O Banco Central Europeu (BCE) admite que a economia da zona euro tem mostrado dificuldades e o cenário-base atual é o de uma recessão a fechar o ano passado, olhando para os indicadores de atividade e confiança mais recentes. A subida dos juros tem levado a uma quebra na indústria e serviços, embora com timings e magnitudes diferentes, mas, do lado dos depósitos, a reação tem sido bastante mais lenta.
O regulador financeiro europeu reconheceu recentemente as fragilidades que a economia tem mostrado, dedicando mesmo uma caixa temática do Boletim Económico de janeiro a esta dinâmica. A quebra foi mais evidente na segunda metade de 2023 e mais intensa no sector industrial, tipicamente mais sensível a subidas dos juros, embora o dos serviços também tenha reagido com algum atraso.
O documento explica que a “maior dependência da procura externa através do comércio e competitividade, as cadeias de fornecimento mais longas e a maior necessidade de capital produtivo” na indústria significam uma maior transmissão da política monetária às empresas neste ramo, que depois também impacta os serviços, dadas as ligações entre os dois sectores.
Perante esta interação, os representantes do banco admitiram a forte possibilidade de uma recessão no final do ano passado e de a situação não se inverter no arranque de 2024. O vice-presidente Luis de Guindos afirmou na quarta-feira que o cenário mais provável atualmente passa por uma recessão técnica a fechar 2023, enquanto Isabel Schnabel, membro do Conselho Executivo do banco, reconheceu que os indicadores de confiança e atividade estão a bater no fundo.
Apesar disso, “as projeções de curto prazo mantêm-se fracas”, completou a economista alemã, vista como um dos membros mais agressivos do BCE.
Já do lado da inflação, Schnabel mostrou-se mais otimista do que De Guindos, afirmando numa sessão de perguntas e respostas na rede social X, antigo Twitter, que a zona euro “estava em linha” para ver o indicador voltar a 2%. O representante espanhol do banco havia alertado para uma possível inversão temporária da desinflação.
“Efeitos-base positivos na energia vão fazer-se sentir e as medidas de apoio na questão energética vão expirar, levando a uma subida transitória da inflação”, afirmou em Madrid, na quarta-feira.
Recorde-se que Portugal registou uma inflação de 1,4% em dezembro, fechando o ano com 4,3%. A título comparativo, Espanha encerrou o ano com 3,1%, bem abaixo da taxa portuguesa.
Depósitos não acompanham
Apesar deste impacto negativo do lado da atividade, a subida de juros tem demorado a fazer-se sentir do lado dos depósitos, deixando empresas e famílias com menor suporte para manterem o consumo em rota de crescimento. Isso mesmo reconhece o BCE, falando numa “genuína transmissão mais reduzida da política monetária” nestes indicadores.
A baixa remuneração nos depósitos não é um problema exclusivamente português, embora Portugal seja dos países na zona euro que pior comparam neste departamento. A política ultra-acomodatícia dos últimos anos também ajuda a explicar este fenómeno, numa altura em que os decisores do BCE vão debatendo publicamente os timings dos cortes de juros que o mercado tanto antecipa.
Em outubro do ano passado, a taxa média nos novos depósitos a prazo de empresas e famílias foi de 3,7% e 3,27%, respetivamente, o que fica ainda longe dos 4% de referência. Nos depósitos à ordem, que tipicamente observam taxas mais baixas e menos sensíveis a alterações nos juros diretores, a diferença era ainda maior.
Esta resistência a subir as remunerações dos depósitos é explicada em parte pelo período anterior de política ultra-acomodatícia e taxas negativas, quando os bancos tiveram de manter juros nos depósitos acima dos referenciais abaixo de zero decretados pelo BCE. Ao mesmo tempo, a diferença entre as remunerações nos depósitos a prazo e à ordem levou a um fluxo considerável destes últimos instrumentos para os primeiros, com as famílias e empresas a procurarem condições mais favoráveis para as suas poupanças.
Artigo publicado na edição do NOVO de 13 de janeiro