Um dos casos que animaram a discussão pública na última semana foi a situação da sede do PCP em Aveiro, sede que o PCP ocupou, reabilitou, arrendou ao proprietário, cuja demolição vetou, comprou, demoliu, licenciou e, finalmente, permutou para que se pudessem vender apartamentos por meio milhão de euros sem conspurcar a imagem de castidade ideológica dos comunistas.

Começo por um mea culpa: escrevo aqui, e disse-o antes, que o PCP ocupou o edifício em Aveiro, algo que causou indignação aos deputados do PCP (e estupefação geral porque certamente ninguém pensaria que o PCP pudesse ter ocupado edifícios nessa altura). Apesar de vários órgãos de comunicação social, recorrendo a testemunhos da época, terem confirmado a ocupação, eu não tive o cuidado de verificar o mais importante e credível de todos, o Avante!. Aproveito então para corrigir a informação. O PCP não ocupou o edifício: fez uma operação especial de reabilitação com vista à desfascização da vivenda, tendo posteriormente chegado a um acordo pacífico com os proprietários para a arrendar.

Feita a correção, foquemo-nos no essencial. Primeiro, a questão da coerência do PCP. Não me parece ser o maior problema aqui. O PCP vive num país com propriedade privada e, tal como um liberal num país comunista não teria alternativa a usar as senhas de racionamento para comer, também o PCP tem de usar os meios que o capitalismo lhe dá para se financiar. É verdade que podia ter sido menos capitalista e colocado no acordo de permuta que o prédio só poderia vender habitação a preços acessíveis mas, com o resultado das últimas eleições, é normal que o aperto financeiro faça esquecer alguns purismos ideológicos. Em segundo lugar, pior do que um partido com más ideias que é incoerente é um partido com más ideias que é coerente, porque, nesse caso, aplicará mesmo as suas más ideias. Se a aversão teórica do PCP a nova construção tivesse encontrado coerência, na prática teríamos menos 30-40 pessoas com acesso a habitação em Aveiro. Se foi incoerente, ainda bem. Em terceiro lugar, até se pode disputar se a atitude do PCP é realmente incoerente com o seu ideal de sociedade. Nos países comunistas, o partido tudo tem e de tudo pode dispor para atingir os seus fins utópicos. Em Portugal, o PCP não é O Partido – é mais um partido -, mas fez com a sua propriedade aquilo que O Partido faria com a propriedade de todos. O que, de certa forma, é coerente.

Mais importante do que a coerência do PCP é a coerência da Câmara de Aveiro. Quando o PCP era só arrendatário, a câmara aceitou que a Vivenda Aleluia tinha um património arquitetónico a preservar, rejeitando a pretensão do proprietário da altura de construir um prédio de habitação no local. Depois de o PCP se tornar proprietário (certamente, pagando menos pelo edifício do que pagaria se fosse possível lá construir um prédio de habitação), a Câmara Municipal de Aveiro deu o dito por não dito e permitiu ao PCP licenciar um prédio de habitação. Ficam várias questões por responder: 1) O que mudou para a câmara mudar de posição? 2) Quanto poupou na compra e, portanto, ficou a ganhar o PCP com esta mudança de posição? 3) É frequente estas mudanças de avaliação acontecerem após a mudança de propriedade de um imóvel?

Deputado da Iniciativa Liberal