Quem é a Ana Lua Caiano para quem não te conhece?
Sou uma cantautora que mistura um bocadinho a música tradicional portuguesa com música eletrónica e escreve canções. No fundo, é isso.
Começaste a interessar-te pela música e a aprender piano com seis anos. Esse gosto era-te incutido dentro da família?
Sempre gostei muito de música e sempre que ouvia música, principalmente portuguesa ou brasileira, como eram músicas de que percebia a letra, gostava muito de replicar e até tentar imitar os cantores. A música inglesa entrou mais tarde, porque a língua não era tão familiar. Mas sempre gostei muito de música e, depois, foi a que escolhi. Os meus pais queriam que fosse para música. Não obrigatoriamente, mas gostava do piano, queria experimentar. Sempre ouvi muita música e acho que isso também me influenciou para querer tocar qualquer coisa.
O que ouvias?
Quando era mais nova ouvia muita música portuguesa, principalmente Zeca Afonso, Sérgio Godinho, Fausto… Estes foram os autores que me ficaram mais marcados, precisamente pela língua. Também ouvia muito Chico Buarque. Caetano Veloso, ouvia sempre muitas coisas… Mais tarde comecei a interessar-me por Björk, Portishead… Comecei a querer sair, procurar e interessar-me por coisas diferentes. Procurei assim tudo o que conseguia.
Porque escolheste a música?
Como ouvia muito esses cantautores, que pegaram em muitas músicas tradicionais portuguesas e fizeram interpretações como o Milho Verde ou a Senhora do Almortão, sinto que, quando comecei a compor, essa tradição musical apareceu na minha composição muito naturalmente. Ou seja, não foi uma coisa que pensei que queria explorar em termos musicais, mas simplesmente a compor, que, para mim, nunca tem a ver com acordes. Apesar de saber tocar piano, gosto de compor sem nada, sem nenhuma base, para não me deixar influenciar pelas bases harmónicas. O jazz acabou por influenciar e entrar na minha música de forma orgânica.
Aos dez anos passaste a dedicar-te ao jazz, no Hot Clube Portugal. Em que medida te influenciou?
Como comecei, desde muito cedo, a improvisar, não tinha assim muito jeito para improvisar em jazz… Aprendes algumas técnicas e sinto que isso fez com que ficasse mais à vontade também a compor. No jazz improvisam um bocado em tempo real e sinto que, nas atuações e em algumas músicas, também improviso em termos vocais, principalmente na minha composição, que é o período mais livre, em que não tenho nenhuma regra. Acho que essa base de tentar encontrar caminhos diferentes ou tentar fazer coisas diferentes com a voz vem muito dessa aprendizagem.
Quantos instrumentos tocas?
Não sei contabilizar bem… Em palco tenho um sintetizador, um teclado midi, um bombo tradicional e um adufe. E, depois, os instrumentos mais pequenos de percussão: castanholas, brinquinho da Madeira…
Estudaste Design de Comunicação e, em 2022, lançaste o teu primeiro EP, Cheguei Tarde A Ontem… Foi a pandemia que te mudou os planos?
Acho que foi um bocadinho a mistura dos dois. Um bocadinho antes da pandemia, em 2019, andava a querer explorar outros tipos de música e fiz pequenos cursos relacionados com música concreta ou composição com elementos não tradicionais, sons do dia-a-dia ou workshops de sintetizadores e microfones de contacto. Enquanto estava a estudar, o curso de jazz era só uma vez por semana. Depois entrei no curso normal, que era de quatro anos… Portanto, acabei por ficar quase sete anos, um mais intenso do que o outro. Depois comecei a interessar-me por música eletrónica, a explorar coisas um bocadinho mais diferentes, e veio a pandemia. Nessa altura tinha alguns instrumentos tradicionais, porque já compunha para algumas bandas. Sempre que compus, as composições já eram de cariz mais tradicional, só que nunca tinha tido a oportunidade de explorar muito, até porque era uma novidade para mim explorar os sintetizadores e tudo o mais, ainda que eu ouvisse muita música assim. Só em 2019 comecei mesmo a explorar e a querer procurar novos sons. Em 2020, como tinha essa vontade de explorar novas coisas e já tinha essa herança da música tradicional, acabaram por unir-se as duas coisas nessa altura.
Já tinhas essa noção de que poderia ser um som diferenciado?
Nunca pensei muito sobre isso, até porque foi um período de muita exploração sem nenhum objetivo, porque não havia ninguém a quem mostrar. Era só mesmo uma coisa feita por mim para mim. Depois tive vontade de tornar esse projeto um bocadinho mais sério e mandei um email com as demos que tinha para uma editora. Até quando comecei a fazer as músicas, nem tinha pensado que ia tocar sozinha. Depois acabou por surgir. Foi acontecendo.
Tanto que o teu mais recente single,
O Bicho Anda Por Aí, foi lançado este ano, mas as raízes vieram dessa época da pandemia…
Acho que essa música e a maior parte das músicas, mesmo dos meus outros EP, foram feitas em 2020. Apesar de estar a estudar duas coisas, foi um período de muita criação e, de repente, não se podia fazer mais nada. Todo o tempo livre que tinha era direcionado para as canções: portanto, muitas músicas surgiram nesse período. O Bicho até acho que foi uma música que surgiu um bocadinho mais tarde que as outras. Era um bocadinho um objetivo de refletir sobre mim, sobre alguns problemas trazidos pela pandemia… Não necessariamente pela pandemia, mas sinto que muita gente ficou afetada por esse período e, até hoje, ainda se veem algumas pessoas com máscara. A pandemia levantou problemas que nós, se calhar, nunca tínhamos pensado tão bem neles e, de repente, começaram a ser um problema quase diário. Mas essa música, além de ter esse significado… Por exemplo, o bicho também pode ser um ditador ou uma força superior. A minha ideia também é que não fique propriamente claro; tem esse primeiro significado, mas também pode ter outros significados e outras ideias. Precisamos de lavar os cabelos e as ideias. Tanto pode ser relacionado com um bicho como com uma pessoa que não nos deixa pensar. Não sei. Tem, sim, vários significados. O primeiro sentido é logo esse, obviamente que foi escrito como uma reflexão sobre isso, mas também sobre outras coisas que podem vir associadas.
Tens uma identidade visual muito única. Essa vontade de ter uma imagem só tua começou na faculdade?
Não sei. Nunca tinha pensado em ter um projeto a solo ou ter uma coisa tão minha. Antes da pandemia, sempre que compunha, ia tendo várias bandas e compunha letras e melodias, levava a banda e depois trabalhávamos tudo em conjunto. A estética da banda era desenvolvida em conjunto. Nunca pensei sequer em ter um projeto a solo com o meu nome, foi mesmo uma coisa que surgiu na pandemia porque, como não podia tocar com ninguém, não estava habituada a essa maneira de trabalhar, porque só tocava piano. Não sabia fazer mais nada. Precisava de outras pessoas para tocarem comigo. Depois comecei a produzir e a criar as composições e foi nessa altura que ia fazendo canções. A minha irmã ia também e ia fazendo vídeos. A identidade visual dela também começou a colar-se um bocadinho à minha identidade musical e isso contribuiu um pouquinho para incitar a esse gosto.
A tua formação em Design de Comunicação influenciou-te?
Sim, sim, sim… Na faculdade fiz muitos trabalhos também relacionados com vídeo e ainda faço os desenhos, faço quase tudo… Tive a oportunidade de explorar muitas coisas, porque, apesar de ser de Design de Comunicação, houve ali uma altura em que podíamos fazer qualquer coisa desde que, no final, fizéssemos um cartaz ou uma brochura, uma coisa para enquadrar… Eu fazia vídeos, fazia música para os vídeos, coisas mais experimentais. Aí comecei a sair um bocadinho da coisa do jazz e a explorar coisas também minhas, mas diferentes.
Há cada vez mais artistas a juntar música eletrónica com aquela sonoridade mais tradicional: Rita Viana, Iolanda, Ana Moura… O que te parece esta revolução musical de que também fazes parte?
É superinteressante as pessoas estarem a pegar em coisas antigas ou tradicionais e a trazê-las para outras sonoridades e outros tipos de abordagem que antigamente não existiam. Nós temos algumas gravações que foram feitas no século passado, mas trata-se de uma tradição que, durante a maior parte do tempo, foi uma tradição oral, que não era registada. Portanto, só podemos imaginar a quantidade de mutações que teve. Sinto que hoje em dia, por exemplo, pode-se gravar música tradicional com loops e, de repente, isso, por si só, já é uma inovação que pode trazer outras ideias que antes não eram possíveis. Acho que a tecnologia é tudo, influencia sempre a música. Acho muito bom que diferentes pessoas estejam a pegar na música tradicional, a fazer coisas diferentes… A Iolanda é um bocadinho mais pop, Ana Moura um bocadinho mais fado… Cada pessoa tem a sua identidade diferente, mas acho que é muito bom estarmos a pegar nisso e a construir um novo caminho para a música tradicional.
Como te identificas enquanto artista?
Acho que posso dizer algumas coisas que me influenciam, mas é difícil dizer exatamente aquilo que me define… Acho que a minha música é uma união – mais ou menos óbvia, ou não – da música tradicional portuguesa com algumas coisas de eletrónica. Acho que da música tradicional portuguesa vêm algumas ideias rítmicas e de harmonias e da utilização da voz como principal elemento: muitas vezes, a harmonia casada com a voz, e não contra outro instrumento. Isso depois depende, obviamente, do som…
Quem influencia a tua música, além de Zeca Afonso, Sérgio Godinho, Fausto…
Da música mais moderna, Portishead, Silver Apples, Kraftwerk, Laurie Anderson… Normalmente, quando ouço música é um bocadinho por obsessões; ouço um álbum muito intensamente, durante um ou dois meses, e passo a outro. Sinto que as coisas de que vou gostando me vão influenciando sempre de alguma forma. Não penso depois que quero tirar nenhum elemento e pôr, mas são sempre coisas que ouço e que, de alguma forma, podem estar presentes, mais ou menos diretamente. Recentemente tenho gostado muito de uma artista espanhola, a Marina Herlop, que é assim mais experimental. É sempre uma descoberta diária.
Quais são os maiores desafios nesta tentativa de misturar o tradicional com a eletrónica?
A música tradicional tem uma característica que é os ritmos serem muito orgânicos… Se eu, por exemplo, tocar um tambor várias vezes, não vai fazer sempre o mesmo som, mas, na música eletrónica, em termos de batidas, é sempre a mesma coisa. Se calhar, o maior desafio, que acabo por ultrapassar rapidamente, porque não penso assim muito, é esse: um ritmo que é muito mais constante e muito mais regular, que se calhar não tem tantas variações sonoras quanto um ritmo mais tradicional e mais orgânico… Se calhar, é da junção dessas duas coisas de que gosto, ver como é que pode ser meio eletrónico e ainda tradicional ou tradicional e eletrónico. Depois há músicas que são mais eletrónicas, outras mais tradicionais…
Em que pensas quando compões?
Normalmente, as primeiras ideias das músicas surgem sempre num momento de silêncio ou de espera. É raro ir para estúdio e dizer “hoje vou compor qualquer coisa”. Isso não acontece. Normalmente, estou à espera de alguma coisa ou não consigo dormir e começo a cantar e vou gravando ideias. Essa é a primeira fase da composição. Depois existe uma parte mais racional, em que vou para estúdio, ouço as gravações, seleciono partes que me interessam, começo a pensar que esta música pode ter 120 bpm. Começo a fazer um ritmo, já ponho um sintetizador… Começo a brincar com essa melodia que já tinha aparecido e vou afinando. Depois sinto que a produção vem logo nesse momento inicial, porque é mais fácil para mim definir o resto da letra e da melodia se já tiver uma base grande. Ou seja, ponho logo montes de ritmos e só depois é que acabo… Muitas vezes, já tenho quase a música toda e ainda não acabei a melodia. Vem assim um bocadinho tudo junto.
Gostas mais de escrever sobre coisas que acontecem à tua volta?
Sinto que, principalmente neste álbum, como é um conjunto de músicas maiores, nota-se mais que as minhas canções são um bocadinho uma reflexão sobre aquilo que nos rodeia. São influenciadas pelas notícias, por coisas que ouço, conversas que vou ouvindo no metro, aqui e ali… Isso acaba por influenciar muito as minhas letras.
A tua música tem um caráter muito interventivo…
Sinto que algumas músicas são interventivas e sarcásticas. Escrevi-as com uma intenção e, depois, cabe a cada pessoa ouvir e perceber se percebe assim ou não. Mas sim, sinto que muitas são um bocadinho uma crítica sobre certos aspetos da sociedade ou, pelo menos, para refletir sobre eles. Depois, cada um tira as conclusões que quiser.
Tocas, escreves, compões… És uma artista muito completa. Há alguma fase do processo de que gostas mais?
Gosto muito da fase de produzir, essa fase de definição final da melodia, da produção. Essa é a parte de que mais gosto. Depois há uma parte mais final da produção, que é o aperfeiçoamento, de regravar coisas que não estão tão bem… Essa parte já não sou eu a fazer, a mixagem. Na produção há uma parte mais livre e há outra em que tenho de começar a limpar, porque, nessa parte da composição inicial, gravo muitas coisas assim um bocadinho ao calhas. Nas fases finais tenho de gravar bem e já tenho de cortar coisas… Essa parte de limpeza é a parte mais chata [risos], não tão divertida, mas também é meditativa, porque é muito tempo a olhar para as coisas… É uma coisa mais racional.
Editaste em 2023 o Se Dançar É Só Depois. Como olhas para estas duas experiências?
Acho que foram experiências muito boas. Estas músicas foram feitas mais ou menos na mesma altura, só que, apesar de tudo, foram produzidas em períodos muito diferentes. Algumas foram produzidas em 2023 e as outras mais durante 2022; portanto, as influências nessa finalização da produção acabam por ser um bocadinho diferentes e há diferenças entre os dois álbuns porque foram feitos em momentos diferentes. Mas sinto que este álbum acaba por ser uma continuação estética do anterior, ainda que tenha algumas diferenças. Gosto muito do rumo que as coisas estão a levar. Gostei muito de trabalhar nos dois EP…
Sentes que estás a amadurecer enquanto artista?
Sinto que, pelo menos, estou mais confortável a produzir. Nos primeiros EP, ainda produzia tudo sozinha. Nessa parte da finalização, de depurar coisas, regravar, não tinha paciência nem conseguia, porque há uma parte às vezes um bocadinho difícil, quando ainda não se dominam bem certos programas, certas formas de fazer música, ou quando se está muito tempo numa coisa e não se sabe bem o que falta… Nesses primeiros dois discos senti a necessidade de ter alguém nessa fase final a ajudar-me. Neste, já não tive ninguém… Sinto que estou mais à vontade, aprendi muito com eles e gosto de fazer o processo também sozinha. Não sei, gosto de trabalhar sozinha.
Tens recebido ótimas críticas e foste considerada artista-revelação. Estavas à espera deste percurso tão rápido?
Não. [risos] Tinha 15 anos quando percebi que gostava de compor e sempre tive a necessidade de compor e de partilhar, de arranjar uma banda para tocarmos aqui e ali. Sempre tive essa coisa… Gosto de ter objetivos, de sentir que acabo as canções e posso passar para as próximas. Tive sempre essa necessidade de finalizar as coisas e mandá-las cá para fora, nunca pensei muito no que vinha a seguir. A minha primeira editora, a Chinfrim Discos, é que me disse que, se calhar, era melhor ser um EP primeiro, depois esperávamos… Eu queria logo pôr tudo pronto… [risos] Eles é que começaram a dizer que primeiro seria um single… Essa visão mais empresarial ou a longo prazo das coisas… Eu só quero que as coisas saiam para eu poder fechá-las. Agora que fechei o disco, já comecei a trabalhar em novas canções, o que já não acontecia há algum tempo, por estar a produzi-las. Às vezes é difícil, mas faz parte e gosto imenso. São fases diferentes, mas é bom para começar a pensar o próximo projeto.
O que sentes quando terminas uma composição, uma música ou um trabalho, seja um EP ou um disco?
Antes de sair, há assim uma ansiedade grande, porque é muito tempo a trabalhar numa coisa… Muito poucas pessoas ouviram e, de repente, quem quiser pode ouvir. É assim um bocadinho expor-nos um bocado, mas, depois de sair, acho que é um alívio… Um alívio no sentido em que é muito trabalho, muita acumulação de coisas que se tem de fazer e finalizar em todos os níveis. Há muitas coisas mesmo atrás de um lançamento, além de fazeres as músicas e finalizares os discos… Acabar tudo é muito bom e é muito recompensante.
A imagem que o público tem de ti corresponde àquela que queres passar? Tens sequer uma imagem que queres passar?
Não sei, acho que não… Acho que a parte estética é muito importante, a parte musical é muito importante e, depois, é só partilhar o meu trabalho… As pessoas é que criam a persona. Aquilo que me interessa é a música…
Sentes que já tens um público só teu?
Sinto que vêm mais pessoas a concertos que já sabem as canções e isso é superbom, mas não sei se consigo colocá-las numa caixa, porque depende imenso do sítio. Se estou, por exemplo, em Lisboa ou no Porto, a tocar num clube, há pessoas muito mais jovens, que encaram a música como um local para dançar. Existe esse tipo de público. Quando vou a teatros, há pessoas que vão e conhecem as canções, vão com os filhos e os filhos gostam de ouvir… É engraçado, porque sinto que, dependendo dos sítios, já é um público um bocadinho diferente.
E como encaras a música?
Acho que as minhas canções, apesar de serem uma visão que tenta refletir sobre a sociedade, acabam por ter muito ritmo… Apesar de, por vezes, não serem canções propriamente alegres. Eu não as canto propriamente com alegria, mas ainda não escrevi propriamente uma música triste, sem ritmo, só com uma coisa… As canções são muito sarcásticas e, ao mesmo tempo, muito animadas…
Achas que o teu público gosta?
Acho que sim e isso também me dá mais energia. Quando há esses concertos em que as pessoas podem dançar é mais fácil sentir a energia do público. No teatro, mesmo que as pessoas estejam a gostar, não as vejo, muitas vezes, e é mais difícil alimentar-me da energia das pessoas.
Foste uma das convidadas para os 50 anos do 25 de Abril, na final do Festival da Canção. Como surgiu o convite?
Acho que foi o Nuno Galopim que me disse que o Filipe Melo me tinha convidado e fiquei supercontente mesmo, porque, de repente, estava ali no meio de músicos que já admirava tanto e, sei lá, havia sempre assim uma certa distância, no sentido em que nunca pensei que pudesse partilhar um palco com eles. De repente, poder estar com eles, com pessoas com estilos musicais e formas de abordar a música tão diferentes, é superenriquecedor. Fiquei mesmo muito, muito contente.
Foi um convite inesperado?
Foi! Foi muito inesperado, porque foi assim perto do acontecimento. Não tivemos assim tanto tempo…
Marcou-te?
Sim, marcou-me. Acho que é isso, poder estar com tanta gente tão experiente, eles terem-me convidado para estar no meio dessas pessoas… Sentia-me assim pequena ali no meio, mas receberam-me todos superbem.
Ainda por cima num palco como o Festival da Canção…
Sim! É um palco intimidante, muito intimidante.
Estiveste, de certa forma, a representar as gerações mais novas. Achas que os mais jovens se interessam pela música tradicional portuguesa?
Acho que sim. Acho que, cada vez mais, a música tradicional tem ficado no centro da música, há cada vez mais abordagens à música tradicional. Portanto, sinto que os jovens também se interessam e ouvem mais.
Já pisaste palcos nacionais e internacionais. Vais apostar numa carreira internacional?
Este ano vai ser um bocadinho um misto das duas. Tenho sempre concertos cá, mas também tenho lá fora. Gosto muito de tocar cá, é mais perto de casa. Tocar lá fora também é uma experiência superdiferente, mas também superboa, porque é diferente, as pessoas não percebem, não é? Existe outro tipo de interação e ligação que tenho de construir com o público, que é diferente, que é, se calhar, menos direta… Vai ser assim um equilíbrio entre ir lá fora e cá.
O que tens planeado para 2024?
Vou continuar a tocar e a compor. Não tenho assim nenhum objetivo ou nenhum prazo. É ir compondo e ver o que aparece…
Já começaste a compor coisas novas?
Tenho coisas de trás, há sempre coisas de trás… [risos] A música é isso, demora dois ou três anos. Há sempre coisas de 2021, 2022, 2023 e, agora, 2024… Vamos ver o que vem agora.
Descobri recentemente que és filha do Gonçalo M. Tavares, que tem por hábito escrever coisas, guardar e, muito tempo depois, voltar a pegar nelas. Isso acontece com a tua música também?
O período de fazer as canções demora muito tempo. Em 2020 e 2021 tive de escolher as canções em que queria focar-me e guardar outras para depois. Não foi uma questão de amadurecer… Também pode ter sido porque, depois, a produção e toda a abordagem que tenho vai ser muito diferente se deixar passar algum tempo. Essas coisas são muito diferentes. Sinto que existe uma evolução nesse sentido, mas faz parte também do próprio tempo. O cinema, por exemplo, ainda é uma arte em que as coisas, às vezes, demoram cinco, dez anos desde que foram feitas até saírem. Existe sempre, inevitavelmente, esse período de espera. Há outras canções que estão em lista de espera e que já queria lançar, mas que tenho de guardar… Essa espera é sempre boa, no sentido em que vou olhar para essas canções já com o conhecimento e abordagem que agora tenho.
Quando revisitas esses trabalhos mais antigos, costumas alterar letras, melodias, a composição, ou deixas tudo como está e pegas onde deixaste?
Depende. Normalmente, a letra já ficou fechada… Às vezes altero coisas e acho que o modo é regravar certas coisas. Há ideias que mantenho, outras que não, em termos melódicos ou rítmicos. Há umas que, se calhar, não fazem sentido… O que fica mais quando essas canções já estavam fechadas é a letra e a melodia, alguns elementos que acho engraçados… Muitas vezes, as músicas não ficaram acabadas, estão nessa fase inicial em que as coisas não ficaram bem gravadas. Ou seja, é um bocadinho voltar a um momento de criar, de produzir outra vez e aperfeiçoar as coisas. Por vezes sai uma coisa um bocadinho diferente.
O que podes dizer-nos sobre este quadrado em que queres ficar?
O nome do disco tem a ver com o nome da canção, que fala um bocadinho sobre um quadrado… Foi um bocadinho inspirada numa teoria situacionista que estudou o percurso das pessoas na cidade. Ao longo do ano, apesar de fazermos poucos desvios, a nossa rotina acaba por estar inserida numa forma geométrica, num quadrado, porque vamos para o trabalho, àquele jardim e a casa… Apesar de, às vezes, irmos a outro café ou a outro sítio, no final do ano acaba por ser uma forma geométrica bastante delineada. O objetivo da canção e do disco é pensar, não necessariamente dizer que vou ficar neste quadrado, mas pensar sobre o que é este quadrado. Será que é orgânico? Será que não é? Será que é fixo? Será que eu quero sair? Será que não? Levanta perguntas.
É um exercício de reflexão sobre a tua vida, a sociedade, como tu vês o mundo hoje em dia…
Sinto que é isso, que acaba por ser um reflexo de problemas e de coisas que vou sentindo e vendo e que acabam por surgir nas canções.
Tens alguma música favorita no álbum?
Acho que não. Não posso… [risos] Não sei. Trabalhei tanto nelas, mas vou escolher a Vou Ficar Neste Quadrado, porque é o nome do disco. Mas trabalhei tanto nelas que é difícil… São dez canções únicas.
Achas que o mercado musical português recebe bem os novos artistas?
Este projeto correu bem, não posso queixar-me, porque acho que fui bem recebida. Agora sinto que, quando estava com outros projetos, foi mais difícil arrancar e arranjar locais para concertos. Existem palcos muito grandes, existem palcos para artistas intermédios, mas sinto que não existem tantos sítios para pessoas que estão a começar a tocar, porque existe sempre o objetivo de conseguir bilhetes… Quando um músico está a começar, o objetivo não devia ser capitalizar a coisa. A cultura não tem de gerar dinheiro, não iria correr bem. Se fosse só esse o objetivo, iríamos ter peças de teatro sempre iguais. Acho que o que falta é haver esses sítios, com apoios da câmara, que estejam mais abertos e com uma disponibilidade monetária para pagar os artistas para estes não estarem tão preocupados se vão ou não encher porque, depois, os artistas que estão a começar acabam por ter dificuldade em furar.
Que mudanças recomendas para o sector?
Acho que, havendo mais apoios da câmara… Já existem alguns apoios para projetos emergentes em teatros, ou seja, fora da cidade, cada câmara tem de apoiar projetos emergentes, só que acho que faz falta também dentro das cidades. Sinto que, por vezes, escolhem projetos que são emergentes, mas que já têm público, ou seja, acaba por não serem mesmo pessoas que estejam numa fase inicial. Isso faz falta, pessoas que queiram tocar e haver apoios para isso.
Costumas apresentar-te sozinha em palco. Como é fazer toda a música em direto?
Há muita adrenalina misturada. É difícil, mas também treinei muito e a parte mais difícil da canção é o início. Tenho de estar muito concentrada… Tendo pelo menos a base, é mais difícil falhar. Fazendo mal a base, é mais difícil dar a volta. É preciso muito estudo, treinar muito, estar muito concentrada e esperar que tudo corra bem.
Vais apresentar o novo álbum, Vou Ficar Neste Quadrado, no dia 11 de abril, no B.Leza. Tens alguma surpresa guardada?
Os concertos vão ser um bocadinho diferentes, vão ter mais elementos de multimédia, vídeos mais performativos a acontecer ao mesmo tempo que o concerto, que não se sobrepõem, mas que, de alguma forma, complementam o espetáculo, umas câmaras para mostrar o que estou a fazer.
Coisas da tua irmã também?
Sim, dela e também minhas. [risos]
E que concertos tens já confirmados para este ano?
Vou a França para a semana e tenho outras datas boas… [risos]
Quando vais ao estrangeiro, é mais onde há comunidades portuguesas?
Tem sido normalmente em festivais tipo Músicas do Mundo ou showcases em que as pessoas estão dispostas a conhecer coisas novas. Por acaso, tenho encontrado sempre portugueses…