Afinal, não tinham sequer passado 25 anos desde que um e depois o outro tinham sido encarregados pelos respetivos partidos de dar o seu melhor onde a vitória era impossível. E ambos descobririam, nesse mesmo palco, que às vezes não ganhar é mesmo o melhor resultado. Não será portanto de espantar que Loures fosse uma excelente forma de quebrar o gelo quando o já experimentado António se sentou à mesa com o recém-lançado para a ribalta André, meio ocultos pela meia-luz e pela disposição das casas lisboetas que ainda preservam a discrição.

Partilhavam a licenciatura em Direito, a ambição de governar o país e a tal derrota para a CDU, que nem a paródia da corrida entre um burro e um Ferrari destronou na figura de Demétrio Alves, em 1993, nem a verbalização do que muitos acreditavam sobre os pecados do tecido social da cidade venceu, quando representada por Bernardino Soares. Tinham também em comum a experiência da vereação assumida na derrota autárquica lourense, o discurso inflamado de uma convicção capaz de contagiar multidões e até traziam ambos o Benfica no coração.

Foi por isso, com naturalidade, que se entenderam tão bem que logo ali estabeleceram um gerongonceiro acordo, selado a brinde à mesa de um bar, com uma estratégia que beneficiaria ambos.

António traria diariamente o nome de André na boca, anunciando-o como o diabo – e como se sabe, a principal característica deste é a sua capacidade de sedução, pelo que o epíteto, mesmo que falso, o ajudaria a reunir uma legião, secando a concorrência que ainda se considerava uma alternativa de peso. Ainda mais, porque o próprio António iria semeando o caos, dividindo a maioria do povo entre uma maioria de fiéis cegos – que continuariam a apoiá-lo independentemente da sua capacidade destrutiva de valor e de valores – e os desesperados que estariam capazes de ver no próprio diabo melhor solução para sair da espiral destrutiva de nove anos de extremismo ideológico bacoco, demagogia, degradação e paralisação. Nem uns nem outros entenderiam, no meio do caos, de que lado da mesa se sentava o verdadeiro arquiteto do plano.

Cego pela própria vaidade, António não seria porém capaz de antecipar duas coisas: tropeçar ele próprio nas redes em que foi capturando igualmente aqueles que lhe podiam servir os intentos e os que lhe ofereciam risco, e que André começasse a libertar-se aos poucos da maquilhagem diabólica, revelando-se afinal uma alternativa para muito mais do que os revoltados e os traídos do sistema.

Que se saiba, António e André nunca chegaram a entrar juntos num bar, mas o que temos sobre a mesa, a meros dois meses de se decidir nas urnas quem irá governar o país – depois de a maioria absoluta apontada como remédio de estabilidade política e vitaminadora de um ímpeto reformista que nunca aconteceu –, poderia bem ter sido assim desenhado.

A 11 de março, há uma grande probabilidade de Portugal acordar com uma impossibilidade governativa: uma Assembleia dividida em três partes – a esquerda radical a que Pedro Nuno Santos não conseguirá nem quererá fugir, a direita reunida na Aliança ressuscitada por Luís Montenegro e o reforçado Chega com um André Ventura disposto a mostrar finalmente ao que vem –, mais umas sobras que não fecham contas para nenhum dos lados.

Num país atrasado, amarrado à caridade do Estado e enredado na teia burocrática e estatizante que se teceu na última década, a indefinição só poderá ser vencida se a sociedade civil se libertar de vícios e indiferença, engrossando a voz na exigência de reformas há demasiado tempo adiadas em nome de votos e clientelismo político.

Os governos de Costa fizeram o país limpo de gorduras que encontraram perder uma década. Pior, atrasaram Portugal num contexto de paz social, com dinheiro a rodos, quase sem oposição e com as condições ideais para operar reformas e impulsionar a criação de riqueza. Mas o que foi semeado nesse tempo pode votar-nos a muito mais tempo perdido – e irrecuperável. Ainda vamos a tempo de evitar o pior.

Diretora