A embaixadora Ana Gomes deixou hoje críticas aos “mecanismos de captura do Estado”, que defendem os interesses do setor privado em detrimento do interesse público.
“É uma consequência do discurso neoliberal contra o Estado. A administração pública está enfraquecida. Quando entrei, em 1980, cada ministério tinha os seus juristas, e de qualidade. Agora não, o outsourcing é feito à partida. Existe promiscuidade e conflito de interesse: o que é o caso EDP e CMEC senão isso?”, começou por dizer esta quarta-feira, apontando também que o caso Manuel Pinho é o “mais chocante de todos”.
“Existem mecanismos de captura do Estado, não tenhamos ilusões. E hoje propagam-se às próprias instâncias judiciais. As arbitragens ad hoc são um faroeste, não são institucionalizadas. Os portugueses são muito mansos, deixam que isto continue”, acrescentou na sua intervenção durante a conferência do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), organizada em conjunto com o Jornal Económico, que teve hoje lugar em Lisboa.
“A promiscuidade é flagrante. Envolve o centrão alargado. Quando se paga mal aos deputados, tem-se os deputados ao serviço de interesses. Não querem regulação do lobbying porque eles próprios são lóbistas”, segundo a embaixadora aposentada.
A antiga eurodeputada socialista reforça aqui que “quem diz deputados, diz membros do Governo. Não é por acaso que o anterior primeiro-ministro, se não fosse para este cargo europeu, tinha ido para a Universidade Católica, suponho que nem seja católico, para se preparar para ser árbitro em esquemas de justiça privada ad hoc“.
No final, deixou um apelo: “O sentimento de impunidade prevalece. Precisamos de guerreiros que decidam ir à guerra por muito que custe para as suas próprias carreiras e que os seus projetos de vida sofram”.