O seu percurso como atriz começou aos dez anos. Mas li que foi a passagem pelo Teatro Experimental de Cascais que lhe despertou a vontade de trabalhar em representação para o resto da vida. Que importância teve essa experiência?

O Teatro Experimental de Cascais [TEC] foi onde fiz a minha formação. Quando tive a primeira experiência enquanto atriz, bastante amadora, foi com dez anos, sim. Fiz uma curta-metragem, porque era amiga da irmã do realizador, o João Rosas. Tive essa primeira experiência e, depois disso, já sabia que queria ser atriz, mas não fazia muito para que isso acontecesse, não procurava fazer workshops, não procurava fazer uma formação especificamente. Nos escuteiros conheci uma rapariga que estudava na Escola Profissional de Teatro de Cascais, que está associada ao Teatro Experimental, e que me dizia que essa escola era incrível e que, se queria ser atriz, tinha de ir para lá. Pensei na altura que podia fazer a minha vida normal, porque a minha vida profissional, a minha vida em termos de formação enquanto atriz, só iria começar quando entrasse nessa escola. Não foi com a experiência no TEC, mas sim com  a experiência na Escola Profissional de Teatro de Cascais, ao fazer a audição e perceber que até achava piada ao que estava a acontecer, a decorar texto e interpretar palavras, que percebi que aquilo começava a ficar mais sério e que gostava daquilo. Mas foi só quando comecei realmente a estudar teatro que percebi porque é que gostava disto ou porque queria ser atriz. Depois da escola fui imediatamente para a Escola Superior de Teatro e Cinema e, depois disso, tive acesso a um estágio no Teatro Nacional Dona Maria II, e aí começa a minha vida profissional. A PAP, que é a prova de aptidão profissional que temos na Escola Profissional de Teatro de Cascais, acontece no TEC, com atores do TEC, e, portanto, é a primeira experiência profissional, mas sinto que a vida profissional só começou quando comecei o estágio no Teatro Nacional Dona Maria II.

A Beatriz Batarda foi uma professora que a influenciou muito?

Foi, completamente. Durante os três anos em que estive na Escola Profissional de Teatro de Cascais senti que o Carlos Avilez tinha uma forma muito específica de trabalhar e preparar os alunos, e nós saímos todos com  o mesmo tipo de energia. Quando saímos daquela escola, saímos todos bastante moldados. Eu estive no primeiro ano em que a Beatriz Batarda deu aulas. Estava no 3.º ano e ela foi dar-nos aulas; a Fernanda Lapa também nos deu. A Beatriz Batarda veio e revolucionou tudo aquilo que achamos que é teatro e que sempre nos foi dito que era teatro. Muitas das coisas com as quais não me identificava, de repente, ao trabalhar com a Beatriz, faz-se luz e percebo que o teatro pode ser muitas mais coisas do que me tinham dito que era. Trago muita coisa da Escola de Cascais, principalmente a nível técnico. Acho que se nota a diferença entre um aluno que vem de Cascais e um aluno que vem da Escola Superior de Teatro e Cinema ou um aluno que vem da ACE – Escola de Artes, no Porto. Percebe-se perfeitamente quem vem de onde e isso é bom, quer dizer que as escolas têm  a sua singularidade. Mas sim, com  a Beatriz Batarda consegui retirar coisas que ainda hoje uso. É curioso, porque quando a vejo trabalhar – e isto não acontece sempre, porque muitos dos professores que tive não trabalham como atores, são mesmo encenadores -, vejo exatamente o que ela ensinou. Ela não está só a passar informação, aplica  o que ensina, e isso é uma mais-valia.

Durante os seus primeiros anos fez vários trabalhos no teatro. Foi a sua primeira paixão na área da representação?

Eu dizia que queria ser atriz de teatro, mas pensava muito na televisão, porque era aquilo a que tinha mais acesso. Quando era mais jovem tinha acesso aos Morangos com Açúcar e tudo o mais, era o que via e eram as minhas referências quando tinha dez anos. As idas ao teatro eram para ver o Auto da Barca do Inferno, Falar Verdade a Mentir, coisas que faziam parte do Plano Nacional de Leitura e que tínhamos de ir ver, e isso não me interessava tanto. Apesar de saber que para ir para uma escola profissional de teatro teria de estudar teatro, e não sabia o que isso era exatamente, de repente, começar a estudar teatro e perceber que há uma profundidade em toda a formação e sabendo que esse curso me dá acesso ao teatro, e não ao audiovisual, claro que depois é mais fácil o meu caminho seguir por aí, mas neste momento sinto também que tenho muita vontade de experimentar  o lado audiovisual, precisamente porque me vai trazer outras coisas que o teatro já me trouxe, que já adquiri. Quero continuar  a aprender; não tenho vontade de estudar neste momento, acho que o que posso aprender pode vir da prática, da experiência profissional. No teatro cresci muito com essa experiência, a trabalhar com pessoas com muito mais experiência do que eu. A minha curiosidade maior é com o audiovisual e com essa técnica, esse trabalho com  a câmara.

Teve a oportunidade de entrar em várias peças que tiveram grande êxito. Falo de Sopro, Catarina e a Beleza de Matar Fascistas ou Sonho de Uma Noite de Verão. Até pelos elencos e encenadores que encontrou, foram oportunidades constantes de aprendizagem?

Na experiência de Sopro, da Catarina e  a Beleza de Matar Fascistas, com o Tiago Rodrigues, ou mesmo em A Matança Ritual de Gorge Mastromas, de Tiago Guedes, mas principalmente com  o Tiago Rodrigues, com quem tenho passado muito tempo – desde 2019 que trabalho com o Tiago -, mais do que no meu trabalho enquanto atriz, sinto que tenho crescido muito enquanto pessoa. Ao trabalhar com o Tiago também nos formamos enquanto pessoas e isso pode também tornar-nos melhores atores ou atrizes. Mas essa experiência pessoal tem-me feito fez crescer muito, e isso também me dá confiança para poder trabalhar melhor enquanto atriz, porque quanto mais confiança temos em nós, mais facilmente trabalhamos, mais disponíveis estamos – acima de tudo,  o facto de estar a crescer como pessoa, com as pessoas certas à minha volta, porque isso é muito importante.

Que motivos encontra para explicar o sucesso tão grande que a peça Catarina e a Beleza de Matar Fascistas tem tido?

Para já, há muita gente que ainda não viu. Em Portugal, então, de todas as récitas que estavam planeadas, acho que nem fizemos metade por causa da pandemia ou porque ainda eram cancelados espetáculos porque alguém ficava com covid. Estava constantemente tudo  a acontecer e esta peça teve bastantes entraves por causa disso. Há muita gente que ainda não viu, embora muita gente já tenha visto. Disse isto ao Tiago [Rodrigues] há umas semanas, da última vez que estivemos juntos. Ele dizia,  “o espetáculo corre muito bem, está sempre a crescer, independentemente do tempo que passa vocês estão sempre  a descobrir coisas novas”, e eu disse-lhe: “Não somos nós, é o texto, são as tuas palavras.” Acho que o texto em si sobrevive a qualquer coisa, e a parte boa é que o texto não está a dar-nos respostas, está a dar-nos questões, e acho que  as pessoas também saem com essa ideia do espetáculo, saem a pensar muito,  a discutir o espetáculo, querem falar da peça. Em Portugal não temos tanto essa cultura, mas sempre que fazemos  o espetáculo fora há muita gente que quer falar sobre o espetáculo, e se, num dia, fora do país, temos um espetáculo em que não está muita gente, no dia seguinte vamos ter muitas mais, porque a palavra passou rapidamente e no dia a seguir, se calhar, já estamos esgotados. Estivemos agora em Atenas e, depois de termos estado lá cinco dias praticamente esgotados, está a ser considerada  a hipótese de lá voltarmos porque houve muita gente que não viu e que agora quer ver. Acho que tem a ver com a forma como o Tiago escreve, claramente, com  o impacto que há na cena final. Não podemos fugir a isso, é uma experiência quase imersiva que se tem no espetáculo. O público está a assistir a uma coisa e pode ou não reagir a isso. É sentir também que é um espetáculo de que fazemos parte, é um assunto cada vez mais presente; os anos passam, o texto continua igual mas está cada vez mais atual, e isso assusta-me um bocado. Mas acho que tem a ver com isso: as palavras vão passando de boca em boca e  a curiosidade vai surgindo. Fora de Portugal há muitos sítios onde ainda não fomos e onde as pessoas querem conhecer o espetáculo; já conhecem  o trabalho do Tiago e também há um voto de confiança.

A questão da temática da peça é um dos aspetos-chave, e não tem perdido atualidade, como disse. O público confronta-se com muitas questões que certamente terá no dia-a-dia, o que está a acontecer em termos sociais, em Portugal e noutros países.

São questões universais. É muito curioso, pois de cidade para cidade vemos públicos diferentes na forma como assistem a um espetáculo. Nos espetáculos que fizemos na Roménia, onde o casamento entre as pessoas do mesmo sexo não é legal, as pessoas reagem mais a isso. Na Grécia, as pessoas reagiam mais à violência das forças policiais. De país para país, vais vendo como a peça chega a todas as pessoas. Toca em vários pontos, e esses pontos fazem mais sentido em certos países, noutros não. Em Itália, por exemplo, fizemos o espetáculo duas vezes, em períodos distintos: a primeira em 2022, a segunda já em 2023, e as coisas já tinham mudado de forma radical. É muito rápido, e por isso é que é assustador. Nós vamos ter eleições agora em março e não sei o que pode acontecer. Mas, claramente, o facto de  o espetáculo ser extremamente político e tocar em vários pontos dos direitos humanos, dos direitos das mulheres, de igualdade, sentindo-se as pessoas chamadas – a luz de fundo sobe quando um ator começa a falar num monólogo bastante extenso para o público -, é normal que, a partir de uma certa altura, as pessoas comecem a ficar inquietas, comecem a não saber separar as coisas. Sabem que estão numa sala de espetáculos e que está ali um ator; no entanto, o ator está a dizer coisas que não são ficção, são cada vez mais a realidade. Eu própria, enquanto atriz, estando em palco, a primeira vez que ouvi esse texto fiquei em estado de choque também. Isto já aconteceu  a outras pessoas, que não reagiram, não barafustaram, ficaram coladas à cadeira, sem saber o que fazer, com as lágrimas  a correr, porque aquilo era extremamente violento e presente, e isso é assustador. Tudo o que há de mal está próximo, e isso assusta-me bastante.

Desde 2020 que tem protagonizado esta peça. Ao longo do tempo tem tentado acrescentar algo às personagens que interpretou, fazer pequenas mudanças?

Em 2020 fazia uma personagem e em 2022 comecei a fazer outra. Só aí há uma mudança brutal e há esse estímulo que os meus colegas não têm, pois estão com a mesma personagem desde 2020. Já nos conhecemos todos há tanto tempo, pelo menos no caso da Isabel Abreu, com quem já fiz o Sopro… trabalho com ela desde 2019, conhecemo-nos tão bem que sabemos que ao fazer aquela cena entre mãe e filha, que é uma cena bastante extensa, de 20 minutos, é muito texto, estão juntas e podemos atirar a frase de uma forma, recebê-la de outra, brincar. O facto de sabermos que todos os dias o espetáculo pode ser diferente, porque o texto também o permite – o texto não nos molda num tipo de interpretação, dá-nos um leque de opções gigante -, o facto de confiarmos uns nos outros. É impossível, agora, o Tiago estar presente em todas as digressões e, portanto, muitas vezes fazemos a digressão sozinhos e damos notas uns aos outros, desafiamo-nos, para em palco fazermos coisas diferentes e isto continuar a saber bem.

Tanto Catarina e a Beleza de Matar Fascistas como Sopro tiveram digressões internacionais. Como foi a experiência de levar estas duas peças a outros públicos?

A experiência tem sido incrível – muito dura, porque vais sempre num contexto de trabalho e tens sempre de gerir muito bem a tua energia porque, durante aquelas horas em que estás no teatro, toda a tua energia tem de estar concentrada ali. Estás num país diferente, numa cidade diferente, também queres fazer um bocadinho uma vida de turista, aproveitar que estás num sítio diferente e conhecer coisas novas, mas o que retiro mais dessas viagens é o espírito de família que criamos entre nós, e é por isso que sabe tão bem estar longe de casa, porque torna a experiência menos difícil. No ano passado tivemos uma experiência de três meses fora de casa, tendo uma família…. Tentamos criar uma rotina estando a viajar, e chegamos a casa e essa rotina que criámos sozinhos vamos ter de desfazer, porque voltamos à rotina anterior. É bastante duro nesse sentido. Mas é incrível conhecer teatros novos, pessoas novas, ver a forma como  o público reage. Em Itália aconteceu fazermos o Catarina e a Beleza de Matar Fascistas – na peça somos todas Catarina, há um momento em que, quando a minha personagem entra em cena, isso acontece com música, cantamos todos em coro, e como em Itália existe muito a cultura da ópera, a seguir a cantarmos a música, as pessoas começaram a aplaudir, como se fosse um musical. Culturalmente, vamo-nos deparando com uma série de coisas diferentes e temos de agir consoante o que está a acontecer, e é muito curioso ver os públicos tão diferentes. A questão da língua não é impedimento para nada porque há legendas e as pessoas que vão ao teatro ver espetáculos estrangeiros estão habituadas a fazer o jogo de ver  o que se passa em cena e seguir com  as legendas; portanto, achava que podia ser um problema, mas não é, de todo. Já fizemos um espetáculo na Coreia do Sul e as pessoas reagiam. Nós fazemos sempre um compasso de espera relativamente ao texto pois, se falarmos muito rápido, no nosso ritmo, as pessoas não conseguem acompanhar as legendas.

Já faz teatro há muitos anos. O que considera que mudou no teatro em Portugal desde que começou?

Desde que comecei a fazer teatro, sinto que cada vez mais – ou, pelo menos, estou mais atenta a isso neste momento – a vertente política tem estado presente nos espetáculos. Se calhar, porque os tempos o pedem e, portanto, também eu, enquanto espectadora e porque quero estar mais informada enquanto cidadã, procuro mais esses espetáculos. Acho que isso foi o que mudou mais até agora. Por um lado, ainda bem, porque nos consciencializa mais sobre o que está à nossa volta; por outro lado, ainda mal, porque quer dizer que as coisas estão a caminhar para um sítio onde temos de voltar a utilizar a arte como ferramenta para tentar chamar  a atenção das pessoas.

Sente que o público tem deixado o teatro um pouco de parte recentemente ou que as pessoas continuam a aderir?

Acho que as pessoas estão a ir mais ao teatro. Na experiência que tenho tido,  as salas estão bastante preenchidas. Quando vou ao teatro como espectadora, raras são as vezes em que as salas estão vazias. Não sei se é algo pós-pandemia ou se tem a ver com  a publicidade que se faz aos espetáculos, se a nível de marketing se tenta entrar num registo mais comercial para chegar a toda a gente. Penso que o teatro já não está naquele nível elitista em que só algumas pessoas têm acesso, penso que está cada vez mais acessível, e isso também atrai mais as pessoas. O problema é que as carreiras também são muito curtas. O número de espetáculos que estão em cena é sempre pouco em comparação ao que poderia acontecer e não sei se é por isso que as salas esgotam sempre, mas há sempre pessoas que têm espetáculos que ficam por ver, porque nunca há dias suficientes. Acho que a vertente política tem estado cada vez mais presente.

Se pudesse mudar algo em termos de políticas públicas relativamente ao teatro, até mesmo ao cinema e à televisão, o que seria?

Acho que o financiamento, acima de tudo. Infelizmente, não conseguimos fazer nada sem dinheiro, isso está mais do que provado. Ao mesmo tempo,  a série Emília, que fiz para a RTP em 2021 e que se estreou agora em 2023, é  a prova viva de que é possível fazer coisas sem dinheiro e sem tempo. No entanto, se tivéssemos tempo e tivéssemos dinheiro, se calhar,  o resultado seria outro, as fragilidades notar-se-iam menos. Não posso dizer que é bom fazermos sem dinheiro, porque eles vão dizer, “ah, boa, resulta sem dinheiro, portanto, vamos continuar assim”. Não, acho que deve haver um apoio, principalmente financeiro, não só para o teatro como para o audiovisual, para novos criadores e criadoras.

Tendo em conta que quem costuma ter mais acesso ao teatro vive nas áreas metropolitanas, o que pode ser feito para chegar ao interior do país?

Há cada vez mais teatros no interior. E, por exemplo, agora, com o Teatro Nacional D. Maria II, que teve de fechar para obras, toda a odisseia nacional é pelas zonas interiores do país. Esse trabalho está a ser feito. No caso do Catarina e a Beleza de Matar Fascistas também havia essa vontade, por parte do elenco e do Tiago, de podermos levar este espetáculo a todas as terrinhas, porque acho que é realmente importante. Existe essa vontade, esse trabalho está a ser feito, mas não tenho conhecimento suficiente para dizer porque não está a acontecer de forma mais massiva.

Já conta com alguns trabalhos em televisão. Emília é um dos que se destacam mais. É um projeto que aborda questões inquietantes para os jovens,  a coragem de tentar, as inevitáveis comparações com outros jovens. Diria que, ainda mais do que essas questões,  a série aborda o desafio de viver num mundo digital?

Tenho pena que as coisas estejam  a caminhar para esse sítio e tento muito lutar contra isso, sendo uma jovem atriz e estando a tentar trabalhar em audiovisual, em teatro e em cinema, e  a não querer que, de repente, as minhas redes sociais sejam o meu currículo. Mas, infelizmente, sinto que isso é algo que tem pesado cada vez mais. Nas redes sociais, o que importa é o que tu vestes, o que tu comes e onde, com quem te dás, os patrocínios que tens, e isso, sim, vai fazer-te crescer. Se não tens isso e não queres ter, se não queres fazer o teu percurso indo para esse sítio, a tua luta é muito mais complicada de vencer. É a realidade dos dias de hoje. Não sei o que aconteceria a muito influencer se o Instagram desaparecesse de repente. Gravei um podcast há pouco tempo e perguntaram-me o que gostava de ser se não fosse atriz, e eu não sabia responder, mas fui para casa a pensar nisso. Realmente, há muitas coisas que gostamos de fazer e não sabemos que podem ser profissão. Portanto, valido totalmente quem tem a profissão de ser influencer neste momento, porque dá dinheiro. Mas preocupa-me o futuro porque ficamos muito agarrados a essa ideia de agradar ao outro, porque somos um produto e estamos constantemente a vender, e, a partir do momento em que não vendemos, deixamos de fazer parte do mercado.

Atualmente existe esse lado de promoção que é quase colado à profissão. É uma perspetiva um pouco diferente da que existia antes das redes sociais.

Acho que sempre existiu, mas agora está bastante vincado com o aparecimento das redes sociais.

A dimensão é diferente.

Sim. Esta questão de para as novelas escolherem sempre as caras consideradas bonitas aos olhos das pessoas que avaliam – porque a beleza é uma coisa abstrata -, esse estereótipo de beleza  a que temos de corresponder para entrar nesse mundo sempre existiu. Agora está é à vista de todos e, se tiverem um maior número de seguidores nas redes sociais, se calhar há uma garantia de que se vai vender, e por isso é mais fácil apostar numa pessoa que garante o sucesso do que apostar numa cara nova.

Revia-se em algumas das questões com as quais a personagem em Emília se debatia?

Sim, revejo-me muito na Emília, principalmente no facto de querer ser atriz desde muito cedo mas nunca procurar sê-lo efetivamente. Não fazer os workshops, ter sempre medo de não ser boa o suficiente – e, se não tentar, provavelmente vou estar sempre protegida, porque não me vou deparar com o facto de não conseguir ou de não ser assim tão boa. Isso é uma questão que a Emília tem até decidir arriscar, por causa de uma rapariga que viu e pela qual passou a sentir um fascínio. Há um momento em que ela decidiu mudar de vida. Isso também me aconteceu quando comecei a estudar. Pensei: “Quero realmente isto, então tenho de trabalhar a sério.” Revejo-me nisso. Revejo-me também nas questões que ela tem sobre a relação com as pessoas. Sinto que ela se preocupa muito com o que os outros pensam e está numa fase de transformação, ou seja, começa a pensar no que ela quer, e não em corresponder só ao que os outros querem. A questão das redes sociais, de que já falámos… Depois, se calhar, também a questão da relação que temos com os nossos pais. Se calhar, em miúda achava que os meus pais eram péssimos porque não me deixavam fazer isto e aquilo, ou porque estávamos sempre a discutir, discordávamos em muitas coisas. Achava que falhavam enquanto pais. Hoje olho para trás e, claramente, eles fizeram e fazem o melhor que podem. Provavelmente, se um dia for mãe também vou falhar bastante. A relação da Emília com a mãe é muito importante também para mostrar esse lado de uma relação muito próxima, mas com um choque constante, que acontece diariamente com os nossos pais.

No cinema, no mês de março vai estrear-se o filme Diálogos Depois do Fim, do Tiago Guedes, cujo conceito parece ser muito interessante. O que pode revelar-nos sobre a sua personagem neste filme?

O filme parte de uma obra de conversas entre figuras mitológicas. Cada cinco páginas, seis, é um diálogo entre duas pessoas, um deus e um humano.  A minha personagem é uma ninfa e  o diálogo acontece no pós-vida, noutra dimensão que ali existe. No caso da personagem da Isabel [Abreu], é um depois da morte. A personagem dela,  a Safo, suicida-se, e ela achava que ao suicidar-se se deparava com um nada, que as coisas acabavam depois disso, e ela vai para um sítio que, para ela, é altamente monótono, e na minha personagem, a ninfa, a Britomártis, é um espaço de calma, de aceitação, de beleza das coisas, de natureza, e estamos num diálogo precisamente sobre isso, sobre  o que há depois da morte, e falamos também sobre o amor e o peso que  o amor tem em nós e no nosso corpo,  o amor não correspondido. O nosso diálogo é sobre isso.

Já tinha trabalhado antes com o Tiago Guedes e ele é um realizador que tem sempre conceitos para os filmes muito disruptivos. Quando recebeu o convite, o que a entusiasmou mais?

Só tinha trabalhado com o Tiago em teatro. E percebi que este filme se aproxima muito do teatro filmado também. Todos os planos que nós fizemos do filme eram feitos do início ao fim da cena, e a cena tinha 20 minutos. Isso aproxima-se muito do teatro. Isso despertou-me curiosidade. Também  a dificuldade das palavras, porque acho que não é um texto fácil. Acho que tem de se ter experiência em teatro para se conseguir trabalhar mais facilmente aquelas palavras. O facto de estarmos  a trabalhar em pares também, o facto de estarmos a filmar no meio da natureza, que nos impõe todo um universo. Esses foram os aspetos que me despertaram mais interesse. E, lá está, conhecer o Tiago numa outra vertente que não a do teatro. Embora este filme se aproximasse muito do teatro, é sempre um prazer poder cruzar-me com realizadores que sei que me vão ensinar. E não foi um convite, fiz self-tape. Acho que todos os atores e atrizes fizeram self-tape para o filme, para perceber se  os pares se encaixavam uns com os outros.

Quais são os seus objetivos para os próximos anos?

O que gostava mais de fazer neste momento, e posso alargar para  os próximos anos, é trabalhar em audiovisual, passar por essa experiência, experimentar televisão – acho que é uma escola incrível. Vive-se um ritmo que em teatro não temos. Em teatro preparamos, por vezes, as peças durante três meses, e podem estar duas semanas em cena. Em televisão recebes um dossiê com montes de folhas para decorares e, no dia seguinte, vais trabalhar muitas cenas e é tudo muito rápido e, se calhar, ao primeiro take. É  o que gostava mais de fazer neste momento: trabalhar em audiovisual e crescer enquanto atriz.

Internacionalizar a carreira é um objetivo que tem?

Embora possa parecer que tenha trabalhado muito e com muitas pessoas em Portugal sinto que ainda não trabalhei o suficiente, e gosto de ir com calma. Comecei a estudar teatro aos 17 anos – supostamente, começa-se aos 15. Gosto de fazer as coisas ao meu ritmo, sem forçar nada, não gosto de dar um passo maior do que a perna. O meu objetivo neste momento é estabilizar-me em Portugal e trabalhar cá, e depois, se acontecer, se houver uma proposta para trabalhar fora de Portugal, obviamente que vamos avaliar  a questão e, se me interessar o projeto, vou. Não vou fazer qualquer coisa porque não faço qualquer coisa cá. Há um rigor no que quero fazer enquanto atriz. Acho que é importante, principalmente quando estamos a começar, sabermos escolher e não aceitarmos qualquer coisa porque queremos visibilidade. Portanto, neste momento,  o objetivo é estabilizar-me em Portugal e uma coisa de cada vez. A internacionalização há de acontecer.

Artigo publicado na edição do NOVO de 3 de fevereiro