No dia 1 de abril de 1975, o Diário de Lisboa dava destaque ao início da campanha eleitoral das eleições para a Assembleia Constituinte, antecipando que iria arrancar nessa noite “uma série de iniciativas de propaganda direta, aproveitando as saídas dos cinemas e dos teatros e as carreiras de transportes públicos”. A notícia ocupava quase toda a primeira página do jornal e não era caso para menos: os portugueses eram chamados, pela primeira vez, a participar em eleições livres, por sufrágio direto e universal.

As eleições realizadas no dia 25 de abril de 1975 alteraram o rumo da revolução e ficaram para a História por várias razões – uma delas, o facto de terem sido as mais participadas da história da democracia, com uma abstenção de apenas 8%. Ou seja, 91,7% dos 6,2 milhões de eleitores recenseados foram votar para eleger os 250 deputados que aprovaram a nova Constituição.

Tudo era novo num país que vivia os tempos conturbados da revolução. A campanha eleitoral, a colagem de cartazes ou os comícios de vários partidos entraram na rotina dos portugueses. No dia 2 de abril já o Diário de Lisboa fazia manchete com a disputa de espaço nas ruas de Lisboa para colar propaganda. “A campanha abriu como se previa: com uma acesa guerra de cartazes em todo o país”, relata o jornal, que dá destaque a uma reportagem do jornalista e escritor Assis Pacheco com “os coladores de cartazes”.

Nessa reportagem, uma vendedora de jornais desabafa: “Não percebo nada disto. Só sei que vêm uns e colam cartazes, depois vêm os outros e põem por cima.” O jornal conta que, na primeira noite da campanha, Lisboa estava “inundada de baldes, rolos de colar, pincéis e, claro, cartazes”.

Os tempos de antena eram outra novidade das eleições realizadas em 1975, a que concorreram 12 partidos políticos. “Na altura, ainda não se faziam tempos de antena altamente sofisticados. Dois ou três dirigentes nacionais e distritais iam aos estúdios da RTP, no Lumiar, e falavam durante dez minutos para a câmaras”, recorda, nas suas memórias políticas, Freitas do Amaral, então líder do CDS.

Os partidos podiam gastar 80 contos por candidato na campanha, mas, relata A Capital, muitos candidatos pagavam do seu bolso as despesas com deslocações ou alojamento. Arons de Carvalho, deputado à Assembleia Constituinte, lembra que estas eleições foram vividas com “um grande entusiasmo” pelos partidos e pela população.

Um país “atordoado”

“Era tudo novo e despertava uma grande curiosidade da parte das pessoas. Havia algo de muito diferente e isso gerou um grande entusiasmo”, diz ao NOVO o ex-governante socialista, considerando que “o simples facto de haver liberdade na comunicação social deu grande ênfase à eleição e levou muitas pessoas a terem a ambição de votar. Muitas delas nunca o tinham feito”.

Os partidos davam, pela primeira vez, a volta a Portugal em campanha. Mário Soares, no livro Ditadura e Revolução, da autoria da jornalista Maria João Avillez, conta que encontrou um país “confuso e atordoado”, depois do golpe frustrado de 11 de março, que abriu a porta a uma deriva esquerdista espelhada nas nacionalizações e na ocupação de terras. “Percorri o país todo, incluindo as ilhas. Por vezes, encontrei resistências, não gostavam de mim, achavam-me pouco revolucionário e tentavam rejeitar a minha linguagem moderada”, contou, mais tarde, o fundador do PS.

Os discursos nos comícios traduziam a agitação que o país vivia e o que estava em causa nas primeiras eleições a seguir ao 25 de Abril. O PPD conseguiu encher o Campo Pequeno na primeira semana da campanha. “As eleições servirão para pôr termo à influência do monopólio de determinadas correntes de pensamento. Serão um modo de indicarmos a quem manda os desejos de quem é mandado”, afirmou Francisco Pinto Balsemão, num comício em que discursaram também Rui Machete, em substituição de Sá Carneiro (ausente da campanha por doença), Rodrigues dos Santos e Magalhães Mota. Num comício em Torres Vedras, Marcelo Rebelo de Sousa garantia que “a luta do PSD é límpida e serena, por um Portugal igualitário, solidário e livre”.

No mesmo dia, em Aveiro, Manuel Alegre rejeitou modelos “chineses ou soviéticos” e prometeu “o tal socialismo em liberdade que será único no mundo”. E Soares, condenando aqueles que não queriam eleições com “argumentos dignos de Marcello e Salazar”, garantiu que não podiam contar com o PS para “sancionar ditaduras, sejam elas quais forem”.

Tiros e feridos

Os portugueses aderiram com entusiasmo à campanha, mas houve momentos de tensão. O CDS, que no manifesto eleitoral se apresentava como “o único partido não socialista que concorre a estas eleições”, viu “comícios interrompidos à pedrada e ao tiro”, relata Freitas do Amaral, nas suas memórias políticas. Num comício em Guimarães, no Teatro Jordão, 22 feridos deram entrada no hospital “devido a incidentes no comício do CDS”, conta o DL de 20 de abril de 1975. No dia seguinte às eleições, na RTP, também Álvaro Cunhal se queixou de que “em regiões do país muito importantes não foi possível informar o povo”.

As eleições realizaram-se um ano depois do 25 de Abril de 1974 e ficaram para a História as longas filas para votar. Consciente de que a maioria dos portugueses nunca tinham votado, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) emitiu um esclarecimento a explicar aos eleitores que era necessário marcar “uma cruz dentro do quadrado que está à frente do nome e símbolo do partido que escolheu”.
Os eleitores deram a vitória ao PS, com 37,9%, o que correspondeu a 116 dos 250 deputados, mas a grande surpresa foram os resultados do PCP, com apenas 12,6% (30 deputados), e do MDP, com 4,5% (cinco). O PSD ficou em segundo, com 26,4% (81 deputados), e o CDS conseguiu 7,6% (16).