Disse no Congresso Nacional dos Economistas que o quadro de instabilidade em que vivemos aumenta o grau de responsabilidade de profissionais e cidadãos. Como é que se concretiza essa responsabilidade?

Os tempos de incerteza, a instabilidade que vivemos no plano internacional, no plano nacional, sistematicamente com aquilo a que os economistas chamam a produção de choques externos sobre a atividade económica, coloca, sem dúvida, muitos problemas, muitos desafios. É muito difícil fazer previsões. Aliás, vemos até mesmo em relação ao Orçamento do Estado [OE] de 2023; se olharmos para aquilo que era o enquadramento macroeconómico, as perspetivas, foi tudo alterado, tanto no plano das receitas quanto das despesas; pensava-se que era um défice e passámos a ter um excedente.

Nos últimos 20 anos, mas particularmente a partir da crise de 2008/2009, ninguém pensava que esta sucessão de acontecimentos se iria produzir. Ainda não tínhamos recuperado completamente dos efeitos que, aliás, de certa maneira, se prolongam [até agora] da crise financeira, vem a [pandemia de] covid-19, que teve impactos bastante fortes; ainda não se haviam esgotado os efeitos desta, vem a guerra [na Ucrânia]. Antes disso, o arranque da covid-19 tinha provocado o regresso da inflação, daquele terror que normalmente se tem relativamente à inflação. Quando, enfim, se estava a pensar que as coisas estavam sob controlo, basta olhar para aquilo que se dizia relativamente à inflação, que era um fenómeno passageiro, vem a guerra, que acelerou todas as tendências anteriores e colocou novos problemas. E, pouco depois, uma nova guerra no Médio Oriente, que pode ter impactos muito sérios.

Temos de olhar para as conclusões, não apenas para as discussões, mas para as conclusões, com humildade, com modéstia. Devemos estar preparados para, nos próximos dias, se calhar, rever uma série de posições que foram discutidas.

São obrigados a ter uma maior capacidade de reação e de adaptação. Foi por isso que no lema do congresso sublinhou os desafios do presente, em vez de projetar o futuro, como é norma?

Claro. Toda a gente fala nos desafios do futuro e isso pode significar que nos esquecemos do que é que temos de fazer já, porque é com as decisões de hoje que se constrói o futuro. Há sempre aquela ideia de pensar no futuro das novas gerações, etc, mas é hoje que nós temos de enfrentar os problemas, que temos de encontrar melhores soluções para o futuro.

Isso é um recado para os decisores? Temos tendência a protelar as decisões?

Temos tido. Acho que, hoje, de uma maneira geral, quem tem a responsabilidade política tem um certo medo. Os riscos são imensos e há um certo medo de errar, portanto, as decisões, sobretudo aquelas que implicam mais compromissos, são, muitas vezes, adiadas. Por várias razões, e penso que uma delas é mesmo o receio dos riscos, o receio de que se possa tomar uma decisão que venha a revelar-se desajustada ou tomar certas responsabilidades em que, depois, as pessoas possam ser chamadas precisamente por conta dessas responsabilidades. Há um certo medo, que é não é só em Portugal, que se traduz, por exemplo, na dificuldade em tomar decisões relativamente a grandes investimentos, e que se tem agravado. É evidente que a conjuntura cria condições favoráveis para que esse tipo de atitudes se manifeste, mas eu acho que temos de ultrapassar isso, temos de combater isso, porque é dramático para o país.

O país corre o risco de estar muito a olhar para os sucessos do presente – é inegável que a economia portuguesa teve performances muito significativas nos tempos mais recentes, com efeitos muito positivos a vários níveis, designadamente em termos das finanças públicas, que é uma das grandes questões, quer a nível interno, quer a nível internacional, mas atenção, o turismo é um sector muito volátil, depende muito da conjuntura internacional e tudo aquilo que se está a passar pode ter também consequências importantes. Nós temos de olhar para aquilo que são os nossos constrangimentos estruturais, que continuam a manifestar-se; Portugal confronta-se há duas ou três décadas com taxas de crescimento bastante baixas e é preciso inverter isso.

Quando digo que é preciso ter atenção à volatilidade, que estas coisas são passageiras, não significa menosprezar a importância que tem o reequilíbrio das finanças públicas, quer do ponto de vista interno, porque liberta recursos, permite ganhar folgas para fazer face aos problemas do presente, quer do ponto de vista internacional, porque é importante para nós ganharmos credibilidade. Julgo que houve e há muita preocupação do governo em [Portugal] aparecer como um país que cumpre e que está à frente.

Mas olhando para a economia e para os estrangulamentos de que falamos, teve como orador Vítor Constâncio, que antevê uma inflação controlada, mas também o regresso aos crescimentos anémicos. Estamos condenados a esses crescimentos baixos?

Nós não estamos condenados a nada, porque temos a nossa capacidade de intervenção, de olhar para o que está a acontecer, [ver] quais são as causas e procurar contrariá-las naquilo que são os efeitos negativos. Neste momento, quando olhamos do ponto de vista macroeconómico global, a dinâmica de crescimento da economia mundial mudou, deslocou-se para os países emergentes, particularmente para a zona do Pacífico. É natural que, se queremos convergência a nível internacional, que esses países tenham de crescer mais, agora, o problema não é eles crescerem mais, o problema é nós estarmos estagnados e, sobretudo, estarmos, do ponto de vista económico e em muitos aspetos, em regressão.

A intervenção do Vítor Constâncio foi, do meu ponto de vista, notável. Ele chamou a atenção precisamente para esses riscos; entrámos num período de crescimento muito baixo, com inflação, embora a tendência seja para inflação diminuir, até porque se pode produzir ou acentuar uma recessão, e ele disse isso perfeitamente: podemos estar em vésperas de uma nova estagflação. E ele diz, também, claramente, que temos um novo normal, temos de olhar para a economia, para aquilo que ela produz, e, provavelmente, 3% [de inflação], neste momento, talvez se justifique mais do que os 2% [de referência dos bancos centrais], porque permite atenuar a tendência que a política monetária atual tem para ter uma postura restritiva, recessiva, que pode efetivamente prolongar e contribuir para uma recessão muito forte na economia global e, particularmente, na economia europeia.

Quais foram as principais linhas das conclusões do Congresso Nacional dos Economistas?

O congresso foi muito diversificado do ponto de vista das temáticas; muita coisa ficou, mas eu acho que há uma ideia geral, que pode resumir tudo, que é nós não podemos ficar parados a ver como é que as coisas vão correr, temos de intervir.

Julgo que é importante dar atenção, num plano mais geral, à necessidade de evitar que a economia mergulhe numa recessão de consequências, de facto, imprevisíveis. Há a necessidade, também, de uma coisa que que é importante no plano económico, que é isto: num quadro em que a tendência é para a fragmentação, para a desglobalização, para o ressurgimento das tendências nacionalistas, é importante nós termos uma postura calma, sensata, e procurar contrariar isso. É importante pensar as coisas naquilo que nos diz mais diretamente respeito; a Europa tem de pensar verdadeiramente em como evitar que novamente mergulhemos numa recessão profunda. Penso que o BCE, com a [última] decisão, de não aumentar as taxas de juro, que eu acho que já não o devia ter feito na reunião anterior, tomou uma decisão importante. Mas atenção que a economia não vive só da política monetária, há outras políticas e tem de haver um grande esforço de integração; a política orçamental, quer em Portugal, quer no contexto europeu, é importante.

É importante resolver problemas imediatos, dar resposta, de facto, aos efeitos mais negativos sobre os mais desfavorecidos, sobre as empresas, mas também do congresso saiu esta ideia de que nós, nos últimos tempos temos, temos estado muito presos a resolver problemas, a atender a isto, a atender àquele, e muitas vezes damos resposta aos problemas em função de quem grita mais, de quem tem mais força, e tem de haver tempo de pensar também as coisas de forma estrutural. [É preciso] articular as respostas que estão a ser dadas agora, mas sem descurar esta visão de natureza mais de médio e longo prazo.