor?

ERG: Essa é uma grande pergunta. Acho que isso muda de ano para ano… Toda a gente nos diz que Best Youth tem uma sonoridade específica. Eu entendo que tenha e percebo que seja um lado positivo, por causa de uma certa consistência e uma certa identidade. O meu desafio a mim mesmo é tentar o mais possível sair disso. É difícil manter um balanço entre cortar com uma coisa que já existe, porque funciona e porque gostamos dela, e essa vontade de tentar ter coisas diferentes. Todos os anos tento quase obrigar-me a ouvir e assumir coisas diferentes como influência, para ver se isso consegue trazer-me coisas novas para a evolução do que pode ser a nossa colaboração artística.

Catarina, mais ou menos duas perguntas na mesma onda: as letras são escritas a dois, mas como é teres alguém a compor para ti?

CS: Até agora tem sido óptimo! [risos] Tem sido maravilhoso, até porque era como o Ed estava a dizer: como estamos juntos todos os dias, ele está a trabalhar numa linha, numa guitarra, a fazer um beat ou está a tocar uma linha de baixo, e eu estou imediatamente a gravitar para aquilo que ele está a tocar. Sou daquelas pessoas irritantes…Às vezes penso que o meu namorado deve achar que sou maluca. Estou sempre a pensar, a associar qualquer nota no ar… Associo-me à melodia e construo. Estamos sempre a reagir um ao outro. Apesar de ele estar a compor, a pensar em mim, como estou lá com ele, reajo ao que está a fazer. E ele reage ao que também estou a fazer em tempo real. A coisa vai sendo construída assim. Enquanto estou a fazer umas melodias e já há uma demo gravada, ou seja, ele já não precisa de estar a tocar, já está a pensar “OK, nesta melodia, que palavras podem ser fixes? O que posso escrever aqui?” Depois vamos vendo. Há alturas em que ele escreve. Noutros álbuns, houve letras minhas, letras dele, letras dos dois. Este álbum em particular foi uma coisa mais escrita por ele e mais desenvolvida, em termos melódicos, por mim e por nós em bloco.

Durante a promoção do Cherry Domino abordaram a questão de cantar em inglês e de um dia virem a fazê-lo em português. Ainda não foi desta que fez sentido para vocês…

CS: Ainda não foi desta escrever em português, mas sentimos essa vontade, sem dúvida. Faz parte de todas as bandas que cantem em inglês no seu país natal, a dada altura, sentirem, mais cedo ou mais tarde, necessidade de cantar na própria língua…

ERG: Necessidade ou curiosidade.

CS: É uma coisa que está interligada. Falo por mim:tenho a curiosidade e a necessidade de fazê-lo. Depois há sempre o clichê, que é real, que é o de estarmos habituados a uma cultura anglo-saxónica. Escrever em inglês foi uma coisa natural para nós porque a maior parte das coisas que víamos e ouvíamos em casa era em inglês. Para nós, fez sentido.

Os The Gift também demoraram imenso tempo para cantar em português…

CS: O David Fonseca também teve o seu tempo. Há uma facilidade, obviamente, na língua inglesa, porque é muito mais redonda. As consoantes não são ásperas…

É um problema de expressão, como canta a Manuela?

CS: É um problema de expressão, como dizem os Clã. E eles também dizem nessa música que o inglês fica sempre bem, precisamente por isso.

Vocês são do Porto, que tem um núcleo artístico e criativo muito específico e que nos tem dado grandes bandas e artistas ao longo das décadas. Como é que serem do Porto influencia a vossa música e a maneira de fazer música?

CS: No meu caso, tem a ver com a questão nostálgica e de algum fado, se é que se pode usar essa palavra. Para mim, o Porto tem muito isso: é uma cidade naturalmente mais escura e, por isso, faz-me pensar, ser mais introspetiva. Faz-me buscar mais lembranças, puxa mais pelas memórias. Nesse sentido, a cidade influencia-me por aí. Agora, no caso do Rochinha…

ERG: Estarmos no Porto e a atenção em geral à volta do que se faz no meio artístico estar mais focada em Lisboa põem-nos, de certa forma, num papel de meio outsiders que contribui inevitavelmente para algumas das coisas que fazemos, para nos sentirmos um bocado mais desconectados dessa questão toda… Por outro lado, isto que digo aplica-se ao Porto e a qualquer cidade longe da capital: obriga-nos a ter de galgar um bocadinho mais, ser um bocadinho mais…

Arrojados?

CS: Não necessariamente…

ERG: Qual é o termo? Temos de correr um bocadinho mais, temos de esforçar-nos um bocadinho mais, porque, lá está, estamos longe do foco de atenção. Nós e qualquer pessoa…

Sentem que têm menos oportunidades por estarem longe do centralismo de Lisboa?

CS: Isso é um facto…

ERG: E não é só para o Porto. Em que é que o Porto influencia, especificamente? Concordo com a Catarina, a energia da cidade, mais nostálgica…

CS: Muito específica, mais lúgubre…

ERG: É difícil… Devíamos escrever um disco sobre isso.

CS: A nossa sonoridade também é um bocado escura precisamente por causa disso. A palete de sintetizadores são moods naturalmente mais escuros, têm muito a ver com a cidade.

E acham que há mais liberdade para errar e tentar fazer melhor, tentar fazer de novo?

ERG: Acho que a liberdade não tem a ver com o sítio, tem a ver com ser uma coisa que tu queres fazer ou não, se queres assumir ou não.

CS: Eu acho que a pergunta tem outro lado… Como estás tão longe de Lisboa, estás fora de uma cidade que não te obriga… O ritmo de Lisboa é muito, muito diferente, mesmo assim, do ritmo do Porto. Mesmo muito diferente. No Porto é tipo o Alentejo.

ERG: Que exagero… [risos]

CS: Quase! Mas não é no sentido de preguiça…

ERG: Também não estás a chamar preguiçosos aos alentejanos!

CS: Não, de todo! 

ERG: Olha que eu tenho uma costela alentejana.

CS: Tem a ver com a cena de conseguires ter tempo para assimilar e para marinar as coisas. Vivi em Lisboa durante um ano e não sentia tempo para marinar nem absorver. No Porto, sinto isso.

Se alguma coisa correr mal em Lisboa, se calhar, não voltam a dar uma nova oportunidade?

ERG: Sinto que isso tem mais a ver com uma questão de tu quereres correr mais ou menos riscos, não tem a ver com o sítio. Essa questão de errar, podes querer jogar seguro em Lisboa, no Porto, em qualquer sítio.

CS: Eu entendo essa questão do distanciamento, encontro-me nesse ponto.

Como têm visto tudo o que aconteceu em torno do STOP?

CS: Nós vivemos lá muitos anos.

ERG: Montámos uma sala no STOP, há muitos anos. Uma das primeiras salas de ensaio que tivemos foi montada por nós, literalmente.

CS: Foi o nosso habitat criativo durante muitos anos…

Com caixas de ovos?

ERG: Não, não eram caixas de ovos. Na altura, já era cortiça. [risos]

CS: Eu adorava o cheiro daquela sala…

ERG: Já era cortiça, lã de rocha…

CS: Superevoluídos!

ERG: Há muitos anos mesmo… Depois voltámos a ter outra incursão pelo STOP. Temos um carinho gigantesco pelo STOP mas, por mil e um motivos, é difícil, em 2024, que o STOP continue a funcionar como sempre funcionou. Acho que é mesmo muito difícil.

CS: É triste, mas é uma realidade que seria utópica o STOP funcionar da mesma forma como funcionou até agora.

ERG: Existe uma vontade romântica muito bonita, que vem de um sítio muito bonito, de que o STOP continue a ser o STOP, mas já não vivemos num mundo em que o STOP possa continuar a ser o STOP como sempre foi. O resto é muita coisa à mistura, muita burocracia…

CS: Muita politiquice… Depois entra-se por outras questões em que se perde um bocadinho o foco…

ERG: Acho que é chover um bocadinho no molhado…

CS: O nosso coração, digamos assim, sendo um bocadinho pirosa, está lá, está com os desagrados das pessoas. Em termos práticos, é uma situação muito complicada.

ERG: Não é preto nem branco.

CS: Não é preto nem branco e acho que houve aqui, nitidamente, uma confusão muito grande de pensamentos, ideologias, políticas, burocracias… Há tanta coisa em questão e não foi bem deslindada publicamente.

O próprio Manel Cruz sentiu a necessidade de vir a público esclarecer…

CS: E o Manel explicou muito bem. Acho que a melhor explicação é a do Manel.

Fazer música hoje é muito diferente do que era há 20 ou 30 anos. Como veem ou têm acompanhado essa evolução?

CS: Depende dos dias. [risos]

ERG: Há coisas que estão, sem dúvida, mil vezes melhor. A barreira à entrada baixou substancialmente. Qualquer miúdo, hoje em dia, não só consegue ter as ferramentas, formais e intelectuais, para poder fazer música. Qualquer miúdo que queira aprender a gravar ou a fazer música, teoria musical ou a tocar um instrumento, está tudo na internet. Isso não nos aconteceu. Tivemos de ir por uma via que era o que se fazia antigamente: ter de ter aulas. Tinhas de conhecer pessoas que percebessem do assunto, comprar umas revistas… Era mais difícil o acesso. Por outro lado, como era mais difícil e havia menos coisas, havia mais atenção, porque as pessoas que queriam fazer música tinham de querer mesmo muito. Para as coisas existirem, havia mesmo muita fricção. Naturalmente, depois dessa fricção, as coisas que furavam tinham o seu espaço. Hoje, embora a barreira à entrada tenha sido muito baixa, acho que é muito complicado. Piorou, de certa forma. Acho que novos artistas conseguirem furar a barreira de atenção está infinitamente mais difícil. Melhorou bastante num sentido; no outro, dificultou.

Também por haver essa facilidade de entrada na música, há cada vez mais coisas disponíveis. Como pode um artista destacar-se?

ERG: No final de contas, depois de tudo o que possas fazer, o que conta realmente é a música. O problema é que parece que, a certa altura, entramos numa espécie de situação em que, por causa da forma como a atenção é gerida e monetizada nas redes sociais, música boa não é uma coisa que algoritmicamente gera muita atenção. 

CS: As prioridades estão noutros sítios…

ERG: É preciso que a atenção venha de outra coisa e acho que isso é a parte mais ingrata, porque o que continua a ser importante é a música. Se fizeres uma canção muito boa, independentemente do género que for, se conseguires chegar às pessoas, essa canção fica. Acima de tudo, continua a ser isso que queremos fazer, continua a ser um motivo para sair da cama de manhã. O que é ingrato é que só fazer a música muito boa… Enquanto acho que, antigamente, se conseguisses ter uma música muito boa e ter um bocadinho de atenção, o resto do caminho estava mais ou menos feito. Hoje em dia, a qualidade, só por si, não garante atenção. É um problema porque, em vez de os artistas estarem focados a 100% na qualidade do trabalho que estão a fazer, têm de estar menos focados.

CS: É essa a questão: antes, as coisas estavam mais compartimentadas. Os músicos faziam música, havia uma editora que trabalhava a promoção… Hoje em dia, o artista não pode ser só músico, também tem de ser videógrafo, fotógrafo, tem de ser quase influencer

ERG: Tem de ser blogueirinha…

CS: E tu, realmente, não consegues alocar o mesmo tempo que alocarias de outra forma.

Vendem-se cada vez menos CD, as plataformas pagam cada vez menos e os artistas têm de apostar ou em venda de merch ou em atuações ao vivo. Como veem esta indústria da música?

ERG: Essa é uma pergunta muito difícil. Adorava ter a resposta para dar-te. Acho que a tendência para o futuro – e nós estamos, de certa forma, a tentar apostar nisso – vai ter a ver com uma mudança de paradigma, com plataformas novas que apareçam… Tem muito a ver com transparência de informação. O público que consome música hoje em dia, que já não compra CD e consome música nos serviços de streaming, acho que não tem uma perceção do que acontece ao dinheiro deles. Essa consciência está a começar a acontecer agora. A maioria das pessoas ficam chocadas quando percebem que gastam X dinheiro em música por mês a ouvir os artistas de que gostam e depois percebem que esses artistas não são propriamente remunerados com o dinheiro que eles gastam e que esse dinheiro vai para coisas de que, se calhar, não gostam. E dizeres a fãs de música assim, “todo o dinheiro que estás a pagar vai para aquele artista que tu odeias”… não é uma situação fixe, porque há muitas pessoas que sentem que, ao subscrever, ao fazer play ou ao dar like, estão financeiramente a ajudar os artistas e a ajudar a que eles existam. Está a começar a aparecer uma tendência de, noutras plataformas, de outras formas, haver uma forma mais direta de os fãs de música ajudarem a sustentar a indústria musical que lhes interessa. A grande diferença que terá de vir é essa. Agora, que plataforma é e como vai funcionar?

O Bandcamp funcionava bem, comparando com o Spotify, por exemplo, até ser comprado…

ERG: Só que o problema não é só o Spotify. O problema é um problema maior de ecossistema. Isto é uma solução diferente mas, na génese disto tudo, é uma situação um bocado semelhante a quando as pessoas compram roupa e, depois, descobrem que, se calhar, não é produzida de forma ética. Acho que tem um bocadinho a ver com haver uma maior consciencialização de que os sistemas atuais não são conducentes à proliferação e ao crescimento de mais artistas e mais música de que as pessoas gostam. Este ecossistema não é sustentável. Acho que é uma consciencialização de que o ecossistema tem de mudar inteiro.

CS: Olha, por exemplo…. Tu estares aqui a falar connosco, a pensar e fazer várias perguntas, ter essa atenção, é uma coisa que, por exemplo, se todos os meios de comunicação que são os conformados na sociedade, que continuam a ser os mais relevantes…

Mas também partilham do mesmo mal, que é não haver dinheiro disponível para jornalistas…

ERG: O problema dos media é muito semelhante. É complicado o cenário dos media, mas uma solução possível que já li em relação aos media é, se cada jornal se focasse mais em ser hiperlocal e hiper-relevante localmente e conseguisse criar essa ligação com as pessoas… Isso é que é de interesse mútuo. Se existisse uma publicação hiperlocal e hiper-relevante para mim e para as pessoas do sítio onde eu estou, se calhar estaria mais disposto a pagar por ela, porque é hiper-relevante, do que, se calhar, a pagar por uma publicação que tem de competir com imensas outras, com notícias que são generalistas, que estão em vários sítios. Eram horas, eram horas de conversa…

Esta mudança de ecossistema, como lhe chamaste, alterou a vossa maneira de fazer música?

ERG: Não alterou a nossa maneira de fazer música, mas alterou os ritmos de criação.

CS: E a forma de apresentação da própria música, como escolhes promover a tua música, tendo em conta tudo aquilo de que estivemos a falar. Em termos musicais, não.

ERG: Tornou-se insustentável, acho eu, para a grande maioria dos artistas, fazer o processo antigo, que era gravar um disco, lançá-lo, apresentá-lo ao vivo e desaparecer durante dois ou três anos para fazer outro. Infelizmente, esse ciclo acho que é completamente insustentável hoje em dia.

Como veem o futuro dos Best Youth?

CS: Queremos ver o futuro dos Best Youth suportável, no sentido de conseguirmos viver da nossa profissão, continuar a fazer música.

ERG: A nossa ambição de todas é continuar a fazer o que fazemos. Só por si, é a sua própria recompensa. Poder ter, todos os dias – como é que eu digo isto? – uma vida de artista… não é isso que eu quero dizer, mas poder criar e estar a fazer uma coisa que é nossa, todos os dias, é um privilégio gigantesco. O futuro que nós queremos é poder continuar a fazer isso.

CS: Forever, até irmos para sete palmos debaixo da terra.

ERG: Até não conseguirmos mais.

Agora é a minha vez de ser talvez um pouco piroso: continuam a achar que estão na vossa melhor juventude?

CS: Sim, sim! Acho que somos bastante joviais. Eu sou uma adolescente ainda. A minha mentalidade.

ERG: É uma eterna adolescente.

CS: Sou uma romântica e eterna adolescente. [risos]

ERG: Eu sou um velho num corpo de jovem. Já não sou um velho num corpo jovem. Sou um velho num corpo de meia-idade. [risos] 

CS: Que horror, um corpo de meia-idade…

O NOVO agradece à Francisca Camejo e à Musa de Marvila pela cedência do espaço para a entrevista e sessão fotográfica com os Best Youth